
Foi o crítico Sábato Magaldi quem categorizou as 17 peças de teatro de Nelson Rodrigues, separando-as em três grupos: Peças Psicológicas, Peças Míticas e Tragédias Cariocas. A partir dessa divisão, segue-se um breve resumo de cada uma das obras.
Peças psicológicas
A mulher sem pecado (1941)
Direção de Rodolfo Mayer
Olegário é um marido excessivamente ciumento e isso atrapalha seu casamento com Lídia. A situação se torna obsessiva quando Olegário fica paralítico e passa a atormentar a esposa com as piores acusações, chegando a contratar pessoas para vigiar todos os passos de Lídia. Junto com o casal moram também o chofer Umberto; a mãe de Olegário, D. Aninha, tida como louca; Maurício, irmão de criação de Lídia; Dona Márcia, mãe de Lídia; e a criada Inézia.
Vestido de noiva (1943)
Direção de Zbigniew Ziembinski.
A peça é tida como a fundadora do teatro moderno brasileiro, principalmente por desenrolar em três planos distintos: alucinação, realidade e memória. A história gira em torno de Alaíde, que, enquanto é operada num hospital após ter sido atropelada, relembra o conflito com a irmã, Lúcia, de quem tomou o namorado, Pedro. Em seu delírio, Alaíde imagina seu encontro com Madame Clessi, cafetina do início do século XX, assassinada pelo próprio namorado de 17 anos.
Valsa nº 6 (1951)
Direção de Milton Rodrigues
O monólogo tem como personagem a solitária Sônia (interpretada pela própria irmã de Nelson Rodrigues, Dulce Rodrigues). Assassinada aos 15 anos de idade, a moça narra suas memórias entre delírios e alucinações. Um Vestido de Noiva às avessas, como bem definido por Sábato Magaldi.
Viúva, porém honesta (1957)
Direção de Willy Keller
A farsa irresponsável em três atos narra a história da viúva Ivonete, que após a morte do efeminado marido Dorothy Dalton se recusa a sentar novamente, em sinal de luto eterno. O pai, Dr. J.B. de Albuquerque Guimarães, diretor de um dos jornais mais influentes do país – A Marreta – convoca então um time de charlatães para convencer a filha a abandonar o luto e se casar outra vez. São eles Madame Cri-Cri, ex-cocote, Dr. Sanatório, otorrinolaringologista, Dr. Lupicínio, psicanalista, e Diabo da Fonseca, o próprio satanás.
Anti-Nélson Rodrigues (1973)
Direção de Paulo César Pereio
Oswaldinho é um jovem mimado pela mãe, Tereza, e desprezado pelo pai, Gastão. O playboy é mulherengo e não tem escrúpulos, mas se torna dono de uma das fábricas do pai e toma por desafio conquistar uma jovem funcionária, a incorruptível Joice. Acostumado a ter tudo o que deseja, Oswaldinho usa de todos os subterfúgios mais vis para conquistar Joice. Mas não contava com um pequeno problema: o amor. Oswaldinho cai de amores por Joice após suas inúmeras tentativas frustradas de conquistá-la por meio do dinheiro.
Peças míticas
Álbum de família (1945)
Direção de Kleber Santos
A peça, interditada assim que lançada, e liberada apenas em 1965, inaugura o “teatro desagradável”, como nomeado pelo próprio Nelson. O texto retrata uma família aparentemente normal e feliz, mas internamente marcada pelas mais diversas perversões e desejos. O patriarca, Jonas, deseja a filha Glória, que nutre o mesmo sentimento pelo pai. Glorinha também é objeto de desejo do irmão Guilherme, que se castra para fugir dessa perversão. E a mãe, D. Senhorinha, nutre o amor proibido pelo filho Nonô, que enlouquece com essa relação. O álbum de família é o fio condutor narrativo dessa trama, em que as cenas retratadas são acompanhadas pela voz do locutor, que representa a opinião pública.
Anjo negro (1946)
Direção de Zbigniew Ziembinski
A peça narra a polêmica história de Ismael, negro que renega a própria cor, e de sua mulher branca, Virgínia, que não aceita a prole mestiça gerada da relação com o marido, por quem nutre uma relação de amor e ódio. Desejando ser mãe de um filho branco, Virgínia comete adultério com Elias, irmão de criação, branco e cego, de Ismael. Dessa relação nasce Ana Maria, branca como a neve. A atitude de Ismael a partir desse nascimento será o propulsor trágico do desfecho dessa história.
Senhora dos afogados (1947)
Direção de Bibi Ferreira
A obra foi interditada em janeiro de 1948, estreando nos palcos apenas em 1954. Com livre inspiração em Oréstia, de Ésquilo, e se aproximando de Mourning Becames Electra, de Eugene O’Neill, a peça aborda a trágica história da família Drummond, formada por Misael, casado com Dona Eduarda, e suas filhas Moema, Clarinha e Dora. O amor desmedido de Moema pelo pai conduz o tom dramático dessa história repleta de crimes e mistérios. O mar é um personagem à parte, num chamado mórbido e incansável às mulheres da família Drummond.
Dorotéia (1950)
Direção de Zbigniew Ziembinski
Uma farsa irresponsável em três atos, segundo definição de Nelson. Numa narrativa surrealista, a peça conta a história de Dorotéia, uma ex-prostituta, que, após a morte do filho, pede abrigo para suas três primas viúvas. Castas e feias, as primas moram numa casa composta apenas de sala – o quarto necessariamente as incitaria ao pecado – e seguem devotas a uma maldição milenar imposta às mulheres da família, que as impede de enxergar homens. Ao contrário das primas, Dorotéia é bonita, exuberante e não tem aversão aos homens, mas a tristeza pela perda do filho a faz aceitar a condição da maldição das mulheres da família.
Tragédias cariocas
A falecida (1953)
Direção de José Maria Monteiro
Narra a trajetória vertiginosa dos moradores da Zona Norte do Rio: Zulmira, tuberculosa, e Tuninho, um desempregado que vive dos restos de uma indenização. O casal vê seu cotidiano virar de cabeça para baixo quando Zulmira consulta uma cartomante. A vidente diz à moça para ter cuidado com uma mulher loura, afirmação que vai deflagrar em Zulmira a explicação para o mistério de todos os seus males.
Perdoa-me por me traíres (1957)
Direção de Léo Jusi
Uma tragédia de costumes, segundo o autor. A única peça em que Nelson Rodrigues atuou, interpretando um dos protagonistas, Raul, tio da órfã Glorinha, de 16 anos. Reprimida pelos tios, Glorinha passa a frequentar o bordel de Madame Luba. Ao descobrir, o tio revelará os mais sórdidos segredos.
Os sete gatinhos (1958)
Direção de Willy Keller
Uma das peças mais polêmicas de Nelson, essa seria, segundo ele, “uma divina comédia”. Somos apresentados à história da família Noronha, formada por Seu Noronha, contínuo da Câmara dos Deputados, sua esposa Aracy e as cinco filhas. Silene, a caçula, é descrita como a mais pura de todas as filhas, a única virgem, e por isso todos se empenham em proporcionar à jovem um casamento idealizado, de branco, véu e grinalda. Mas após um incidente na escola, os segredos inconfessos dessa família começam a ser revelados, expondo a podridão por trás da falsa moralidade.
Boca de Ouro (1959)
Direção de José Renato
O personagem-título é Boca de Ouro, o bicheiro mais temido do Rio de Janeiro, que recebeu esse nome quando mandou arrancar os dentes para colocar implantes de ouro no lugar. Depois de morto, sua história será contada ao jornalista Caveirinha por D. Guigui, sua ex-amante. A cada ato, a narrativa de Guigui sobre Boca é alterada conforme seu ódio e seu amor pelo cruel e assassino bicheiro.
O beijo no asfalto (1960)
Direção de Fernando Tôrres
Um desconhecido é atropelado e, em meio aos delírios da hora morte, pede um beijo a Arandir, um homem que passava pelo local e o amparou. O ato de misericórdia é transformado em notícia sensacionalista pelo repórter Amado Ribeiro, com ajuda do corrupto delegado Cunha. A vida e o casamento de Arandir se transformam num inferno após a publicação da notícia do beijo na primeira página do jornal. Numa crítica feroz à falta de ética na imprensa, Nelson acaba por consagrar sua famosa frase: “toda unanimidade é burra”.
Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária (1962)
Direção Martim Gonçalves
Maria Cecília é uma menina de 17 anos que, após ser estuprada por um bando de homens, terá a “honra lavada” pelo pai, o rico Werneck, que a arranja em casamento com Edgard, um jovem humilde que trabalha para ele, a quem oferece um cheque milionário para aceitar a união. Mas Edgard gosta de sua vizinha Ritinha e hesita em aceitar o cheque. Ao longo da trama, inúmeras revelações serão feitas sobre Ritinha e Maria Cecília. O título “Otto Lara Resende” é uma homenagem de Nelson ao grande amigo mineiro Otto, de quem pega emprestada uma de suas mais infames frases, que conduz a narrativa da peça: “o mineiro só é solidário no câncer”.
Toda nudez será castigada (1965)
Direção de Zbigniew Ziembinski
Classificada pelo autor como “uma peça obsessiva”, a história é narrada em flashback por Geni, uma personagem morta. Na trama, após ficar viúvo, o personagem Herculano faz um juramento ao filho Serginho, de nunca mais se casar. Mas Herculano é apresentado por seu irmão Patrício à prostituta Geni, e, após passar três dias com ela num quarto de bordel, Herculano se casa à revelia do filho. Serginho, criado pelas tias solteironas como um bibelô, se vinga do pai mantendo um caso com Geni. Numa complexidade edipiana, os desfechos de Toda nudez são devastadores.
A serpente (1978)
Direção de Marcos Flaksman
Peça em ato único que narra a história de duas irmãs, Guida e Lígia, que se casam no mesmo dia e decidem morar na mesma casa. Enquanto Guida vive feliz e satisfeita com seu marido, Lígia vive a decepção de um casamento no qual nem a primeira relação sexual é consumada. Os problemas começam quando Guida ‘tenta’ sua irmã, oferecendo seu marido por uma noite, e Lígia aceita. Está instaurada a tragédia.

