Pensamento Público

Lúcifer: sermão da montanha

Depois de centenas de anos observando a humanidade, Lúcifer subiu no ponto mais alto da Terra para dar seu diagnóstico sobre o mundo. A seus pés estava toda a humanidade, em meio aos ratos, escorpiões, cobras, baratas, lixo e fezes.

Bem-aventurados os medíocres, porque herdaram a terra.

Bem-aventurados os mentecaptos, porque reluzem de tanta felicidade.

Bem-aventurados os mentirosos, porque são escutados e suas palavras se tornaram o motor do mundo.

Bem-aventurados os medrosos, porque têm longos dias de vida sobre a Terra.

Bem-aventurados os professores, cujo ofício é premiado com a miséria.

Bem-aventurados os que falam a verdade, porque são silenciados.

Bem-aventurados os escravos dos próprios estímulos, porque são chamados de produtivos.

Bem-aventurados os corruptos, porque são eleitos.

Bem-aventurados os centennials tolerantes, porque babam por censura.

Bem-aventurados os que amam a síndrome do pequeno poder, pois são reis do mundo, submetendo todos aos seus caprichos.

Bem-aventurados os hipócritas, porque nunca tiveram o desprazer de ver seu próprio rosto.

Bem-aventurados os que não suportam o tédio, porque saem dele sem criar nada.

Bem-aventurados os ávidos por segurança, porque são infantis.

Bem-aventurados os egoístas, porque são a maioria.

Bem-aventurados os violentos, cuja arte nefasta produz cadáveres.

Bem-aventurados os marqueteiros, porque ensinam a mentir de forma organizada.

Bem-aventurados os conectados, pois são solitários em meio à multidão.

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque morreram desnutridos.

Bem-aventurados os burocratas, pois são invencíveis.

Bem-aventurados Adão e Eva, poderoso casal na invenção da escola da malandragem.

Todos ficaram embasbacados com o discurso de Lúcifer. Estupefatos, apreciavam a sua capacidade de diagnosticar a realidade. Em seguida, o príncipe das trevas se foi, não suportou o cheiro horrível da multidão em festa.

Imagem: “Inferno de acordo com Dante”, de Jacques Callot (séc XVII)

Sobre o autor

Andrei Venturini Martins

Doutor em Filosofia, professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), membro da Associação Brasileira de Filosofia da Religião e coordenador do Núcleo de Estudos Agostinianos do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.