“על שלושה דברים העולם עומד – על התורה ועל העבודה ועל גמילות-חסדים”
פרקי אבות, פרק א, משנה ב
“O mundo apoia-se sobre três coisas – o estudo da Torá, o serviço a D’us, e os atos de bondade.” Pirkei Avot – Ética dos Pais, 1: 2
“As esferas que constituem o mundo de relação são três. Primeiro, nossa vida com a natureza, na qual a relação se sustenta no umbral da palavra. Segundo, nossa vida com os homens, onde a relação toma forma de palavra. Terceiro, nossa vida com os seres espirituais, onde a relação, se bem carece de palavra, a produz.” Martin Buber (apud BERGMAN, 1961)
O termo “diálogo” está registrado no latim como “dialŏgus”, a partir da raiz grega “diálogos”. Ao pensar na composição desta palavra, vem-nos à mente uma conversa entre duas ou mais pessoas. No entanto, ao atentar à sua etimologia, encontraremos que, para os gregos, este vocábulo se referia ao processo de conhecimento através da palavra. Assim, o prefixo “dia” compreende um “através de”, neste contexto em relação à palavra, e “logos” indica explicitamente o saber manifestado. E é assim que Buber se apresentou a mim: propôs um diálogo – ao que logo aceitei; decorrente de um encontro – a leitura; de uma relação – seus questionamentos em contato com os meus, onde participam o “eu” e o “tu” ou o “eu” e o “ele” – a se depender da genuinidade do interesse.[1]
Segundo os vídeos de Daniel Fainstein[2] e Renato Huarte[3], Martin Buber, nascido em Viena, em 1878, e falecido em Jerusalém, em 1965, foi um intelectual livre que dialogou com a maioria das figuras intelectuais de seu tempo, considerado pelos seus contemporâneos, judeus socialistas, demasiado místico e, pelos religiosos, não cumpridor dos preceitos. A religiosidade possibilita a conexão conosco mesmos, tendo ele dialogado com a tradição da literatura chassídica, na qual percebia um vínculo sugerido entre pensamento e prática. Lemos em Bergman[4] (p. 78) que o contato de Buber com os textos chassídicos e adágios de Besht (fundador do chassidismo), sobre a diária renovação do homem piedoso em seu diálogo com Deus, fortaleceram gradualmente a sua presunção de que a essência do judaísmo poderia se encontrar na chassidut, na piedade pessoal. Apoiador do sionismo cultural, propunha um movimento de renascimento nos âmbitos da literatura, do idioma e das artes e o diálogo com os árabes da Palestina, tão merecedores de terras quanto os judeus – duas terras para dois povos. O diálogo com o diferente, com a alteridade, era capaz, defendia Buber, de proporcionar o desenvolvimento do ser humano em sua plenitude.
Buber entendia a linguagem como portadora do ser que se instaura por meio do diálogo do homem com o mundo, explicitadas nas palavras-princípio “eu-tu” e “eu-isso”. A atitude “eu-tu” acontece no evento da relação, da totalidade do ser, da presença, enquanto a atitude “eu-isso” se mostra no fato da experiência, do “eu” mais alijado, menos disponível. O parâmetro usado para estabelecer maior ou menor valor para uma relação “eu-tu”, a reciprocidade, baseia-se numa presença mais ou menos completa dos integrantes do evento da relação.
Para o filósofo, a palavra é dialógica, uma vez que é por meio da dialogicidade que o homem se faz homem e se situa no mundo com os outros; a comunicação não é uma dimensão do “eu”, ela é a essência que torna o “eu” possível. O movimento básico da vida dialógica consiste no voltar-se para o outro, percebê-lo e aceitá-lo na sua inteireza, se libertar da indiferença. Esse movimento dialógico essencial – ação ou atitude de voltar-se para o outro, configura-se como um desafio no mundo moderno, tão individualista. Afirma Bergman[5] (p. 80), ao falar sobre a filosofia de Buber, que é possível estabelecer uma relação vivente com todas as coisas, desde que se perceba sua centelha divina, e assim foi, ao falar e ler os mestres chassídicos: “Ao falar sobre eles, descobriu que eles também lhe falavam.”[6] (BERGMAN, 1961, p. 79)
Martin Buber, citado por Bergman (pp. 87 – 89), sugere que Deus está presente em cada relação e que a revelação de Deus ao homem, o encontro divino-humano não é um evento sobrenatural, uma vez que o traço mais judaico da concepção do mesmo sobre Deus é que é possível falar com ele. No diálogo entre Deus e o homem – Deus fala a cada homem por meio da vida que lhe deu e mantém[7]. Buber (p. 32) assinala que a mensagem do Velho Testamento está no meio do povo, na história do mundo e a palavra vai desde o indivíduo ao povo para que este possa ouvir e traduzir a realidade. [8]
De acordo com Buber, citado em Kramer et al. (2006), há três tipos de diálogo: autêntico, em que há reciprocidade entre os interlocutores – falado ou silencioso; técnico, necessário para o entendimento objetivo da informação – o mais comum na vida cotidiana; e monológico disfarçado de diálogo. O diálogo, meio pelo qual o encontro acontece, é o reconhecimento do outro em sua diversidade, do mesmo modo que se reconhece a si mesmo. Esse reconhecimento mútuo, de si e do outro, estabelece uma relação essencial que penetra o outro, que se dá no “entre”, entre as partes. O encontro não pode ser antecipado, é um evento singular, único, sempre dialógico e revela a totalidade do homem[9]. Putnam (2011, p. 99) traz a advertência de Buber sobre a relação “eu-tu” que pode não ser boa, até mesmo demoníaca, a depender da idoneidade do objeto.[10]
Conclui Cohen, em artigo publicado na Revista Época Negócios, em 2012, “A mensagem de Buber contém uma nova forma de enxergar as relações. O diálogo não é um meio para chegar a um consenso, mas uma prática contínua, ininterrupta e infinita.”[12]
Bibliografia
BERGMAN, Samuel H. Fe y Razón. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1961. pp. 76 – 92
BUBER, Martin. Imágenes del Bien y el Mal. Buenos Aires: Ediciones Lilmod. pp. 29 – 43
COHEN, David. Buber e o Poder do Diálogo. Época Negócios, 2012. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Inspiracao/Carreira/noticia/2012/04/buber-e-o-poder-do-dialogo.html
ETIMOLOGIA DO DIÁLOGO. Etimologia – Origem do Conceito, 2019. Disponível em: https://etimologia.com.br/dialogo/
FAINSTEIN, Daniel. Martín Buber, Vídeo introdutório. UHM. Disponível em: https://campus.uhebraica.edu.mx/mod/page/view.php?id=66783
HUARTE, Renato El judaísmo de Martín Buber: Esencia versus ritual Microconferência, Judaísmo Laico. Disponível em: https://campus.uhebraica.edu.mx/mod/assign/view.php?id=66800
KRAMER, Sonia et al. Encontros e desencontros de crianças e adultos na Educação Infantil: uma análise a partir de Martin Buber. Pro-posições, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072016000200135
PUTNAM, Hilary. La Filosofía Judía, Una Guía para la Vida. Barcelona: Alpha Decay, 2011. pp. 89 – 106
[1] ETIMOLOGIA DO DIÁLOGO. Etimologia – Origem do Conceito, 2019.
[2] FAINSTEIN, Daniel. Martín Buber, Vídeo introdutório. UHM.
[3] HUARTE, Renato. El judaísmo de Martín Buber: Esencia versus ritual Microconferência, Judaísmo Laico.
[4] BERGMAN, Samuel H. Fe y Razón. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1961. p. 78.
[5] Ibid., p. 80.
[6] Ibid., p. 79.
[7] Ibid., pp. 87 – 89.
[8] BUBER, Martin. Imágenes del Bien y el Mal. Buenos Aires: Ediciones Lilmod. p. 32
[9] KRAMER, Sonia et al., Encontros e desencontros de crianças e adultos na Educação Infantil: uma análise a partir de Martin Buber. Pro-posições, 2016.
[10] PUTNAM, Hilary. La Filosofía Judía, Una Guía para la Vida. Barcelona: Alpha Decay, 2011. p. 99
[11] COHEN, David. Buber e o Poder do Diálogo. Época Negócios, 2012.
Imagem: montagem sobre foto de autor desconhecido e fragmento de carta de Martin Buber