Comportamento Político

Personalidade e comportamento político: a Teoria dos Cinco Fatores na filiação ideológica dos eleitores

Arrisco dizer: poucas coisas atraem mais o não-psicólogo que o campo da personalidade. Deve ser por ter gaveta de sobra para caber tudo o que se pode falar sobre os outros.

Observem como virginianos e capricornianos são experimentados na fama de personalidades particularmente difíceis – tenho os dois signos no mapa astral, nenhum deles na posição solar ou lunar, o que me permite nutrir, no caso de meu julgamento, alguma esperança de misericórdia.

Suspendida a digressão, conto que poupem o mensageiro – ora ocultista, ora cientista –, mas trago verdades. As teorias da personalidade ocupam um papel dissidente na psicologia (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 29). Ainda hoje, raros profissionais dão trela para esse assunto.

Afinal, o que é personalidade?

Comumente, tendemos a categorizar a personalidade de alguém como sendo boa ou má, dependendo da habilidade ou perícia social dessa pessoa, da impressão que ela cria nos demais ou pela sua característica de maior destaque (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 32). Mesmo assim, estabelecer se uma personalidade é boa ou má, quase que no cara ou coroa, não deixa de ser uma descrição nebulosa.

Nós, os psicólogos, que deveríamos dominar a definição como ninguém, superamos o senso comum nessa empreitada, não em clareza, mas pelo menos no número de moedas no cofrinho.

Cattell e Oldert, em 1936, reuniram 18 mil termos, dos quais 4.500 podiam ser relacionados a traços generalizados e estáveis de personalidade – todo o meu respeito pelo empenho nessa coleta lexical, pois alguns psicólogos parecem especialmente resistentes. Será um traço de personalidade?

Em 1937, Allport contou quase cinquenta definições diferentes de personalidade.

Logo os leitores devem ter imaginado que existem muitas teorias de personalidade. Em tempo: definir personalidade depende da teoria com a qual se concorda. Não há muita precisão nelas e nenhuma é top de linha. O critério na escolha pode beirar o estético e, frequentemente, o dogma – porque, vejam bem, não existe certeza teórica. Mas há uma teoria que é a celebridade atual.

A Teoria dos Cinco Grandes Fatores, carinhosamente conhecida como Big-five, é a principal base conceitual de grande parte do trabalho contemporâneo na mensuração da personalidade (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 278). Sua origem remonta a Cattell, considerado seu pai intelectual.

Em esforços posteriores a Allport, Cattell conseguiu agrupar os termos em doze dimensões básicas e depois em dezesseis. Chegar a cinco fatores foi um esforço danado e muitos pesquisadores estiveram envolvidos, como Thurstone em 1934 e Fiske em 1949 (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 279).

Existem diversas versões dos “cinco grandes”, portanto os nomes podem variar, mas há concordância nos traços básicos: extroversão – capacidade de ser dinâmico, ativo e sociável; amabilidade – entram descritores como altruísmo, generosidade, lealdade, honestidade, sinceridade; conscienciosidade – diz respeito a lidar com obrigações; neuroticismo (ou estabilidade emocional) – tem a ver com controle de impulsos e emoções; e abertura para experiências – refere-se à faceta de interesse e curiosidade.

No livro The Oxford Handbook of Political Psychology, texto que estudamos no grupo de pesquisa Comportamento Político no momento em que escrevo, traz uma definição de personalidade boa para carregar no bolso: refere-se a padrões habituais e distintos de atividade física e mental que distinguem indivíduos uns dos outros.

O exame da personalidade tornou-se popular em política, basta uma olhada nas notícias na mídia moderna com foco na personalidade de líderes políticos. Eles não ficam de fora, pois andam dedicados em suas imagens pessoais e em suas narrativas – que precisam ser capazes de atrair potenciais eleitores (Huddy, Sears & Levy, 2013). As pesquisas nesse campo também passaram a considerar a personalidade dos eleitores: gostos e desgostos de candidatos parecem influenciar tanto quanto educação, gênero e idade (Huddy, Sears & Levy, 2013).

Tendo isso em vista, dentre as abordagens teóricas existentes, a teoria dos cinco grandes fatores ganhou espaço. No começo dos anos 1990, pesquisadores começaram a explorar a relação entre os cinco grandes fatores e a política (Cooper, Golden & Socha, 2013).

Após uma revisão da literatura, Cooper, Golden e Socha testaram algumas hipóteses em seu artigo de 2013. Entre os resultados, constataram que o fator abertura a experiências está positivamente associado com identificação partidária: pessoas com altos escores tendem a se posicionar como mais liberais que aquelas com escores menores.

Além disso, altos escores em abertura a experiências foram encontrados naqueles indivíduos que se colocam no lado esquerdo do espectro ideológico. Inclusive, esse parece ser um dos fatores mais significativos em relação a comportamento político identitário, pois eleitores liberais e de esquerda tendem a se descrever como mais mente aberta, criativos e buscadores de novidades que conservadores e eleitores de direita (Huddy, Sears & Levy, 2013).

Se a personalidade influencia as nossas relações uns com os outros, a forma como organizamos o mundo social e até a nossa preferência musical, não é surpresa que ela influencie a forma como nos engajamos em política (Cooper, Golden & Socha, 2013). Contudo, há dificuldades tanto em como medir essa influência na política quanto em como encontrar uma estrutura teórica coerente e de bom manejo.

Nesse sentido, há vantagens no Big-five, especialmente por sua praticidade e ênfase no concreto (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 287). Não seria nem remotamente adequado negar que é operacional, ou seja, que serve bem a pesquisas. Em contrapartida, dentro das inúmeras críticas a esse modelo, as principais são a valorização de uma possível pureza psicométrica (nunca alcançada em termos absolutos, mas acreditamos em muitas coisas – sendo a competência da métrica uma delas) e seu baixo poder de artilharia conceitual.

Ambas as críticas recaem sobre a ausência de explicações causais e o limite em predizer comportamentos, pois o fundamento nas medidas e nas comparações representa nada mais que tendências médias, sendo que sua aplicação é pouco satisfatória no entendimento de um indivíduo, especialmente em contexto clínico.

Tem mais. “Muitos psicólogos acham que teorias fatoriais não são teorias” (Hall; Lindzey & Campbell, 2000, p. 288). Por outro lado, e sendo justa, Cattell nunca se convenceu de que os cinco fatores eram suficientes. Além disso, muito do debate nas altas esferas da psicologia é feito na base da persuasão e não da comprovação: poucos teóricos se dedicam a submeter suas teorias a testes empíricos.

Contando que alguém queira minha opinião, a eficácia dos instrumentos de medida baseados na teoria do Big-five capenga em acurácia porque depende da resposta do sujeito: os questionários costumam ser autopreenchidos, isto é, é o próprio respondente que se atribui uma pontuação. Agora, quem avistou algum exemplar de nossa espécie que se conhece bem e com fartura de honestidade? Minha experiência diz que duendes são mais fáceis de se trombar por aí.

Se os leitores consideravam que os psicólogos se entendiam em termos de personalidade, trabalhando com uma teoria universal, aconselho que se abram a novas experiências: apenas a inocência de uma pouca quilometragem sobre a Terra é capaz de acreditar que a concordância prolifera espontaneamente entre nós, humanos.

Bom, àqueles que forem mais abertos, a pesquisa em comportamento político fornece palpites sobre sua inclinação ideológica. Se as pessoas mentiram nessas pesquisas, eu não duvidaria.

Referências bibliográficas

Cooper, C. A.; Golden, L. & Socha, A. (2013). The big five personality factors and mass politics. Journal of Applied Social Psychology, 43, pp. 68-82.

Hall, C. S.; Lindzey, G. & Campbell, J. B. (2000). Teorias da Personalidade. 4ª edição. Porto Alegre: Artmed.

Huddy, L.; Sears, D. O. & Levy, J. (2013). The Oxford Handbook of Political Psychology. Oxford University Press.

Imagem: Heraldo Galan

Sobre o autor

Carolina Rabello Padovani

Pós-doutora em Ciências pelo Instituto de Psicologia da USP e pelo LABÔ. Doutora e Mestre em Ciências pelo Instituto de Psicologia da USP. Especialista em Neuropsicologia pelo CEPSIC do HCFMUSP. Psicóloga, bacharel e licenciada pelo Instituto de Psicologia da USP. Pesquisadora do grupo "Comportamento Político" do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.