Comportamento Político

Presencial ou remoto: a logística do voto faz diferença na psicologia do eleitor?

Trabalho presencial, remoto ou híbrido? O assunto é litigioso. Gerações divergem: umas se impõem, em defesa da restauração do mundo pré-pandemia, outras batem as portas e largam esses reacionários para xingá-los nas redes, evidente, em caráter remoto, que a coragem vinga hoje apenas em segurança.

Michael Bruter e Sarah Harrison em Inside the mind of a voter: a new approach to electoral psychology (2010) apresentam aos seus leitores o conceito de ergonomia eleitoral.

Uma pausa. A última vez que ouvi falar no termo “ergonomia” era em referência às características (ergonômicas) de uma cadeira – item que ficou importantíssimo na pandemia, como todos sabem. Veja bem, esta não é uma digressão inútil.

Para Bruter e Harrison ergonomia eleitoral é um dos mais fundamentais conceitos definidos em sua obra e representa a interface entre cada aspecto da organização eleitoral e a psicologia dos eleitores (por psicologia os autores entendem os diferentes aspectos da personalidade eleitoral, memórias, emoções e identidade).

Toda essa interação (entre organização eleitoral e psicologia dos eleitores) afetaria como os cidadãos experienciam o voto, isto é, o que eles pensam sobre e por quanto tempo, as emoções que podem ser mobilizadas no momento em que eles votaram, suas atitudes (como senso de eficácia, satisfação democrática, confiança e por aí vai), sua probabilidade de participação e, por fim, sua escolha eleitoral.

É uma visão diferente da pesquisa tradicional em comportamento político direcionada apenas a preferências partidárias, restrições financeiras e simples hábitos e que, portanto, não analisa a experiência do eleitor ou seu comportamento. Essa tradição tem um ar de neutralidade que os autores rejeitam. Não usam a frase, mas certamente a usariam: não há escolha neutra.

Verdade que seria ingenuidade acreditar em efeitos diretos isoladamente. Nossos problemas são como sempre foram, tão sistêmicos quanto o grau de ergonomia de uma cadeira e seu impacto na qualidade de vida do seu usuário (quem trabalha sentado, compreende o que digo).

Em honra à menção à cadeira, de fato, o termo ergonomia refere-se às interaçõesentre humanos e outros elementos do sistema com o objetivo de otimizar o bem-estar e a performance global do sistema (Bruter & Harrison, 2010). É, portanto, uma interface entre sistemas, humanos e funções.

Tendo isso em mente, Bruter e Harrison analisam o voto remoto (em seus aspectos de localização e tempo) e o impacto tátil da cédula de papel (a materialização da forma do voto). Mencionei, não à toa, nossos debates sobre trabalho presencial, remoto ou híbrido. Será que tem diferença toda a logística do voto e será que ela afeta de jeitos diferentes tipos específicos de eleitores? Parece que sim e muito.

Em pesquisa com uma garotada com idades entre 15 e 17 anos, apesar de toda a expectativa por serem altamente digitais, com tendência à desmaterialização e com o adicional do fator mídia social praticamente onipresente, o voto remoto apresentou consequências negativas. Esses jovens pré-eleitores quando votam remotamente expressaram menos satisfação, menos alegria e menos excitação do que aqueles que vão às estações de votação. A experiência não é pouco ruim não: quem vota remotamente também relata menores chances de votarem de novo.

No primeiro caso de estudo destrinchado pelos autores, a votação presencial reforça a disposição empática do eleitor, seu senso de inclusão e sua probabilidade de considerar ou reconsiderar seu voto na última semana da campanha ou mesmo no dia da eleição. Vale enfatizar: o mesmo não ocorre com quem vota antecipadamente.

Isso leva a crer que tempo e presença importam, até na política. O voto antecipado custa o senso de inclusão dos eleitores. Além disso, significa que os eleitores por antecipação votam com base nas informações de forma diferente de outros eleitores e, assim, perdem a parte mais influente do tempo da campanha – ora, como fica escancarado em cada meme que desponta nas redes sociais nas manhãs após qualquer debate entre candidatos.

Outro achado dos autores é que eleitores remotos estão menos propensos a se engajarem emocionalmente (positiva ou negativamente), ou seja, eles têm menos polarização emocional. Parece positivo? Sei que a palavra polarização está puída de tanto ser utilizada, mas quem vota remotamente tem menor probabilidade de experimentar a sensação de resolução eleitoral, isto é, a sensação de que o voto serve para alguma coisa (no Brasil isso é difícil, não discordo do leitor).

Inclusive, o voto remoto reduz o senso de inclusão em sociedade, priva os eleitores de um dos benefícios sociais principais das eleições: fazer os cidadãos se sentirem parte de sua comunidade nacional. Sei que pensar em certas muvucas desperta sentimentos tenebrosos, mas não se esqueça de que indivíduos umbigocêntricos atrapalham a vida.

Não é nosso costume, porém o voto postal é uma possibilidade em alguns lugares. Essa opção também tem seus impactos e afeta, parafraseando Tolstói, cada geração à sua maneira. Os jovens têm maior probabilidade de votar na extrema direita e ocorre o inverso nos mais velhos.

No frigir dos ovos, mudar as eleições das estações de voto e do dia da eleição não é uma escolha eleitoral neutra. Tanto a experiência de estação de votação quanto o dia da eleição são críticos para se fazer das eleições uma experiência formativa agradável para pessoas jovens, promovendo senso de inclusão e eficácia. Por exemplo, pessoas jovens encontram mais excitação e prazer com a experiência tradicional de ir a um a estação de votação eleitoral do que voto online. Duvido que se perguntar cara a cara eles respondam assim, mas tudo bem.

De uma forma geral, segundo os autores, é totalmente insustentável dizer que o voto remoto é neutro em relação à experiência eleitoral e mesmo ao comportamento (Bruter & Harrison, 2010). Pequenos detalhes da organização de uma eleição importam.

No terceiro (e último) caso de estudo, Bruter e Harrison analisam as consequências do pedaço de papel que chamamos de cédula eleitoral e verificaram que seu formato altera o processo de decisão, a percepção de eficácia e a satisfação com a democracia. Por formato, entendem a versão em papel e a versão eletrônica. A defesa pelo meio eletrônico é aqui abalada: tem impacto ainda mais negativo para eleitores mais jovens (que votam pela primeira vez), mesmo que eles sejam vistos como o principal alvo para os esforços de redução do valor do voto. Os jovens costumam ser ingratos, não é atitude exclusiva em nossas casas.

Parece, ainda, que os jovens são os mais afetados pelas mudanças no processo eleitoral. Nós, velhos eleitores, estamos mais imunes aos efeitos psicomecânicos da ergonomia eleitoral que os mais jovens. Realmente, depois de um tempo de estada neste planeta que vota, não é para qualquer organismo ver os candidatos que lhe são opção e não adoecer por inanição.

Referência bibliográfica

Bruter, M. & Harrison, S. Inside the mind of a voter: a new approach to electoral psychology. Princeton University Press, 2010.

Imagem VOA / Seydina Aba Gueye / Wikimedia Commons

Sobre o autor

Carolina Rabello Padovani

Pós-doutora em Ciências pelo Instituto de Psicologia da USP e pelo LABÔ. Doutora e Mestre em Ciências pelo Instituto de Psicologia da USP. Especialista em Neuropsicologia pelo CEPSIC do HCFMUSP. Psicóloga, bacharel e licenciada pelo Instituto de Psicologia da USP. Pesquisadora do grupo "Comportamento Político" do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.