O Vazio Existencial na Contemporaneidade

Um recurso ante o sofrimento e o vazio: a atenção plena

Tradução: Kelma Mazziero | Revisão: Flávia Sarinho | © LABÔ
Título original: “Un recurso ante el sufrimiento y el vacío : la atención plena”

Ao filósofo Jean Pierre Faye (1998) é atribuída a denominação do século XX como sendo “O século das ideologias”. O termo ideologia foi formulado por Destutt de Tracy e originalmente designava a ciência que estuda as ideias, seu caráter, origem e as leis que as regem. Meio século mais tarde, o conceito adquire um conteúdo epistemológico com Karl Marx, para quem a ideologia é o conjunto das ideias que explicam o mundo em cada sociedade, em função de seus modos de produção.

Falamos em “ideologia” quando uma ideia ou conjunto determinado de ideias que interpretam a realidade são consideradas como verdadeiras e são ampla e conscientemente compartilhadas por um grupo social numa determinada sociedade. Tais ideias se convertem numa característica fortemente identitária, semelhante à religião, à nação, à classe social, ao sexo, ao partido político, ao clube social, ao time de futebol etc. e se formam tanto em grupos pequenos e fechados quanto em seitas ou grupos maiores e abertos.

A ideologia intervém e justifica guiando os atos pessoais ou coletivos de grupos ou classes sociais, a cujos interesses serve. Pretende explicar a realidade de uma forma assumida e tranquilizadora, mas sem criticismo, funcionando unicamente por meio de slogans e lemas [1].

Uma ideologia se transforma em problemática quando um determinado pensamento ou concepção de mundo se expressa através de preconceitos e dogmas que produzem confrontos, bem como uma doutrinação de seus apoiadores, reduzindo a complexidade da realidade a uma explicação totalitária e última que impede o diálogo e nega a possibilidade de discordar. A este fenômeno, próprio de nosso tempo, chamaremos “apego à ideologia”, que seria uma forma distinta do apego material ou emocional, mas que eventualmente poderá inclui-los.

Viktor Frankl (1992) trata como parte da condição humana o sofrimento de cada época histórica nas formas específicas de mal-estar vinculados às crises sociais, políticas e econômicas emergentes. É assim que se dão as tentativas das sociedades de encontrar recursos que possam dar respostas à essas crises. A segunda metade do século XX foi caracterizada por um aumento alarmante de enfermidades mentais e as estatísticas a respeito do século XXI elaboradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) sustentam que, em nível mundial, 5 das 10 principais causas de incapacidade estão representadas por enfermidades mentais [2]. A resposta emocional dos indivíduos à situação social que vivem foi denominada por Frankl como “a enfermidade do espírito de época”, e, com base em pesquisas de diversos autores, fundamenta a sua origem na necessidade espiritual que as sociedades experimentam de acalmar a sensação de alienação gerada por viver uma vida exclusivamente mundana, secularizada e vazia de sentido.

Na clínica psicológica, a expressão da patologia do espírito da época (Frankl, 1987) se manifesta na enorme predominância das síndromes depressivas e ansiedades. “Cada vez mais os indivíduos veem no mundo uma ameaça, e ao outro, ao semelhante, como um competidor de quem só se pode esperar uma má jogada” [3].

Esta postura, ideologia ou crença é chamada pelo filósofo francês Pascal Bruckner de a “religião moderna ou religião de mercado” [4], que transformou a preocupação pela materialidade numa obsessão. Junto disso, Bruckner afirma que, na busca ávida por libertação, o ser humano se vê tentado a responder às circunstâncias da vida com uma crença que veio a ser chamada de “a tentação da inocência” [5]. Essa crença está representada por duas posturas: a infantilização e a vitimização. A necessidade de proteção é uma necessidade humana legítima. No entanto, pode degenerar em infantilização quando se reveste de uma exigência por segurança desprovida de qualquer consciência de responsabilidade (como pode ter acontecido isso justo comigo?), e em vitimização quando a pessoa se coloca no grupo dos “perseguidos” buscando constantemente uma reparação por parte do outro (não posso seguir adiante até que o outro reconheça o seu erro). Bruckner sustenta que hoje assistimos a um estilo de personalidade que ele chama de os “bem-sofridos”, que são aqueles que competem na exibição das ofensas sofridas, sendo que muitas dessas ofensas são mais supostas que verdadeiras. Essa exibição de individualismo que frequentemente observamos em nossos consultórios oscila entre a reivindicação de autossuficiência e a busca ansiosa pela aprovação dos demais; entre a rejeição à norma e a angústia de ser diferente, como atitudes absolutamente paradoxais cujo pano de fundo é a mera reclamação e não uma ação de mudança. Estas manifestações, junto com outras tantas descritas por outros pensadores pós-modernos, encobrem um sentimento de vazio, frustração e mal-estar existencial que produz sofrimento intenso.

A Logoterapia, como uma psicoterapia que parte da visão totalizadora do humano e que vê na dignidade espiritual da pessoa a força capaz de se opor ao que a submete e condiciona, se situa no horizonte das psicoterapias do século XXI como alternativa de abordagem ante a patologia espiritual de nossa época. Como resposta à mera reclamação propõe ao paciente adentrar na maravilhosa – embora não seja fácil – busca pela autonomia de sua existência espiritual. Autonomia que se manifesta através do autodistanciamento e da autotranscendência, como recursos aos quais o logoterapeuta deve recorrer.

Em minha busca pessoal por recursos que favoreçam o autodistanciamento em pacientes que sofrem de transtorno de ansiedade e depressão, me deparei com uma ferramenta muito valiosa chamada Mindfulness. Esse termo é traduzido como “atenção ou consciência plena”, e, embora essa prática não tenha sido introduzida há muito tempo na Psicologia e na Medicina Ocidental, sua origem remonta há mais de 2.500 anos, sendo a essência fundamental das práticas budistas. Diante do que foi exposto anteriormente acerca de não ter sido necessariamente a vida moderna que nos complicou, mas sim as crenças que elaboramos em torno dessa vida moderna, o Mindfulness, através de um conjunto de práticas disciplinadas, ajuda nossa mente, a partir da atenção, da concentração e da meditação, a “se dar conta” da relação que se mantém com uma experiência.

A imagem que temos de nós mesmos, do mundo e dos outros são crenças automáticas que têm um grande valor para nossa sobrevivência, mas às vezes elas fazem com que tudo aquilo que percebemos seja sob uma tonalidade preestabelecida. A prática do Mindfulness nos ensina a “prestar atenção plena a tudo o que chega ao campo de nossa consciência”, processo que começa a interferir nessas crenças automáticas, ativando a área do córtex cerebral Pré-frontal Dorsolateral (centro integrador de memória e informação sensorial). Pondo em marcha a capacidade de auto-observação, o paciente é capaz de estar consciente de seus processos mentais e assim flexibilizar suas respostas e captar a realidade como ela é e não como sua mente a interpreta.

A prática da “consciência plena” não busca o relaxamento do paciente, mas sua capacidade de estar no “aqui e agora” da experiência, pois durante essa experiência fenômenos mentais de aversão podem surgir ou conduzir a emoções mentais negativas, permitindo-lhe descobrir e experimentar dados sobre si mesmo que talvez desconhecesse.

Quando o paciente consegue se autodistanciar de seus pensamentos e ações automáticas, a técnica do Diálogo Socrático o fará descobrir-se capaz de perceber a vida como uma oportunidade para dar, a cada momento, uma resposta livre e pessoal ao que lhe acontece. É daí que emerge toda a força, e às vezes naturalmente a convicção de que há um sentido a ser descoberto e realizado em sua vida.

Muitas psicologias, ao interpretar a existência humana como um mero conjunto de necessidades ou pulsões a serem satisfeitas, ou unicamente como um produto de condicionamento biopsicossocial (visão imanentista), cercearam sua condição mais essencial: a intencionalidade.

A Logoterapia, como psicoterapia que parte do espiritual da pessoa, resgata a intencionalidade da existência humana expressada num dever ou num valor a ser realizado e na entrega a um outro a quem conhecer e amar. A mera busca do prazer e o intento de evitar o sofrimento nos impedem de aprender valores superiores e da possibilidade de realizar ações compatíveis com eles. Frankl propõe, através da “intenção paradoxal”, reduzir a tendência à “evitação experiencial”. Esse também é um objetivo do Mindfulness que contribuiria enquanto técnica para a Logoterapia, a possibilidade de tornar o paciente consciente através da meditação, a relação que mantém com os pensamentos que surgem na conduta de evitação, de negação ou desamparo.

A possibilidade de estar no momento presente nos convoca a desfrutar plenamente da alegria e beleza da vida, respeitando tudo o que nos é oferecido como presente e mistério, dizendo “Sim, apesar de tudo”, tal como respondeu Frankl ante seu “experimentum crucis”.

Bibliografia

Bruckner, P. (2003). Miseria de la prosperidad: La religión del mercado y sus enemigos. Tusquets Editores, España.

Bruckner, P. (2006) La tentación de la inocencia. Anagrama, Barcelona Bruzzone, D.(2011) Afinar la conciencia. San Pablo, Buenos Aires.

Frankl, V. E. (1992) Teoría y Terapia de las Neurosis. Herder, Barcelona

Frankl, V. E. (1986) El hombre doliente. Herder, Barcelona.

Pareja Herrera, G. (1989) Viktor E. Frankl: Comunicación y resistencia. Premia Editora, México.

Websites

Brundtland, G. H. La Salud Mental en el siglo XXI. Nota Editorial del Boletín de la OMS. http://whqlibdoc.who.int/boletin/2000/RA_2000_3_91_spa.pdf. Recuperado 30/12/2012.

Molla i Ollé, J. La salud mental en el siglo XXI. Rev. Asoc. Esp. Neuropsiq., 1999, vol. XIX, n.º 72, pp. 693-702.http://www.dinarte.es/salud-mental/pdfs/72_debates2.pdf. Recuperado 30/12/2012.

[1] Wikipedia La enciclopedia libre. Recuperado el 30/12/2012.

[2] 2 Brundtland,G.H. La Salud Mental en el siglo XXI. Nota Editorial del Boletín de la OMS. http://whqlibdoc.who.int/boletin/2000/RA_2000_3_91_spa.pdf. Recuperado 30/12/2012.

[3] 3 Molla i Ollé, J. La salud mental en el siglo XXI. Rev. Asoc. Esp. Neuropsiq., 1999, vol. XIX, n.º 72, pp. 693-702.http://www.dinarte.es/salud-mental/pdfs/72_debates2.pdf. Recuperado 30/12/2012.

[4] 4 Bruckner, P (2003). Miseria de la prosperidad: La religión del mercado y sus enemigos. Tusquets Editores.

[5] 5 Bruckner,P. (2006) La tentación de la inocencia. Anagrama, Barcelona.

Imagem: Pedrocastillo09/Wikimedia Commons/

Sobre o autor

Adriana Sosa Terradas

Adriana Sosa Terradas é PhD em Psicologia, Logoterapeuta, Membro fundador e vice-presidente da Fundação Argentina de Logoterapia “Viktor E. Frankl”. Formada em Mindfulness, Técnicas de liberação emocional e Transtorno de Estresse Pós-traumático. Autora de vários artigos de Logoterapia e autora do livro “Habilidades para uma Vida com Sentido”, disponível na Amazon Kindle.