Diálogos da Diáspora – Racismo e Antissemitismo Judaísmo Contemporâneo: Filosofia e Literatura Judaicas

As evidências são claras, mas as mentiras são mais interessantes

No dia 29 de janeiro último, recebemos no LABÔ Betina Anton, autora do livro Baviera Tropical.

Betina, jornalista, conta no seu livro a história de Josef Mengele, o chamado “anjo da morte” (aliás, codinome não usado no livro) dos campos de concentração nazistas. Mengele ficou “famoso” por conduzir experimentos absolutamente terríveis como médico-chefe de Birkenau. Fazia “estudos” e “experimentos” com gêmeos, pesquisas em relação a transtornos de crescimento, anomalias diversas e, entre outras coisas, coletava esqueletos judeus, embriões humanos e corpos de recém-nascidos mortos. Betina exemplifica com os termos da Profa. Dra. Carola Sachse (professora do Instituto de História Contemporânea na Universidade de Viena): uma “orgia cientificamente sem sentido”.

A autora documenta os 34 anos em fuga de Mengele na América do Sul, até morrer afogado no Brasil. Eram muitos os seus protetores, apesar de todos (intimamente) saberem quem ele foi.

Quando a exposição de Betina terminou, abrimos para as perguntas do público. A primeira questão foi: “diante de tanta evidência, como ainda há pessoas que negam o Holocausto?”. Esta pergunta reflete a inquietação (ou talvez outro sentimento) de muitos nos dias de hoje. Como, apesar de tudo, ainda estamos vivendo este antissemitismo latente? Como, apesar de tudo, muita gente acha que o que houve nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial foi mera “invencionice”? Os judeus que “comandam a mídia”, que “comandam a economia mundial” possivelmente não passaram por aquilo. Foi tudo uma grande armação (ver a obra Dez mitos sobre os judeus).

Durante a aula fizemos uma discussão excelente com a autora, falando como é importante termos dados, fatos, fotos e tudo que é possível para calarmos as mentiras mais absurdas. E essa foi a resposta dela, é claro. Mas estamos diante de uma porção da humanidade que não quer crer na verdade.

E, para esclarecer esse ponto, chegamos em Hannah Arendt, com a coordenadora do grupo de pesquisa do LABÔ, Adriana Novaes, que acaba de traduzir a obra Crises da República.

Adriana, no dia de lançamento da obra em São Paulo, 01 de fevereiro de 2024, lê o seguinte trecho, parte do ensaio Mentir na política: reflexões sobre os documentos do Pentágono, que reproduzo abaixo:

Mentiras são frequentemente muito mais plausíveis, têm mais apelo à razão do que a realidade, uma vez que o mentiroso tem a grande vantagem de saber de antemão o que o público deseja ou espera ouvir. Ele prepara sua história para o consumo do público com o cuidado de fazê-la verossímil, ao passo que a realidade tem o desconcertante hábito de nos confrontar com o inesperado, para o qual não estamos preparados.

E assim Arendt nos explica (e utilizo suas palavras de 50 anos atrás, tão claras) que quando nos confrontamos com antissemitas prontos para receber uma história de acordo com o que acreditam – que judeus realmente não precisariam existir, por exemplo–, o acreditar que o Holocausto foi uma invenção é absolutamente normal – e que é impossível morrer tanta gente assim. Olhar para trás e produzir uma mentira para um público que quer esta mentira chega a ser até simples.

Olhar para o ataque terrorista de 7 de outubro e chegar à conclusão de que Israel “orquestrou” todo aquele cenário de mutilação e horror é um exemplo claro do que a filósofa nos ensina.

Como Arendt nos diz, “em circunstâncias normais, o mentiroso é derrotado pela realidade” – mas não estamos mais em circunstâncias normais. E a realidade é muito, mas muito mais complexa.

Finalizo com a dica de sempre: leiam. Os livros (de quem pesquisa e escreve sobre a realidade com dados que não devem ser questionados) são essenciais para entendermos que, no mundo complexo em que vivemos, é preciso encarar a realidade dos fatos e que, sim, são muito mais complexos do que respostas simples fornecidas por negacionistas de quaisquer espécies.

Neste artigo mencionei:

  1. Hannah Arendt – Crises da República
  2. Betina Anton – Baviera Tropical
  3. Maria Luiza Tucci Carneiro – Dez mitos sobre os judeus

Já é um bom começo.

Sobre o autor

Andréa Kogan

Formada em Letras, doutora em Ciências da Religião pela PUC-SP, autora do livro “Espiritismo Judaico”, assistente acadêmica do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ, onde também é coordenadora do grupo de pesquisa sobre Morte e Pós-Morte e pesquisadora do grupo de Judaísmo Contemporâneo.