
Existe muito debate acerca de qual seria a finalidade da educação nos dias atuais. Bill Gates publicou um artigo sobre o assunto que expressa claramente essa questão. Para ele, as escolas dos Estados Unidos estão obsoletas em sua prospota educacional, pois a finalidade é projetar escolas “para atender às necessidades do século 21” por que ele está temendo pela “força de trabalho de amanhã” (GATES, 2005: 24 apud SUNG, 2012, p. 56). Claro que não podemos desconsiderar a importância da educação para o mercado de trabalho, mas reduzi-la apenas a esse fim imediato certamente resultaria em um reducionismo em todo processo educacional.
Pois quando a educação perde a capacidade de desenvolver nos educandos uma nova maneira de ser e de estar no mundo, um novo jeito de pensar a partir da vida cotidiana e da prática, ela se burocratiza e se torna sem sentido. Dessa forma, emerge a seguinte indagação: qual seria a finalidade da educação?
Para isso, o presente artigo definiu como foco para tal dilema as contribuições antropológicas de Viktor Frankl fundador da Logoterapia, pois assim que compreendermos o ser humano sem seus reducionismos conseguiremos analisar a finalidade da educação, já que “educar” origina-se do latim educare, que significa conduzir, que por sua vez está relacionado ao verbo educare, que traduz a ideia de “extrair”, “conduzir para fora”, ou seja, pode se dizer que a educação tem um carácter autotranscendente, no sentido de levar o educando para o mundo além dele mesmo.
A visão integral do Ser Humano na perpectiva de Viktor Frankl
O maior legado da obra de Viktor Frankl justamente é acerca de sua visão de Homem, diferenciando em muitos aspectos das visões reducionistas apresentadas por seus antecessores, e que ainda apresenta forte influência, seja no âmbito terapêutico ou educacional como iremos desenvolver.
É de suma importância compreender que tal legado é um movimento contra aquilo que o próprio Frankl chama de “sub-humanismo”:
“Eu definiria reducionismo como uma abordagem pseudocientífica que negligencia e ignora o caráter humano de determinados fenômenos ao reduzi-los a meros epifenômenos, mais especificamente, ao reduzi-los a fenômenos subumanos. De fato, pode definir-se reducionismo como um sub-humanismo.” (FRANKL, 2011, p. 29)
Assim, para fugir do reducionismo, Frankl irá integrar a noção de espírito (nous) como sendo uma dimensão própria da unidade do ser humano dentro de sua constituição ontológica. Desta forma, o ser humano não poderia mais ser reduzido apenas a processos psicológicos, sociológicos ou somáticos, mas sim percebido dentro de uma unidade tridimensional constituída pelas dimensões somática, psíquica e noética (ou espiritual).
Contudo, não devemos misturar as dimensões ontológicas do ser humano, pois cada dimensão seja a corpórea, psíquica ou noética são diferentes entre si, e para isso, Frankl retoma um conceito de homem definido por Tomás de Aquino como sendo “unitas multiplex”, e acrescenta “a arte tem sido definida como uma unidade na diversidade. Eu definiria o homem como unidade apesar da multiplicidade.” (FRANKL, 2011, p. 33).
Por isso, não se pode aceitar qualquer tipo de visão fechada acerca do ser humano, ou seja, uma visão determinista do seu ser. Qualquer tentativa que tente representar o ser humano a partir de uma dimensão somente não fica livre de um reducionismo ou de um desvio na ideia de pessoa. Tampouco podemos enxergá-lo com um ser fragmentado, pois:
“Apesar de suas diversas dimensões, a pessoa humana não pode ser fragmentada, posto que além de ser in-dividuum, ou seja, não pode ser dividido, é ambém in-summabile – além de unidade, o ser humano é uma totalidade.” (AQUINO, 2013, p.45)
Especificando a dimensão espiritual – ou noológica – de acordo com Frankl, não pode ser confundida com a conotação religiosa ou teológica, mas sim, se refere a uma dimensão “propriamente dita do ser do homem” (FRANKL, 2017, p.62), isto é, “o homem só se torna visível na medida em que inserimos essa “terceira” dimensão em sua consideração: somente então vislumbramos o homem enquanto tal.” (FRANKL, 2017, p.64).
O homem não pode ser representado apenas em sua dimensão biológica, sociológica ou psicológica, pois tais sistemas são condicionados e precisamente determinantes dentro de suas realidades, entretanto, a partir da dimensão do espírito que o homem poderá incorporar sua própria existência, já que existir (Ex-sistir) é sempre um sair de si mesmo, uma dinâmica na qual o homem sai do plano corpóreo-psquíco e chega a si mesmo na dimensão espiritual, o especificamente humano. Nesse sentido, o ser humano pode ser considerado único e irrepitível quando assume não o papel de um ser fechado em si mesmo, mas o um ser que pode decidir o que é.
Diante dessa capacidade de autrotrancendência, isto é, de um devir a ser além de si, que podemos assentar o papel educativo como sendo um meio para o sentido, já que sentido é algo constituinte da dimensão espiritual que sempre estará se dirigindo a alguma pessoa para amar, uma obra a qual se dedicar ou a um Deus a se servir.
Educação “para o sentido”
A logoterapia de Viktor Frankl é uma teoria centralizada na totalidade do ser humano em todas as suas dimensões, biopsquiconoética, fazendo assim, uma abordagem que corre menos risco de qualquer tipo de reducionismo, seja na parte antropológica, ou de visão de mundo na qual ela se propõe a enxergar. Consequentente, a visão da Educação perpassa também por um novo olhar a partir de tal teoria.
E para falar sobre as contribuições de Frankl no âmbito da educação, é importante no primeiro momento entender a crise e os reducionismos na qual ela enfrenta em nossa cultura atual, que seria:
“Nossa sociedade é de massa. Os meios de comunicação de massa são os principais responsáveis pela mentalidade e pela cultura dos jovens de hoje. Os partidos políticos tornam-se pura burocracia, e para eles o cidadão não passa de mero dado estatístico na pesquisa de opinião pública. […] As universidades manipulam-no como elemento cego, obrigando-o a adquirir conhecimentos e capacidades exigidas pelo mercado, para a manutenção de sutis equilíbrios. Eis por que Tillich enxerga o ser humano moderno como ‘uma correia na complexidade de uma máquina universal, à qual deve adaptar-se para não ser excluído. Mas essa adaptação transforma-se no meio para alcançar fins, aos quais falta um objetivo último. O resultado dessa situação fechada do ser humano na sociedade industrial é a experiência do vazio e do absurdo, da desumanização e do separatismo’” (FIZZOTTI, 1996 apud AQUINO, 2015 p.19 grifo nosso)
E é a partir deste método educacional que não busca a compreensão do ser humano e sua busca pelo sentido, mas sim usa-o apenas como um meio para satisfazer as demandas industriais de uma sociedade consumista que podemos caracterizar a crise de sentido no próprio modelo de educação nos dias atuais. Para Frankl:
“O sentimento de vazio e de falta de sentido por parte dos estudantes é reforçado pelo modo reducionista por meio do qual as descobertas científicas lhe são apresentadas. Os alunos são expostos a um processo de doutrinação que mescla os princípios de uma teoria mecanicista do ser humano a uma filosofia de vida relativista.” (FRANKL, 2011, p. 108).
Isto é, o problema do reducionismo não está apenas em apresentar uma perpectiva distorcida da realidade, ou limitada, mas quando visto a partir da educação pode tirar a “oportunidade de encontrar sentido” (FRANKL, 2019 p.28), fazendo assim, o educando passar pela experiência da frustração existencial e perda de sentido.
Na teoria de Frankl, ignorar a vontade de sentido do ser humano é reduzi-lo e não considerá-lo em sua dimensão integral, pois a vontade de sentido ainda permanece em sua humanidade, pois o sentido sempre estará tencionando-o para algo ou algém. (FRANKL, 2011).
Neste ponto de vista, a contribuição da logoterapia que é centralizada no sentido faz a educação ser necessariamente um meio para concretização de sentidos, pois é da essência do ser humano tal busca por ser uma capacidade “exclusivamente humana” (FRANKL, 2011, p.29), caracterizada na sua dimensão espiritual. E para isso, Frankl elabora a finalidade da educação, considerando o ser humano em sua totalidade, dentro desse processo:
“Vivemos numa época em que predomina um sentimento difuso de que a vida carece de sentido. Cumpre, portanto, que a educação não se limite a transmitir conhecimentos, mas contribua para o aprimoramento da consciência, de forma que o homem alcance uma sensibilidade suficientemente apurada para captar as exigências inerentes a cada situação.” (FRANKL, 2019, p. 31 grifo nosso).
Em outro momento, Frankl reafirma a importância da consciência para a realização de sentidos:
“Na era do vácuo existencial, como dissemos, a educação não deve limitar-se a transmitir conhecimentos, nem contentar-se com o repasse das tradições. Ela deve, sim, refinar a capacidade humana de encontrar aqueles sentidos únicos que não se deixam afetar pelo declínio dos valores universais. Essa capacidade humana de encontrar o sentido escondido por trás de cada situação singular é o que chamamos de consciência. A educação deve, portanto, guarnecer o homem com os meios para encontrar o sentido.” (FRANKL, 2011, p. 107-108)
Neste ponto de vista, a educação tem como função despertar a consciência do educando atuando como uma “guia” na busca e na realização para que este possa encontrar os sentidos a serem realizados em sua condição mais humana, “portanto, pode-se conceber que a educação para o sentido seria aquela na qual o educador fortalecia a vontade de sentido do seu educando.” (AQUINO, 2015, p. 25). Na prática, a educação deve reforçar a capacidade do educando de assumir a responsabilidade de decidir frente à vida, de entender que a vida o confronta e não ao contrário. A educação para o sentido deve aguçar a consciência do educando que a vida sempre o convoca para ser aquilo que só ele pode ser frente a sua própria existência.
E é justamente tal educação para o sentido que se pode contribuir para a própria existência e liberdade do indivíduo frente aos seus condicionamentos, sejam eles psíquicos, biológicos ou sociais, pois a partir de uma consciência aguçada que se poderá tomar uma atitude diante de qualquer situação que invoque uma resposta.
É apenas na “abertura a uma nova dimensão, à dimensão dos fenômenos noéticos […] que os eventos tipicamente humanos devem ser localizados.” (FRANKL, 2011, p.27-28), pois, “apenas quando o homem preenche um sentido lá fora, no mundo, é que ele se realizará a si mesmo” (FRANKL, 2011, p. 53)
Quando um processo educacional não contribui, o educando não conhece ou não constrói um sentido que faça valer a pena lutar pela vida e pelo processo de humanização, esse mesmo processo educacional acaba por não oferecer o sentido da sua própria ação educativa. Se há algum movimento logoterapeutico no processo de educação, ele certamente “é um movimento pelos direitos humanos, pois se encontra no direito humano a uma vidão tão cheia de sentido quanto possível” (FRANKL, 2011. p. 207).
Dessa forma cabe à educação aguçar a consciência crítica e criativa para além das condições impostas. A educação para o sentido deverá ampliar o campo visual de valores, possibilitando assim ao educando decidir pelo sentido que deve responder, se deparando assim, com um sentido que vale a pena a viver.
Referências bibliográficas
AQUINO, Tiago Antonio Avellar de. Logoterapia e Análise Existencial: Uma introdução ao pensamento de Viktor Frankl. São Paulo: Paulus, 2013.
AQUINO, Tiago Antonio Avellar de. Sentido da vida e valores no contexto da educação: Uma proposta de intervenção à luz do pensamento de Viktor Frankl. São Paulo: Paulinas, 2015.
FRANKL, Viktor Emil. A Vontade de Sentido: Fundamentos e aplicações da logoterapia. Trad. Ivo Studart Pereira. São Paulo: Paulus, 2011.
FRANKL, Viktor Emil. Logoterapia e Análise Existencial: Textos de seis décadas. Trad. Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2017.
FRANKL, Viktor Emil. Psicoterapia e Sentido da Vida. Trad. Alípio Maia de Castro. 7ª ed. São Paulo: Quadrante, 2019.
SUNG, Jung Mo. Educar para reencontrar a vida: Pedagogia e espiritualidade. 3ª ed. São Paulo: Reflexão, 2012.
XAUSA, Izar Aparecida de Moraes. A Psicologia do Sentido da Vida. São Paulo: Vide Editorial, 2011.
Imagem: Schoolroom at Ancient Chapel of Toxteth (Rodhullandemu/Wikimedia)
