O marketing é o conhecido campo de estudos que, com base em pesquisas de opinião e sondagens de mercado, busca antecipar as tendências para definição de ações em relação ao posicionamento dos mais variados segmentos. Nesta direção, essa ciência humana – a rainha entre todas elas, como nos disse Luiz Felipe Pondé no seu Marketing Existencial: a produção de bens de significado no mundo contemporâneo (São Paulo: Três Estrelas, 2017) – se destaca entre aquelas que pretendem lançar algum tipo de luz ao futuro próximo. Parece-nos então que as expectativas do marketing devam estar voltadas para a exploração dos cenários pós-quarentena. Aliás, uma boa e até positiva maneira de pensarmos no que virá pela frente, uma vez que este exercício pode ser feito enquanto ainda estamos nas nossas casas, e não é ruim pensar na retomada de nossas vidas outdoor.
Para quem se detém na pesquisa em comportamento político, as perguntas que se colocam são as que procuram sondar quais serão os diferentes tipos de eleitores com que nos depararemos mais adiante, após a diminuição do distanciamento social, do retorno às atividades cotidianas e, neste caso, das primeiras eleições que estão programadas para o segundo semestre de 2020. Levantaremos aqui algumas destas questões, ao menos as que nos são sugeridas neste momento.
As lideranças que mais se pronunciaram, e que tiveram posições claras em relação à escolha de uma alternativa ou outra sobre o enfrentamento da pandemia, sairão como destaques positivos ou negativos? Esta pergunta nos parece pertinente, uma vez que as estratégias frente à proliferação do coronavírus foram enviesadas. Ou seja, conseguimos manter uma situação em que dois lados se opuseram, mesmo em se tratando do enfrentamento de uma doença que não escolhe acometer uma pessoa por conta de sua ideologia, fé ou algo parecido. Aparentemente, a batalha já está perdida para aquele que for identificado com as más estratégias, aquelas que, por exemplo, resultarem em aumento do número de mortos ‑ isto para permanecermos na crença de que os óbitos terão condições de mobilizar os eleitores no futuro próximo. As contas em relação à recessão econômica e aos males que isso pode provocar, maiores na visão de alguns em comparação com as perdas para a covid-19, não serão tão fáceis de serem explicadas, compartilhadas ou aceitas. Mas é nebuloso supor, agora, quem sairá melhor do ponto de vista do capital político, até mesmo porque, na batalha das narrativas, quem hoje parece estar numa situação mais frágil poderá se recolocar no futuro. Na era da política digital, o virtual pode ter mais força que os números.
O ressentimento em relação àqueles identificados com estratégias que se revelem causadoras de um aumento do número de perdas será pronunciado? Aspecto novo para a maioria das nações do século XXI, excetuadas somente aquelas que convivem com o cenário de guerra civil ou recessão crônica e avassaladora. A história tem nos mostrado que as perdas serão sim contabilizadas e não esquecidas. Em especial, serão contempladas quais as estratégias se mostraram equivocadas, cabendo a conta desta fatura para um lado ou outro. Esta energia, da ira e do ressentimento, poderá sim ser capitaneada por quem melhor se sair na dinâmica das redes sociais, na capacidade ou não de instilar veneno contra qualquer um dos lados envolvidos na contenda. Como reagirão os que contaram perdas durante a pandemia? Que guardem para si as posições que foram tomadas e guiadas por políticos que não mais serão esquecidos por conta de suas escolhas de encaminhamento é o que nos parece mais provável, quando comparado a situações ocorridas no século XX, que é a nossa referência mais próxima em se tratando de um acontecimento de tamanha preocupação e tensão. As desforras ou cobranças de fatura poderão sim funcionar como diferenciais na política feita nos gabinetes do ódio que se proliferam nas redes sociais. É provável que novas chaves geradoras de estímulos ganhem força, com a identificação mais ligeira entre desemprego, mortes, estratégias e a posição ideológica de um político A ou B. Neste quesito, acreditamos que as articulações de direita levem alguma vantagem, uma vez que têm operado melhor com os estímulos geradores de respostas emocionais nas redes sociais.
Haverá alguma possibilidade de se recuperar o centro, a partir da identificação daqueles que tenham demonstrado solidariedade e identificação para os que mais sofreram? A percepção de humanização pode ser um diferencial neste suposto retorno ao centro? Hipótese difícil inclusive de ser articulada. Estamos falando de um sentimento sutil que pode perpassar a sociedade, mas que não se manifestará com clareza. Aqui, teríamos em mente o acolhimento de posições políticas fora do crivo da polarização, num espaço de convergência de polos até então vistos como opostos. Nesta direção, contemplaríamos uma saída do cenário que até então vem se manifestando, este que tem sido capaz de ideologizar o vírus e o encaminhamento da solução da pandemia. Os posicionamentos mais aguerridos nas redes sociais parecem indicar a persistência da polarização, mas todos sabemos que estamos num cenário inédito com desdobramentos difíceis de serem mapeados. E é bom que se enfatize que este tema passa pela emoção, de longe, o que costuma dificultar qualquer prognóstico sobre o comportamento dos eleitores nas eleições.
Haverá espaço para o surgimento de novas lideranças? Serão abertas perspectivas de identificação humanizada com quem quer que se entenda que se saiu melhor na condução das estratégias durante a pandemia? Esta é uma das reflexões mais atraentes, inclusive por conta da aderência mais positiva à renovação da política, o que vem a confundir ideal com o real. Mas, de fato, o momento do enfretamento da pandemia abre espaço para quem venha a ter identificação popular: ministros, secretários, profissionais de saúde. Pode ser, sim, que a saída da quarentena apresente sinais de volatilidade em relação a isso, no surgimento de novos atores políticos, algo impensável antes deste evento. No entanto, a percepção positiva em relação a quem se entendeu que esteve por perto, alerta e na luta pelas melhores alternativas, pode também ocupar um espaço significativo. E esta pessoa pode ser aquela que conte com maior recall e investimento nas redes sociais.
Quantas outras possibilidades e frentes temos para supor a continuidade de nossas vidas políticas na saída da quarentena? Quais outros cenários podem ser explorados com proveito e com perspectivas de aprofundamento? Estas questões, sendo ou não respondidas, farão parte da pesquisa em comportamento político durante algum tempo, para além inclusive de 2020.
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