É possível falar que o Brasil é um país tolerante? A combinação de inúmeros casos de violência somados ao atual momento de tensão política suscita questionamentos sobre a sociabilidade brasileira. Decerto, estamos em um momento peculiar no âmbito político. No momento em que escrevo este texto, estamos passando pelo evento que pode, talvez, ser considerado o mais marcante desde a Segunda Guerra Mundial. Mas a situação provocada pela pandemia de COVID-19 se tornou instrumento político para construção de narrativas.
Já foi dito que a polarização política não está em quarentena. E isso acontece não só no nível doméstico, nacional, mas no internacional ganhando proporções ainda maiores. No começo deste ano, vimos a escalada da tensão entre os países EUA e Irã, com a morte do general Qassem Soleimaini após bombardeio ordenado pela Casa Branca. Essa questão nos fez perguntar sobre a possibilidade de uma nova guerra mundial. Diante de acontecimentos como esse é que percebemos as consequências danosas que esses problemas podem acarretar. É num ambiente como esse, provocado pela polarização, que a violência se torna “justificável”, o ódio ganha eco e o fanatismo, forma. Falar sobre o fanatismo nos ajudará a compreender o que é a intolerância.
Amós Oz, em seu livro Como Curar Um Fanático, vai dizer que o fanatismo é uma semente que reside sempre numa autojustificativa sem concessões, e que o fanático é, constantemente, aquele que só sabe contar até um; dois é um número grande demais para ele ou ela. Infelizmente, esses traços são muito encontrados em nosso país.
Em 2016, aproximadamente 8,7 milhões de estudantes se depararam com o tema da intolerância religiosa na redação da prova mais importante do país, a saber, o Enem. Considerando o alto número de inscritos – o segundo maior até então, perdendo somente para 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil – e o alcance que o tema teria pelos meios de comunicação, pensamos que essa seria a oportunidade para travar um debate racional, visando soluções para o momento e futuro. Mas os resultados se mostraram ineficazes, pois, após um ano, em 2017, foram registrados diversos atos de vandalismo e destruição de locais onde ocorriam cultos de religiões de matriz africana. Quem praticaria esses atos senão o fanático?
Além disso, outro ponto que podemos destacar é a ideia que Sergio Buarque de Holanda chamará de “cordialidade” brasileira. O que isso significa? O Brasil é formado por uma mistura de diversos povos e culturas, o que por muito tempo foi visto como uma “qualidade”, uma vez que isso implicava na visão de uma nação hospitaleira, generosa e civilizada. Podemos apontar que essa ideia foi construída por alguns fatores e atores.
Em 1941, o mundo estava em colapso, aqui se desenhava o cenário da Segunda Guerra Mundial. O presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt, com a chamada Política de Boa Vizinhança, tinha o intuito de se aproximar das nações sul-americanas. Para tanto, contratou Walter E. Disney – produtor cinematográfico e cofundador da The Walt Disney Company – para serviços diplomáticos. Foi nesse período que elementos culturais foram introduzidos como, por exemplo, Carmem Miranda, a música tema do filme “Alô, amigos” Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, e emblemático personagem Zé Carioca.
Embora não tenha sido o fator primordial, vemos que essa aproximação entre culturas corroborou para o imaginário estrangeiro acerca das “virtudes” nacionais. Comumente somos reconhecidos como o país do futebol, samba, hospitalidade e generosidade. Entretanto, em seu livro Sobre o Autoritarismo Brasileiro, Lilia M. Schwarcz aponta como não existe elogio à essa “cordialidade”, uma vez que carregamos uma herança perversa, e que perdura até os dias hoje, como desigualdade social, racismo, corrupção e intolerância. Nesse sentido, começamos a perceber que, de fato, o Brasil está muito longe de ser um país tolerante.
Porém, a ideia deste texto não é apenas apontar as causas, mas também tentar reverter essa situação apontando saídas. Para isso, temos: a tolerância e a diplomacia.
Hodiernamente, a temática acerca da tolerância não é uma novidade para nós. Muito se tem falado sobre isso. Ela pode ser confundida com a palavra “respeito”, mas ainda assim tema de discussão. Não obstante, temos visto que apenas falar sobre tolerância não traz resultados significativos, pelo contrário, esses são efêmeros.
Tolerância, no plano pessoal, podemos definir como a capacidade mental de compreender que o outro tem critérios, escolhas e crenças diferentes. Uma vez que isto é posto, abrimos caminho para introduzir o que vejo como crucial para o ambiente de tensão que estamos hoje: um espírito diplomático. Guimarães Rosa, sendo considerado um dos maiores escritores brasileiros do século XX, disse: “o diplomata é um sonhador que acredita poder remediar o que os políticos estragaram”.
A diplomacia brasileira é muito reconhecida e valorizada interna e externamente. A história pode comprovar. No último dia 08 de abril, completaram-se 150 anos desde a Guerra do Paraguai – última guerra da qual o Brasil participou ativa e diretamente. Sem dúvida, um dos maiores nomes da história do Brasil que podemos apontar é o de José Maria da Silva Paranhos, mais conhecido, pelo seu título nobiliárquico, como Barão do Rio Branco. Ele, como ministro das relações exteriores, foi o responsável por delimitar grande parte das fronteiras nacionais, além de somar aproximadamente 900 mil quilômetros de extensão territorial ao Brasil sem precisar entrar em nenhuma guerra. Dentre as fronteiras anexadas, podemos destacar a do Amapá, Acre, Paraná, entre outros. Juca Paranhos é considerado o patrono da diplomacia brasileira e seu legado faz da nação uma das mais respeitadas e admiradas no mundo.
Nesse momento, em que há muitas vozes ressoando em cada rua, casa e “post” – o que eleva a tensão política que tem marcado esta década –, precisamos de tolerância, para lidar com diferentes visões de mundo, e de “diplomacia social”, um caminho para solucionar problemas e gerar credibilidade política para sermos ouvidos.
Imagem: Heraldo Galan