Judaísmo Contemporâneo: Filosofia e Literatura Judaicas

Judaísmo é paradoxo

Abraham Joshua Heschel e Martin Luther King Jr

Há algum tempo eu pensaria que falar da importância de se estudar judaísmo no mundo contemporâneo seria desnecessário. Talvez um otimismo por estar tão inserida neste assunto, eventualmente uma ingenuidade otimista. Agora é necessário falar abertamente. Não somente falar, mas também explicar o porquê.

Não somente por questões atuais relacionadas às ondas crescentes de antissemitismo, nem devido à ênfase eterna e essencial em relação aos horrores do Holocausto. São muitas questões juntas que tornam o estudo obrigatório, seja ele acadêmico, direcionado e aprofundado, como fazemos aqui no Labô, ou estudos individuais e livres, como todos devem fazer.

A filosofia judaica nos traz ferramentas para o entendimento da sociedade em que vivemos em várias instâncias. Recomendo inicialmente a leitura de Abraham Joshua Heschel (1907-1972) a todos. Não só aos que estudam judaísmo, mas àqueles que tentam entender as polaridades de hoje e que necessitam de esclarecimentos acerca da contribuição judaica. Explico: Heschel foi um rabino e um dos principais filósofos judeus do século XX. Não só por seu trabalho acadêmico filosófico, por sua figura extraordinária, mas também pela sua contribuição ao diálogo inter-religioso.

Rabbi Heschel, como era chamado, foi um grande amigo de Dr. Martin Luther King Jr, e os dois marcharam juntos em Selma. As fotos do encontro talvez sejam uma das mais belas e significativas imagens do século XX. Em um exercício interessante, pensamos: se Heschel estivesse aqui no século XXI, o que ele faria? Acredito que estaria marchando também. Ele acreditava que marchando as pernas rezavam. A reza não é restrita a um ambiente e muito menos a um tipo de pedido. No pensamento de Heschel, a reza nunca se mostra discordante com o resto da vida. Ela é incorporada à rotina. Se você marcha por direitos humanos, você está rezando. Se age em relação ao próximo necessitado ou se estuda para colaborar de alguma forma para o mundo, também está.

Colocada esta dica inicial, voltamos ao grupo de filosofia judaica neste segundo semestre de 2020. Temos como objetos outros filósofos, tais como: Martin Buber (1878-1965) e Emmanuel Levinas (1906-1995). Como disse acima, a relevância é óbvia e o estudo obrigatório.

Uma das coisas mais importantes ensinadas por estes mestres, apesar de terem seguido caminhos filosóficos diferentes, é a importância do paradoxo no pensamento judaico. A única coisa única no judaísmo é Deus (fala do escritor israelense Amós Oz), o resto é diálogo, paradoxo ou opiniões diversas. Não há problema em discordar, muito pelo contrário – é necessário discordar, e estas discussões são mais importantes que qualquer resultado.

Neste mundo polarizado, talvez seja necessário voltar ao judaísmo e/ou recorrer a ele sempre que o debate estiver violento, para aprendermos a (ou pelo menos tentarmos) viver em paradoxos saudáveis.

Na introdução do livro de Buber, Eu e Tu, Newton A. Von Zuben coloca: “o paradoxo é a paixão do pensamento; o pensador sem paradoxo é como um amante sem paixão, um sujeito medíocre”.

Ao estudarmos judaísmo vemos que é possível rezarmos com as pernas e vivermos dentro de paradoxos, tentando nunca ser medíocres.

Referências bibliográficas

BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo, Centauro: 2001.

HESCHEL, A. J. O Último dos Profetas – uma introdução ao pensamento de Abraham Joshua Heschel. São Paulo: Manole, 2002.

Imagem: Charles Del Vecchio


Sobre o autor

Andréa Kogan

Formada em Letras, doutora em Ciências da Religião pela PUC-SP, autora do livro “Espiritismo Judaico”, assistente acadêmica do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ, onde também é coordenadora do grupo de pesquisa sobre Morte e Pós-Morte e pesquisadora do grupo de Judaísmo Contemporâneo.