A polarização segue dando o tom das discussões e oposições políticas, de tal forma que percebemos a sua presença nas mais variadas opiniões e discursos. Contudo, é importante notar que ela não invade todos os espaços sociais. Pode ser que somente ocorra a partir de marcadores de renda, classe social, de formação ou contato com um tipo específico de amostragem. A política pode ser um assunto que não agrade a todos, mesmo nos momentos de maior divulgação destas questões.
O assunto da política, propriamente dito, pode apontar a origem daquele que por ele tem alguma apreciação. Ter estudado em locais específicos, ter tido acesso à uma cultura local, da qual a política fazia parte, ou contar com algum tipo de referência de atuação nesse campo, podem exercer alguma influência que suporte a permanência deste traço.
A pesquisa empírica no campo do comportamento político leva em consideração esses aspectos, com os quais nos deparamos numa obra chamada Communism’s Shadow: Historical Legacies and Contemporary Political Attitudes, de Grigore Pop-Eleches e Joshua A. Tucker, publicada pela Princeton University Press, em 2017. A preocupação com a metodologia do trabalho que desenvolveram conduziu estes autores para o exame da influência política – se o contato com os pais ou com a escola é determinante ou não para que hábitos políticos passem de uma geração para outra.
Julgamos, também, que seja possível gostar de política num nível pragmático. Sendo assim, tem-se como meta tornar-se um político, atuar num partido, concorrer a um cargo público. Mas ainda se pode pensar na política como uma estratégia para alcançar postos ou manter-se neles. Assim, famílias costumam ter mais de uma pessoa voltada para essa atividade, o que às vezes nos explica a presença de dinastias em algumas regiões do Brasil ou dos Estados Unidos. Algumas áreas são mais permeáveis a esse tratamento político, geralmente por viverem desta dimensão de um ponto de vista teórico. Nesse aspecto, e para tanto, as universidades – as públicas em especial – se tornam um ambiente bastante favorável, com a expectativa da perpetuação das cadeiras, o que se perfaz nos acordos não confessados, porém consagrados pelos protocolos, que se mostram imunes às dúvidas e críticas. Resta apontar, ainda, que o chamado uso político destas estratégias costuma ser assumido como necessário e correto por parte daqueles que o implementam sob o argumento de que os outros grupos fariam o mesmo, mas de maneira inapropriada.
Neste espaço, já tivemos a oportunidade de questionar se poderia existir algum tipo de definição do que seja a “participação política”, ou o que poderia diferenciar a politização de uma pessoa em relação à de outra. Teríamos dificuldades de chegar a um ponto capaz de demarcar e especificar esse conceito, na medida em que ele parece variar, dependendo do lado em que o aspirante a defini-lo se encontra. Poderíamos fazer um exercício quanto ao que deveria ser levado em consideração na formulação de um índice que revelasse o nível de participação política ou mesmo a politização de um agente. O que levaríamos em consideração? Algumas possibilidades: saber os nomes de todos os partidos políticos, lembrar-se dos candidatos em quem votou em eleições passadas; ter em mente histórias relativas à carreira dos políticos que foram escolhidos em eleições passadas; conhecer o funcionamento dos poderes que compõem a República e ser capaz de fazer julgamentos em relação à harmonia entre eles; ter noção e distanciamento suficientes para perceber a politização de temas vistos como mais delicados na história recente e que, por conta disso, são mais propícios à ideologização; compreender o significado do termo ideologização quando utilizado em um contexto específico. Esses são alguns dos temas abordados por outra obra que é fruto de pesquisas em comportamento político, Against Democracy, de Jason Brennan, também publicada pela Princeton University Press, em 2017.
Dentre essas possibilidades, uma pode ser estritamente ligada às questões pessoais mais específicas, com pouquíssimas remissões ao coletivo e aos ideais de melhora, de fortalecimento da democracia ou de defesa dos valores humanistas. Um vício, quem sabe, de se buscar notoriedade por meio da aproximação com causas ditas positivas. Sendo que o mesmo segue sendo possível do ponto de vista de uma oposição mais ferrenha a estes vieses.
Na sociedade virtual em que nos encontramos, em meio à comunicação que se faz pelas redes sociais mais ligeiras, como Instagram ou Twitter, a política acabou se convertendo em opiniões sobre o cotidiano mais prosaico. Nessa direção, o que, por convenção, passamos a chamar de política, bem pode ser um meio para o reconhecimento intergrupos, um modo de prestar contas de nossas opiniões para a obtenção de reconhecimento. A se crer em outro estudo, Envy in Politics, de Gwyneth H. McClendon, publicado pela Princeton University Press, em 2018, podemos sim tomar atitudes visando o aumento da estima por parte do grupo a que pertencemos – lembrando que esse comportamento pode ser de defesa ou de ataque a uma causa. Ora, se observarmos o contexto contemporâneo, quantos motivos poderemos elencar, e que conseguiriam explicar, de modo equânime, o que leva tantas pessoas a se manifestarem na defesa das mais difusas causas políticas? A preocupação com o bem coletivo dá conta de ser a resposta mais correta a essa questão? Ou ela própria – a preocupação com as boas causas – já configura um sintoma do quadro que pretendemos diagnosticar?
Imagem: Heraldo Galan