Os tempos da política hoje são intensos. Intensidade da política implica, quase sempre, violência, porque a política é a casa da violência. Política é a necessidade de vivermos com o que discordamos. E, às vezes, essa capacidade rompe um certo limite, e, aí, adentramos o terreno da violência sem o anteparo da institucionalização dessa mesma violência, cuja função é sempre nos proteger da nossa própria violência e a dos outros. O debate entre nós nos últimos tempos tem sido pobre em termos epistemológicos, muito marcado pela militância contra a ditadura, mesmo depois dela ter sido encerrada, pela militância sindical, pela hegemonia do PT, pelos escândalos de corrupção, enfim, pelo surgimento do bolsonarismo. Os referenciais teóricos têm sido basicamente aqueles de herança jacobina, pelas mãos da historiografia marxista, pela dialética hegeliana, pela luta de classes. Resumindo: uma ciência política ideológica, militante, ou mesmo metafísica, num certo sentido.
Sendo assim, a intenção de um aprofundamento e alargamento do escopo das abordagens em ciência política (ou filosofia política, não vou lidar com as diferenças aqui) é, antes de tudo, uma intenção propedêutica, e talvez, terapêutica: cuidar para que os limites dessa institucionalização não percam sua vitalidade e funcionalidade. Nesse sentido, a política segue a máxima aristotélica acerca da ética: uma ciência da prática, na contingência. Não há uma matematização possível da ética nem da política, porque não há uma matematização do humano, e este é, ao final, o objeto primário da política e da ética.
1. Respeito aos ancestrais em filosofia política
Um primeiro marco dessa tipologia é o reconhecimento de que não se entende política sem o aporte histórico. Apesar da aparente obviedade dessa afirmação, a redundância é uma virtude envergonhada do conhecimento. Reconhecer a espessura histórica implica em não inventarmos a roda nem no campo dos problemas, nem no campo das soluções.
Uma ciência política histórica sabe que a maioria das questões políticas têm a ver com representatividade, composição de corpos constitucionais, mecanismos positivos de legislação e seu “enforcement”, criação de pesos e contrapesos, combate aos riscos dos faccionalismos – típicos das democracias e repúblicas -, questões estas apontadas já pelos federalistas americanos Alexander Hamilton, James Madison (o mais brilhante entre eles) e John Jay no final do século XVIII, demandas de inclusão de setores até então excluídos nas câmaras representativas e constitucionais monárquicas, aristocráticas, democráticas ou republicanas. Enfim, a busca, de um modo objetivo, por como melhor se realizar tal processo (aquilo que é o objeto da ciência política como “statecraft”) data, no mínimo, da democracia ateniense e das repúblicas de Esparta e de Roma.
Dito de forma sintética, como organizar um convívio minimamente institucionalizado de competências políticas de gestão liderada por uma elite “técnica” (antigamente associada à aristocracia, mas não mais) em “parceria” com o “demos”, o povo em geral. Nas palavras do historiador da filosofia política Alan Ryan, no seu magistral On Politics, “como evitar a corrupção em favor dos interesses dos aristocratas mais letrados em gestão pública, por um lado, e como evitar o ressentimento e a tendência de tomar o que é dos outros por parte do “demos despossuído”. A busca por um regime “misto” tem sido sempre a meta de quem tenta constituir uma instituição política que seja bem-sucedida em gerir o fato desta mesma política ser sempre o convívio entre partes que discordam acerca de variáveis essenciais para cada uma dessas partes. A matéria da política é o conflito, sua meta é o acordo, sua realidade nunca é a harmonia fácil de mitos. Sua natureza é a de uma chaga em constante risco de retrocesso ao quadro infeccioso.
Nesse sentido, a história da filosofia política é fundamental para termos em mente a perspectiva de quantos homens, antes de nós, tentaram resolver problemas, talvez, sem solução plena. Os fracassos e sucessos de nossos ancestrais, em todos os terrenos da vida, incluindo a política, devem operar como marcadores de nossos caminhos presentes e futuros. Do ponto de vista da ética das virtudes aristotélica, o reconhecimento desses marcadores implica na virtude da humildade diante de nossos ancestrais que conseguiram legar um mundo para nós, enquanto nós não sabemos se conseguiremos fazer o mesmo para nossos descendentes. Nas palavras do filósofo britânico Edmund Burke, no seu Reflexões sobre a Revolução na França: “a sociedade é uma comunidade de almas que reúne os mortos, os vivos e os que ainda não nasceram”. Esse componente de reverência e humildade em relação à história (os mortos) das tentativas de resolver a chaga constante que é a política deve ser o ethos de qualquer praticante de filosofia política ou ciência política.
2. A filosofia política das virtudes da democracia
A partir daqui nos manteremos nos limites da reflexão sobre a democracia contemporânea, por razões óbvias de urgência. A filosofia política das virtudes é, talvez, a mais conhecida de todos. A própria ciência política é bastante influenciada por ela.
Seu escopo histórico é a busca de entendimento da soberania e como ela pode e deve melhor atender a formas de convivência, as menos violentas possíveis, como corpo social e político. A definição da fundamentação da soberania, suas causas (desde os contratualistas, como Hobbes, Locke e Rousseau, os mais famosos), e seus futuros desenvolvimentos, visando uma melhor resposta às demandas da população e do funcionamento da máquina do Estado (como em Marx), ou mesmos nos federalistas citados acima, e Tocqueville, para ficar nos clássicos, é a matriz da qual se desenvolverá essa busca sistemática pelas virtudes políticas, que com o avanço da modernidade, se concentrarão nas virtudes da democracia.
Essa busca pelo aperfeiçoamento da democracia e da política tem sido, normalmente, o conjunto de elementos que compõem as ciências políticas. Objetivos como transparência na democracia, combate à corrupção, aperfeiçoamento dos mecanismos de representação e inclusão de um número cada vez maior de pessoas e grupos sociais, defesa da liberdade de expressão, independência entre os poderes, e defesa da esfera privada da vida do cidadão compõem este escopo. Num misto entre Locke, Stuart Mill e Marx, grosso modo, a ciência política das virtudes pensa sempre como tornar a democracia mais segura, mais serena, mais livre e mais igualitária. Com o avanço dos movimentos sociais e das mídias sociais, muitos pensam que a democracia atinge seu nível máximo de suportabilidade, na medida em que ela foi gerada (quase involuntariamente, ao contrário do que pensa nossa vã opinião pública “especializada”) num universo de homens brancos e proprietários de bens e terras. Quando a democracia começa a ampliar as práticas das suas próprias virtudes, estremecimentos começam a ocorrer (tese de Yascha Mounk no seu The People Vs Democracy). Muito do barulho que hoje vemos ao redor dos medos da democracia tem a ver com essa pressão nas bordas históricas do seu funcionamento. Essas pressões são tanto de natureza cultural quanto de natureza econômica e étnica.
3. A passagem à ciência política desencantada
O problema que hoje conhecemos cada vez melhor é que grande parte dessa luta pelas virtudes da democracia se assenta em mitos, lendas e dogmas acerca do comportamento dos eleitores. Será justamente um olhar mais consistente sobre o comportamento do eleitor que nos levará a uma ciência política desencantada, na medida em que ela desconstrói esses mesmos mitos, lendas e dogmas.
A questão que assusta a muitos é se um olhar desencantado sobre o comportamento de eleitor, peça chave das virtudes da democracia, não nos levaria a um desencantamento prático com relação à democracia, e, por tabela, à sua dissolução. Como se a democracia dependesse de uma “inteligência mal informada” para seguir existindo. Discordo profundamente dessa ideia. Se a democracia depende da fé ignorante, ela será sempre frágil com relação aos assaltos que os próprios agentes políticos, entre eles os eleitores, podem fazer à sustentação da própria democracia. Na sequência, apontamos alguns elementos básicos para nos ajudar a entender melhor esse eleitor real e não o personagem dos mitos da democracia, ou da “folk theory of democracy”.
3.1 Folk Theory of Democracy
Achen e Bartels, em 2016, publicam um volume, Democracy for Realists no qual, a partir de vasta pesquisa empírica, constroem uma sólida crítica ao que denominam “folk theory of democracy”. Esta lenda da democracia está assentada em três pressupostos, entre outros, aceitos pela maior parte dos interessados no assunto, e que a crítica desencantada desconstrói.
3.1.1 Gente “inteligente” não vota melhor
O primeiro é que pessoas com maior formação acadêmica ou intelectual tomam melhores decisões quando são chamadas a votar. Não parece ser verdade, no mínimo por duas razões. Ser melhor formado na academia não implica boa formação numa série de temas sobre os quais muitas vezes somos chamados a opinar. Alunos de universidades como Harvard ou Princeton, duas das casas que recebem a elite da elite americana, podem tomar decisões erradas quando, por exemplo, são chamados a opinar sobre reformas de banheiros, encanamento e similares (a comunidade acadêmica faz escolhas estúpidas e desinformadas acerca da gestão dos seus próprios campi, como mostram os pesquisadores). Outro fato é que maior titulação acadêmica ou similar não garante que as decisões não sejam tomadas sob forte viés ideológico. Pelo contrário, não parece haver grande diferença entre a influência do viés ideológico sobre alguém que dirige caminhões, lava louças ou leciona em programas de doutorado em Harvard ou similares. O viés ideológico parece impermeável à informação, e mais, a informação em si mesma parece ser submetida ao escrutínio do viés, por isso se dizer que as decisões são mais “irracionais” (enviesadas) do que racionais.
3.1.2 Não existe o eleitor consciente e crítico
Um outro pressuposto equivocado acerca do eleitor é que ele pesquise para votar. Neste terreno, o comportamento se divide em três grandes grupos. Os políticos profissionais envolvidos com carreiras e partidos pesquisam e contratam empresas de pesquisa com o objetivo de reforçar suas posições, jamais com o objetivo de “escolher” o melhor candidato – aqui quase soa como piada. Militantes seguem a mesma rota, mesmo que por causas menos “materiais”. Profissionais como jornalistas, intelectuais, cientistas políticos e afins pesquisam por razões antes de tudo profissionais, mas ainda estes podem, muitas vezes, responder ao viés ideológico. Pesquisam pra reforçar seus pressupostos “teóricos” sobre a política de seu país. Logo, quase não existe pesquisa desinteressada em política, ao contrário do que a lenda do “eleitor consciente” ou “crítico” quer acreditar.
3.1.3 A vida real do eleitor
Portanto, o que parece existir é o eleitor mais enviesado e o eleitor zero interessado em política. A maioria esmagadora das pessoas não pesquisa nada e não se interessa por política, algumas delas diriam inclusive por causas racionais (que veremos na sequência). A maior parte das pessoas estão casando, morrendo, enterrando seus entes queridos, separando, fazendo inventário, tendo filhos, cuidando desses filhos, trabalhando, perdendo o emprego, comprando casa, alugando casa, comprando celular, sendo roubadas, escolhendo seguro-saúde, enfim, a lista é longa de coisas que são consideradas infinitamente mais importantes do que se informar sobre política. Se perguntarmos a elas a razão por não se interessarem, elas nos darão todas essas listas (e mais outras) de causas racionais para serem ignorantes em matéria de política.
3.2. A ignorância racional
Os utilitaristas ingleses da virada do século XVIII pra o XIX, Jeremy Bentham e John Stuart Mill, cunharam uma teoria essencial em ética e economia segundo a qual o homem é um ser racional que estabelece suas escolhas a partir de um método que lhe é quase “instintivo”: otimiza ganhos, elimina perdas. Nesse sentido, os homens seriam seres que racionalizam seu comportamento buscando bem-estar, felicidade e prazer. Essa teoria é conhecida como teoria da escolha racional. A partir dela, cientistas políticos como Bryan Caplan, entre outros, suspeitam que os eleitores escolhem racionalmente serem ignorantes já que sabem que seus votos, individualmente, nada valem na aritmética final. Se escolhemos racionalmente no que devemos investir nosso tempo, dinheiro e recursos em geral (sempre finitos), não parece racional investir numa coisa “inútil” como um voto, uma gota num oceano de votos.
Sendo assim, a opção pela desinformação não seria mera alienação do processo decisório em política, seria uma decisão sustentada num cálculo de investimento de recursos limitados como tempo, dinheiro, vínculos familiares, afetivos e de trabalho, enfim, uma decisão racional porque calculada. Tais agentes investiriam na compra de carros e seguros-saúde de forma muito mais informada justamente porque a consequência da sua decisão está ao alcance desse mesmo investimento.
3.3 Cognição Política
Um conceito diretamente ligado ao anterior, e que de certa forma o sustenta, é o de cognição política. A ciência política que combate as lendas, mitos e dogmas da democracia cunhou este conceito para delimitar o alcance que um agente humano tem de dar conta dos dados e variáveis envolvidos na vida política. Salta aos olhos o caráter infinito desses dados e variáveis.
A ideia básica é que mesmo se pegarmos um eleitor mítico, aquele consciente, crítico e informado, ainda ele será incapaz de processar todos os dados em jogo no campo político. Claro que o conhecimento da história da política, as ferramentas das ciências sociais e da filosofia, associado ao conteúdo de informação jornalística à disposição, amplia a possibilidade de uma cognição política mais consistente. Mas, ainda assim, colocando tudo isso ao lado do contingente de eventos que acontecem na política e fora dela que a influencia (afora os eventos da vida privada de cada eleitor), chegamos à conclusão que só a IA poderia, talvez, um dia, ter uma capacidade de processamento que dê conta dessa infinidade de dados e variáveis.
Deixando de lado essa fronteira com a ficção científica, para alguns distópica, em que a IA será usada para indicar, no mínimo, técnicos de gestão pública, o fato é que não existe ninguém na face da Terra com cognição suficiente para lidar com o montante de dados que a realidade política (e suas fronteiras) demanda de nós. Associado ao quadro descrito acima na crítica da “folk theory of democracy”, e mesmo a fundamentando cognitivamente, uma possível conclusão é que toda decisão tomada será sempre informada de modo insuficiente acerca da realidade. É justamente nessa “brecha” cognitiva que se estabelece o viés ideológico (ou qualquer outro), dando à decisão um suposto caráter de consistência, preenchendo o vazio com sua “certeza” afetiva.
O problema da cognição política vai além da incapacidade de processar todos os dados e variáveis envolvidos numa escolha política, ele toca a capacidade de escolha de candidatos para temas específicos. Não entendemos nada de gestão pública, mas “fingimos” que sim quando decidimos votar em X porque ele “deve resolver” tal e tal questão. Portanto, somos chamados a decidir a “contratação” de gestores para problemas sobre os quais nada entendemos, e talvez os “contratados” tampouco. Mas, não temos métrica para avaliar. Teríamos alguma se pesquisássemos sem viés o perfil do candidato, mas a esmagadora maioria de nós não o faz, segundo Achen e Bartels.
Uma pergunta que não quer calar é: se existisse um eleitor com uma cognição política mais consistente, seria possível imaginar seu perfil?
3.4 Uma tipologia lúdica desencantada
Jason Brennan no seu Against Democracy cria uma tipologia lúdica para sustentar suas suspeitas acerca do comportamento do eleitor. E nesse processo, ele aponta sua versão de um eleitor com cognição política mais consistente, ainda que sempre insuficiente.
Segundo o autor, existem três tipos básicos de eleitores. O primeiro, a maioria esmagadora, são os Hobbits. Concentrados na sobrevivência e no dia a dia de suas vidas e suas famílias e seus problemas, os Hobbits não têm tempo nem disposição para se informar acerca de nada além do seu aluguel e seu seguro saúde. Plugado nas mídias sociais, ele é a massa gigantesca de eleitores que são disputados pelos Hooligans, aqueles empenhados em fazer candidatos X ou Y vencerem. Os Hobbits escolhem basicamente por contaminação de opinião, já que nunca têm a sua própria. Essa contaminação parte da ação do Hooligans, polarizados, operando, inclusive, quando possível, com fake news e bots a espalhá-las. Para um Hooligan, o que importa é vencer. Ele é quem comanda o mercado de votos, agindo sobre Hobbits desatentos ou assustados. O Hooligan é o radicalizado, movido por dinheiro ou por crença ideológica. Este comportamento move a democracia e influencia diretamente seu destino no plano das eleições. São estes os ignorantes racionais motivados chamados a defender a contratação de gestores, contaminando a decisão de Hobbits que tampouco entendem sobre a área a ser gerida.
O terceiro tipo seria aquele imaginado como o eleitor mítico, bem informado, equilibrado, racional, portador de uma cognição política mais consistente. Brennan escolhe o personagem Vulcano de “Jornadas nas Estrelas”, Mr. Spock, como modelo. Um eleitor Vulcano não seria vítima de Hooligans, pois estaria fora do alcance de suas práticas agressivas, sabendo sempre mais do que ele. Mas, a conclusão do autor é que, como um Vulcano da série, esse eleitor tenderia ao desinteresse ideológico, à não adesão a plataformas partidárias e escolheria o mais racionalmente possível, por isso mesmo, de modo “frio e distante”, sem encantar as massas de Hobbits à busca de alguma pequena e miserável glória na sua “vida política”. Por outro lado, os Vulcanos seriam em número muito pequeno para influenciar os destinos da democracia e teriam opiniões muito complexas para níveis elementares e comuns de cognição política. Muitos o considerariam um cético ou um niilista em política. Os destinos da democracia estariam mesmo a cargo do Hooligans e Hobbits. E se isso é fato, como ficariam aqueles que afirmam ser a solução para os problemas da democracia, “mais democracia”?
3.5 O mito da democracia direta: plebiscitos
Afinal por que muitas pessoas afirmam que a solução para os problemas da democracia seria “mais democracia”? Podemos imaginar duas causas para essa proposta mítica e inconsistente.
A primeira seria que ela partiria do comportamento Hooligan. A intenção seria influenciar o maior número possível de Hobbits para que eles votassem diretamente nas propostas difundidas pelos Hooligans (o “Brexit” seria um exemplo claro do fracasso de empreitadas como estas). Uma segunda causa seria a própria lenda da democracia agindo livremente sobre as mentes, nos levando a crer que se chegarmos de forma mais direta e “pura” a esses eleitores críticos e bem informados, livres da influência perniciosa das instituições corrompidas da democracia e seus “profissionais”, teríamos resultados mais consistentes. Mas, se os eleitores mais críticos e informados são Vulcanos, e estes são sempre numericamente insignificantes e distantes das ilusões causadas pela própria lenda da democracia, o resultado nunca seria o esperado. As “melhores” chances de vitória estariam sempre na parceria Hooligan-Hobbit.
4. Uma conclusão possível: a questão de partida dos Federalistas
Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, os autores do volume conhecido como O Federalista, na edição portuguesa da editora Calouste Gulbenkian de Lisboa, já citados no início desse breve ensaio, abrem sua investigação política no final do século XVIII, com uma pergunta essencial: seremos nós sempre vítimas da irracionalidade do acaso histórico na gestão da nossa vida política, ou, pelo contrário, seremos capazes de desenvolver formas racionais de gestão política?
Arriscaria uma resposta possível dizendo que um constante diálogo com a história, aprendendo com experiências bem-sucedidas pode nos ajudar, para além das modas e impulsos da “folk theory of democracy”. Abandoná-la é o modo mais racional de agir em relação ao nosso destino político. A opção institucional em detrimento das ilusões de uma democracia direta baseada no mito do eleitor consciente (não que devamos desistir dos mecanismos de informação e formação pura e simplesmente) pode ser mais consistente, apesar de menos apaixonante do ponto de vista da vaidade dos eleitores. A prudência, maior virtude política para Aristóteles, parece estar a favor de uma ciência política desencantada e não a favor dos mitos, lendas e dogmas da democracia.
Afora esse diálogo com a história como modo prudente de fazermos política, nos prepararmos para o impacto das novas tecnologias cognitivas na vida política parece ser um imperativo. Mídias sociais e IA, associadas, seguramente estão mudando a face da democracia. Seu impacto será sobre Hobbits e Hooligans majoritariamente. Uma possível gestão mais racional da vida política parece, assim, estar mais próxima do respeito ao conhecimento adquirido no passado (a história) e do olhar atento ao mundo desconhecido que é o futuro (as novas tecnologias cognitivas), e não de um presente encantado por nossos mitos e vaidades. Talvez o desencantamento com esses mitos e vaidades seja o melhor conselheiro contra o desespero em relação aos destinos da democracia. Mas, como nos ensinam nossos ancestrais, a vaidade é, de todos os pecados, o mais difícil de ser combatido.