Sala Hannah Arendt

Carta de Hannah Arendt à Fundação Rockefeller (1969)

Nesta carta à Fundação Rockefeller, de 31 de março de 1969, como destaca Jerome Kohn na Introdução do livro A Promessa da Política, Arendt afirma estar envolvida com a questão do pensamento e suas implicações para a ação política e decisão moral desde a publicação de seu livro sobre a vita activa (A condição humana). Este e A vida do espírito, livro inconcluso e publicado postumamente, seriam dois volumes de um único projeto, de uma única obra.  

(Hannah Arendt Papers, Correspondence File, Organizations, 1943-1976, Rockefeller Foundation, 1960-1969, images 80 and 81. O original, que não está acessível pela internet, encontra-se bastante danificado, sendo de dificílima leitura. Alguns trechos são ilegíveis. Pedimos desculpas antecipadamente por eventuais erros de transcrição.)

Tradução: Adriana Novaes | Revisão: Flávia Sarinho | © LABÔ

31 de março de 1969

Dr. Kenneth Thompson

Fundação Rockefeller

Prezado Kenneth,

Escrevo a você hoje para repetir e explicar o que mencionei brevemente na última quarta-feira. Você deve lembrar que há mais de dez anos publiquei, sob o título A condição humana, um livro que trata das três atividades humanas fundamentais: Labor, para sustentar a vida, trabalho, para construir o mundo durável e ação, para estabelecer e sustentar a relação entre homens que vivem sobre a terra e habitam o mundo. (O título original do livro era vita activa, que mantive na edição alemã). O livro ainda é editado e vai bem nos campi. Isto parece indicar que existe um certo interesse por este tipo de trabalho que, profissionalmente falando, é certamente o trabalho de uma outsider.

Desde sua publicação, eu tenho sido questionada se não preparo um segundo volume e faço pela vita contemplativa o que fiz pela vita activa. Nessa formulação, a questão foi um mal-entendido por parte de meus leitores. Tinha sido uma de minhas intenções criticar a dicotomia tradicional e o âmbito conceitual nos quais se baseia. Mas era verdade que eu tinha deixado “a maior e talvez mais pura atividade da qual os homens são capazes, a atividade de pensar” (como eu então havia posto) fora de minhas considerações. A razão dessa omissão era simples. Eu estava perplexa e não sabia como lidar adequadamente com processos do espírito. E tinha certeza de seu significado político, mas não sabia o que eram esse significado e essa função.

Desde então, eu tenho me preocupado com essa questão do pensamento e suas implicações para a ação política e as decisões morais. Boa parte do que eu tenho agora confiança para afirmar sobre o tema foi incorporado a palestras em cursos na Universidade de Chicago e na New School. Alguns títulos desses cursos podem lhe dar a noção daquilo sobre o que tenho trabalhado: “Reconsideração de proposições morais de Sócrates a Nietzsche”, “Crítica do Juízo de Kant: uma introdução a sua filosofia política”, “Filosofia e política: o que é filosofia política?”: o primeiro trata principalmente do problema da vontade; o segundo, de nossa habilidade para julgar; e o último, que leciono neste trimestre, traça a atitude do filósofo diante do âmbito das relações humanas de Parmênides a (espero) Hegel e Marx. Mas cursos não são livros e ensinar não é escrever.

Meu projeto é como segue: Eu quero analisar, descrever e retraçar historicamente as três atividades do espírito que, na minha opinião, são constitutivas de todas as ações políticas: pensar, querer, julgar. Quando elas foram descobertas pela primeira vez e quais eventos e experiências fizeram com que o homem se tornasse consciente delas na história do Ocidente? O que elas são em si mesmas e como foram interpretadas ao longo do tempo? O que aconteceu com cada uma delas na era moderna? E quais são suas [palavra ilegível] funções políticas? E aparentemente por trás de tudo isso [quatro palavras ilegíveis] a questão: Como podemos abordar a questão do mal num cenário totalmente secular? Como distinguimos bem e mal?

Acho que expliquei a você que considero impossível [palavra ilegível] lecionar, dar palestras e, ao mesmo tempo, escrever. Apesar das minhas responsabilidades oficiais sempre terem sido restritas a meio período, encontro-me rodeada por alunos – seus textos, dissertações, necessidades de discussão, etc – desde a primeira vez em que aceitei um trabalho regular em Chicago, por volta de 1962. Há dois anos integro o Departamento de Pós-Graduação da New School (como professora de Filosofia Política) sem ter [deixado meu vínculo] com a Universidade de Chicago na qual continuo a supervisionar [palavra ilegível] e a permanecer duas semanas [palavra ilegível] (geralmente na primavera e no outono) para seminários especiais para doutorandos. Por causa de todas essas atividades [palavra ilegível] acadêmicas, não tenho previsão de um período sabático que sinto que deveria ter. Seria ótimo se a Fundação pudesse ajudar.

Quanto às questões técnicas: meu salário na New School é de $1[número ilegível],000, e meus honorários na Universidade de Chicago são de $5,000 por ano. O Reitor da New School, Dr. Joseph J. Greenbaum, disse-me que a Universidade estaria disposta a me conceder uma licença e manter [palavra ilegível] benefícios, incluindo secretário e assistente de pesquisa, durante o período.

[última linha ilegível]

Hannah Arendt

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