Sala Hannah Arendt

A pessoa moral como aspecto essencial da humanidade do homem

Tradução: Adriana Novaes | Revisão: Flávia Sarinho | © LABÔ

Título original: “La personne morale comme aspect essentiel de l’humanité de l’homme”
Publicado em L’Herne Arendt, Paris, 2021, p. 221-228

Quando se pergunta sobre o que é a humanidade do homem na obra de Hannah Arendt, pensamos espontaneamente na dimensão política de um pensamento e na revelação do propriamente humano na ação e na palavra. Longe de toda definição substancial ou abstrata, a persona exprime sua singularidade e sua liberdade por sua capacidade de começar alguma coisa com os outros. Mas o aspecto moral se revela decisivo para caracterizar a humanidade do homem, a tal ponto que “falar de uma personalidade moral é quase uma redundância”[1]. É por ocasião do processo de Eichmann que Arendt aborda esse tema e constrói sua reflexão tentando “compreender”[2] a personalidade do acusado, sua propensão a só falar por clichês e sua incapacidade de se colocar no lugar do outro. A ausência de pensamento pode conduzir à “banalidade do mal” e levanta o problema da conduta moral, que “parece depender principalmente da relação do homem com ele mesmo”[3]. Por isso, se queremos construir a noção de pessoa moral a partir de Arendt, devemos perguntar, antes de tudo, em que se baseia tal relação.

Para abordar essa questão, convém atentar para a evolução da reflexão de Arendt. Em Origens do totalitarismo, ela descreve a “radicalidade do mal” e a tentativa de transformar o ser humano em “espécime”, de uma espécie no curso de uma destruição em três etapas: a morte da pessoa jurídica do homem, da pessoa moral e da individualidade única de cada um. A partir dessa análise, ela examina não somente as condições políticas de uma existência propriamente humana e livre, mas também o comportamento daqueles que fazem funcionar esse sistema de morte organizada, invocando a obediência às ordens. Arendt reserva então a “grandeza” da instituição judiciária fundada sobre a responsabilidade individual, ponto comum entre a pessoa jurídica e a pessoa moral. O que a leva a examinar o funcionamento da consciência daquelas e daqueles que se recusaram a participar do crime e exerceram sua capacidade de pensar e de julgar por eles mesmos. É seguindo essas pistas de reflexão que será apreendida a questão da pessoa moral, para tentar compreender em que as faculdades de pensar e de julgar a distinguem do “simples fato se ser humano” e em que medida o caráter moral de uma pessoa não se refere a uma “boa atitude”, mas envolve a questão de sua própria responsabilidade.

A destruição da pessoa moral

Arendt descreve “a preparação histórica e politicamente inteligível de cadáveres vivos”[4] em três etapas. A primeira consiste em matar no homem a pessoa jurídica, subtraindo algumas categorias de pessoas da proteção da lei. A pessoa jurídica se caracteriza pelo fato de que a um ato dado corresponde uma situação prevista pelo direito. Mas o campo de concentração é posto fora do sistema penal normal e seus detentos são selecionados independentemente do procedimento judicial pelo qual um crime determinado se relaciona a uma sanção prevista anteriormente. De modo que é mais difícil matar a pessoa jurídica de um homem culpado de um crime do que a de um indivíduo totalmente inocente. A implementação da primeira etapa de destruição passa pela constituição de grupos majoritariamente compostos de pessoas inocentes, das quais nenhum ato pode motivar racionalmente a prisão (os judeus na Alemanha, depois de 1938, e, na Rússia, todo grupo que, sem nenhuma relação com suas ações, havia desagradado as autoridades). Privados da distinção protetiva de ter feito alguma coisa, eles foram colocados fora da lei em seu próprio país[5].

“O passo seguinte decisivo na preparação de cadáveres vivos é a morte no homem da pessoa moral[6].” Toda possibilidade de protesto ou de solidariedade entre os seres humanos é aniquilada. O terror totalitário triunfa quando ele consegue “tornar absolutamente problemáticas e equivocadas todas as decisões da consciência[7]”. Quando um homem é confrontado com a alternativa de trair e matar seus amigos ou de enviar sua mulher e seus filhos para a morte, quando mesmo o suicídio significaria a morte imediata de sua própria família, ele não pode mais decidir. Borrando assim a linha de separação entre perseguidores e perseguidos, deixando às vítimas uma escolha impossível (enviar seus amigos à morte ou participar da morte de outros homens), as SS forçaram as vítimas a agirem como assassinos. Assim é o dilema moral insolúvel da mãe grega que os nazistas deixaram livre para escolher qual de seus três filhos deveria ser morto. “A alternativa não é mais entre o bem e o mal, mas entre o assassinato e o assassinato[8].” Arendt acrescenta que a organização da cumplicidade de todos os homens no crime (as próprias vítimas são obrigadas a exercer as responsabilidades administrativas) cria as condições nas quais fazer o bem se torna radicalmente impossível. A consciência não ajuda mais, porque não há mais escolha possível, portanto, não há mais moral.

“Uma vez morta a pessoa moral, só subsiste um obstáculo à metamorfose dos homens em cadáveres vivos; a diferenciação dos indivíduos, a identidade única de cada um[9].” Entre os métodos utilizados para destruir o caráter único da pessoa humana, Arendt menciona as condições monstruosas de transporte para os campos (de milhares de homens, mulheres e crianças amontoados em vagões para gado); a chegada nos campos, com o choque das primeiras horas, a raspagem da cabeça, a roupa grotesca e as torturas inimagináveis, dosadas para não matar os corpos rapidamente. Segundo ela, esses métodos têm por objetivo explorar as infinitas possibilidades de sofrimento do corpo humano até a destruição da pessoa. “Depois da morte da pessoa moral e da aniquilação da pessoa jurídica, a destruição da individualidade é quase sempre coroada de sucesso[10].” Ela visa a espontaneidade, o poder que o homem tem de recorrer aos seus próprios recursos para começar alguma coisa nova. “Nada então resta, senão terríveis marionetes com faces humanas, que se comportam como o cachorro das experiências de Pavlov, que reagem de uma maneira perfeitamente previsível, mesmo quando vão para a própria morte, que só reagem[11].”

Arendt descreve assim a “radicalidade do mal” que conduziu à fabricação de um homem “supérfluo[12]”, desprovido de liberdade e de responsabilidade, porque reduzido a um simples feixe de reações. Alguns anos mais tarde, quando ela se volta para o processo de Eichmann, emprega o termo “banalidade do mal” e justifica essa mudança em uma carta a Gershom Scholem, de 1963: “Você tem toda razão: mudei de ideia e não falo mais de ‘mal radical’. […] Hoje eu acredito efetivamente que o mal é sempre extremo, mas nunca radical, que ele não tem profundidade, não tem caráter demoníaco. Se pode devastar o mundo inteiro, é precisamente porque, como um cogumelo, ele se propaga na superfície[13].” Mas essa mudança assumida por Arendt é menos uma definição genérica do mal do que um ponto de vista diferente: se a “radicalidade” se refere ao mal cometido contra as vítimas, a “banalidade” se refere aos assassinos que se organizaram para implementar o processo de extermínio. A questão da pessoa moral toma agora uma outra forma, porque ela levanta o problema da condução dos assassinos que agiram em um contexto marcado pelo colapso da moral e da legalidade.

As pessoas morais e jurídicas ante a responsabilidade individual

O Terceiro Reich provocou a reversão da legalidade e “o colapso total de todas as normas morais[14]”. Seus habitantes agiram “em condições nas quais cada ato moral era ilegal e cada ato legal era um crime[15]”. Nessas circunstâncias, “o que coloca o verdadeiro problema moral” não é o caso dos criminosos comuns (que fizeram com total impunidade sob o regime nazista tudo o que quiseram fazer), mas “a conduta daqueles que são apenas ‘coordenados’ sem agir por convicção[16]”. Eles não duvidaram das normas morais enquanto elas eram admitidas socialmente, mesmo se implicavam tornar-se um criminoso. Nesse sentido, a moral parece ter retornado ao significado original da palavra, isto é, “um conjunto de mores, de usos e de costumes, que pode ser trocado por um outro conjunto, com um pouco mais de constrangimento que se experimentaria se se tratasse de modificar os modos à mesa de um indivíduo ou de um povo[17].” Mas a questão moral ressurgiu durante os processos dos criminosos de guerra: apesar da reticência dos juristas a respeito das normas morais, o simples fato dos procedimentos judiciários nos casos criminais (segundo as três etapas da acusação, da defesa e do julgamento) implica considerá-los de um ponto de vista moral, na medida em que a instituição judiciária “se coloca sobre o pressuposto da responsabilidade e da culpabilidade de pessoas, de um lado, e sobre a crença no funcionamento da consciência, de outro[18]”. Isso porque, mesmo se as questões jurídicas e morais são diferentes, elas têm em comum tratar de pessoas e não de sistemas ou de organizações. A “grandeza” inegável do judiciário consiste em atrair a atenção sobre a pessoa individual, “mesmo na época da sociedade de massa, onde todo mundo é tentado a se considerar como uma simples engrenagem em uma máquina[19]”.

Nesse sentido, a instituição judiciária, que pressupõe o poder de julgar por si mesma, apesar da reversão da legalidade e da moralidade, permite à pessoa jurídica e à pessoa moral se manifestar, as duas sendo responsáveis individualmente perante um tribunal. No que tange ao aspecto jurídico: perante uma corte de justiça, não se julga o sistema, mas “homens de carne e sangue […], dos quais os atos são certamente sempre atos humanos, mas passam para o tribunal, porque violaram uma lei à qual consideramos o respeito como essencial à integridade de nossa humanidade comum[20]”. Quanto à dimensão moral, ela implica também uma responsabilidade pessoal no sentido em que os problemas morais “dizem respeito à conduta e comportamento individual, as poucas regras e padrões segundo as quais os homens costumam distinguir o certo do errado[21]”, e que invocam para julgar ou justificar os outros e eles mesmos. É porque o que Arendt chama de “teoria das engrenagens”, atualizada por ocasião do processo Eichmann, se prova inválida. A “grande vantagem” do procedimento judiciário não faz nenhum sentido: no tribunal, não se julga a História, mas uma pessoa, e se o acusado é um funcionário, ele é posto sob acusação precisamente porque esse mesmo funcionário é um ser humano, e “é por essa capacidade que se lhe faz um processo”. De modo que se ele tenta deslocar a responsabilidade sobre o sistema do qual ele era uma engrenagem, a questão a lhe fazer é saber por que ele se tornou uma engrenagem ou continuou a ser uma engrenagem nessas circunstâncias. Desse ponto de vista, o interessante do processo Eichmann é justamente ter “transformado em homem a engrenagem ou ‘referente’ da seção IV B4 da direção da Segurança do Reich[22]”.

Por isso a defesa daqueles que invocaram obediência às ordens e continuaram nos cargos, justificando sua conduta com o argumento do dever de obediência, não se sustenta. Arendt afirma que esse raciocínio é sustentado pela ideia segundo a qual cada organização exige obediência aos superiores e às leis do país, pois nenhum corpo político sobreviveria sem obediência. “[O] erro reside na equação entre consentimento e obediência. Um adulto consente no que uma criança obedece; se dizemos que um adulto obedece, na realidade, ele sustenta a organização, a autoridade ou a lei à qual ele pretende ‘obedecer’[23].” O único domínio em que essa palavra pode se aplicar aos adultos é o da religião, na qual as pessoas obedecem à palavra ou ao comando de Deus. Mas em matéria política e moral, a “obediência” é um suporte, sem o qual o chefe seria impotente. É precisamente por essa razão que esses criminosos de um novo gênero, não tendo jamais cometido um crime por sua iniciativa, devem ser tidos como responsáveis por aquilo que fizeram. Sua obediência é um comportamento entre outros possíveis, imputável a esse respeito perante um tribunal. Nesse sentido, a “banalidade do mal”, vai de par com a ausência da pessoa moral. Agora se coloca a questão de saber como funcionou a consciência daqueles que não obedeceram às ordens criminosas e em que medida eles podem ser qualificados como “personalidades morais”.

O pensamento e o julgamento como manifestação da pessoa moral

Os não-participantes foram os únicos a ousar julgar por eles mesmos, e foram capazes disso porque sua consciência não funcionou de modo automático, como se dispusessem de um conjunto de regras aprendidas ou inatas que aplicariam a um caso particular quando ele ocorresse[24]. Eles agiram depois de alguma coisa que era evidente para eles, ainda que isso não fosse algo mais para seu círculo. Seu critério consistiu em se perguntar em que medida eles seriam ainda capazes de viver em paz com eles mesmos depois de ter cometido alguns atos, e eles preferiram morrer quando forçados a participar. A condição prévia para essa forma de julgamento não é uma inteligência altamente desenvolvida, mas “a disposição de viver explicitamente consigo”, isto é, de estar “engajado nesse diálogo silencioso entre mim e mim mesmo que, desde Sócrates e Platão, chamamos em geral pensar”[25]. Após Arendt, as raras pessoas que permaneceram isentas de toda culpa pelo colapso moral da Alemanha nazista não são nem heróis nem santos. É “quase redundante” chamá-los de personalidades morais, pois “a qualidade pessoal de um indivíduo é precisamente sua qualidade ‘moral’”, por oposição a “um simples ser humano”, que pode ser descrito pelas “propriedades, dons, bens ou padrões individuais com os quais os homens nasceram”[26]. É graças ao processo de pensamento que o homem atualiza sua diferença específica e se constitui explicitamente como uma pessoa. Para um ser que pensa e sabe então que deve viver com ele mesmo “terá limites ao que ele pode se permitir fazer e esses limites não lhe serão impostos do exterior, serão autoimpostos”. É precisamente a existência dessas “raízes autodesenvolvidas” que pode prevenir o mal extremo. Sem elas, “os homens apenas deslizam na superfície dos acontecimentos [e] se deixam mover sem nunca chegar à profundidade que poderiam ser capazes”.

Nesse sentido, a “radicalidade” do pensamento se opõe à “banalidade” do mal. “O que chamamos geralmente uma pessoa ou uma personalidade, por oposição ao fato de ser um simples ser ou de ser uma pessoa, deriva na realidade do processo de enraizamento pelo pensamento[27]”. Pensar e lembrar-se constituem “a forma humana de estabelecer raízes[28]”. Exercendo essa faculdade de pensar, o ser humano se ancora no mundo, em vez de funcionar simplesmente de um ponto de vista biológico ou de ocultar a profundidade da existência recusando endossar sua própria responsabilidade. Esse último caso é tipicamente aquele dos criminosos nazistas que afirmavam não terem feito nada por iniciativa própria e não terem tido nenhuma intenção (boa ou má), pois eles só obedeciam a ordens. Para Arendt, na verdade eles haviam voluntariamente renunciado a toda qualidade pessoal, como se não houvesse mais ninguém a punir ou perdoar. Isso porque o pior mal é cometido por seres humanos que fracassaram em se constituir em “alguém”, porque se recusaram a pensar por eles mesmos sobre o que fizeram e a se lembrarem disso. “O pior mal não é radical, não tem raízes, e porque não tem raízes, não tem limites; ele pode alcançar os extremos impensáveis e se espalhar pelo mundo inteiro[29].” Desse ponto de vista, o maior risco de propagação do mal vem menos das pessoas que preferem viver na companhia de um criminoso do que daquelas (muito mais numerosas) para quem qualquer companhia serve. “De um ponto de vista moral e mesmo político, essa indiferença, embora bastante comum, é o maior perigo[30].”

Contudo, o pensamento não está condenado à solitude do diálogo interior. Arendt mostra (a partir de um estudo da Crítica da faculdade de julgar, de Kant) como ele pode se realizar como julgamento. “Se pensar, o dois-em-um do diálogo silencioso, atualiza a diferença em nossa identidade, de modo que ele é dado na consciência e se traduz assim pela consciência, então julgar, o produto derivado do efeito liberador do pensamento, realiza o pensamento, torna-o manifesto no mundo das aparências, onde eu nunca estou sozinho e sempre estou muito ocupado para ser capaz de pensar[31].” O pensamento, que atualiza a falha entre mim e mim mesmo inerente a toda consciência, não fornece ao julgamento regras universais, mas prepara os dados oferecidos aos sentidos a fim de que o espírito seja capaz de tratá-los em sua ausência. De sorte que o juízo encarna a passagem do pensamento a outro modo: “A manifestação do vento do pensamento não é o conhecimento; é a atitude de distinguir o bem do mal, o belo do feio[32].” Enquanto o pensamento especulativo tem relação com o geral e trata de representações de coisas ausentes, o julgamento concerne sempre aos casos particulares e visa a unificação do particular com o geral. O pensamento permite, assim, tomar uma distância reflexiva em relação ao imediato, mas ele corre o risco de se perder se não permanece ligado à experiência e ao fato vivido. Como escreve Arendt em “A crise da cultura”: “O pensamento nasce dos eventos da experiência vivida e deve-se ficar ligado a eles como os únicos guias a lhe orientar.[33]

Conclusão: pessoa moral e responsabilidade

A destruição da pessoa moral das vítimas do mal totalitário volta a condená-las a um dilema impossível forçando-as a escolher entre o mal e o mal. Quanto aos assassinos que colocaram em funcionamento essa destruição e obedeceram ordens se apresentando como as engrenagens de uma máquina, Arendt explica que eles tiveram na realidade ocultada e negada sua “pessoa moral”, recusando-se a pensar e a julgar por si mesmos. O que cabe à instituição judiciária, sua “grandeza”, é que ela pressupõe sempre a responsabilidade individual, sendo o ponto comum entre a pessoa jurídica e a pessoa moral. Destacamos aqui a singularidade da abordagem de Arendt, que não parte de uma definição prévia do homem, mas pensa a pessoa moral e sua responsabilidade a partir do evento, como acontece com a necessidade imperiosa do julgamento perante um tribunal. Não se trata de definir uma essência ou uma natureza do homem, que então encarnaria em uma teoria da responsabilidade, mas, ao contrário, de examinar as diferentes atitudes possíveis diante do mal totalitário, por tentar compreender a significação da “personalidade moral”.

A faculdade de pensar está ao alcance de todos e não exige conhecimento, nem inteligência, nem bondade, nem uma sabedoria moral particular. Se o pensamento produz alguns resultados morais (“aquele que pensa se constitui em alguém, em uma pessoa ou uma personalidade[34]”), a pessoa moral não se caracteriza, no entanto, por uma “boa” conduta. O exercício do pensamento e do julgamento pode levar a se evitar o mal, mas o pensamento em si é sem resultado: ele vale como processo que atualiza a vida interior da consciência. A atividade de pensar não cria valores e não permite descobrir o que é o “bem”. Mesmo assim tem consequências morais e políticas. Tratando-se da relação com o outro, a “mentalidade ampliada”, descoberta por Kant, à qual Arendt se refere, coloca em evidência a capacidade do pensamento representativo de se deslocar para um outro ponto de vista. Nesse sentido, ele pode não somente evitar de fazer ao outro o que não gostaria que o outro lhe fizesse, mas o teste da vida com si mesmo pode também levá-lo a agir de modo a querer viver em companhia de uma pessoa cuja conduta pareça moralmente satisfatória. Quanto ao significado político e moral do pensamento, ele se revela nos raros momentos históricos em que “as coisas entram em colapso”. De fato, “quando cada um é sacudido sem reflexão pelo que todo mundo faz e acredita, aqueles que pensam não podem mais se esconder, porque sua recusa em seguir é clarividente e se torna, assim, uma forma de ação”[35]. A personalidade moral se manifesta, então, por uma atitude crítica em relação às normas sociais e jurídicas, submetendo-as ao diálogo interior do pensamento e ao julgamento da consciência.

Notas

[1] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, Responsabilidade e julgamento (doravante RJ).

[2] Arendt insiste na necessidade de compreender, o que não significa perdoar. Para ela, a compreensão é um processo reflexivo sem fim, pelo qual tentamos nos ajustar ao que acontece e compor com a realidade para nos sentirmos em casa no mundo.

[3] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[4] Arendt, “Totalitarismo”, Origens do totalitarismo.

[5] Ibidem.

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] Ibidem.

[9] Ibidem.

[10] Ibidem.

[11] Ibidem.

[12] Ibidem.

[13] Arendt, Carta a Gershom Scholem, de 24.07.1963, In: Correspondence Hannah Arendt and Gershom Scholem.

[14] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[15] Arendt, “Responsabilidade pessoal sob a ditadura”, RJ

[16] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[17] Ibidem.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem.

[20] Arendt, “Responsabilidade pessoal sob a ditadura”, RJ

[21] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[22] Arendt, “Responsabilidade pessoal sob a ditadura”, RJ

[23] Ibidem.

[24] Ibidem.

[25] Ibidem.

[26] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem.

[29] Ibidem.

[30] Ibidem, p.

[31] Arendt, “Pensamento e considerações morais”, RJ.

[32] Arendt, A vida do espírito, 1. O Pensar.

[33] Arendt, “A crise da cultura”, Entre o passado e o futuro.

[34] Arendt, “Algumas questões de filosofia moral”, RJ.

[35] Arendt, “Pensamento e considerações morais”, RJ.

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Sobre o autor

Aurore Mréjen

Doutora em filosofia, pesquisadora das Universidades de Nanterre Paris e de Paris ex Paris Diderot. Autora de La figure de l’homme. Hannah Arendt et Emmanuel Lévinas (2012), contribuiu para várias publicações coletivas sobre Hannah Arendt.