Artigo gentilmente cedido para publicação pelo
Hannah Arendt Center for Politics and Humanities do BARD COLLEGE
Tradução: Adriana Novaes | Revisão: Flávia Sarinho | © LABÔ
Texto original publicado em HAC/BARD em 2 de julho de 2021
A incrível popularidade de Hannah Arendt nos últimos anos se deve provavelmente a suas reflexões sobre temas como totalitarismo, solidão e mentira na política. Sua obra é considerada relevante para nossa política moderna e nossa situação cultural. E é. Mas a importância de Arendt hoje vai além de seus substantivos insights sobre nossa condição política. Talvez seu maior significado para nós seja como uma pensadora exemplar. Seus livros e ensaios são esforços para “pensar sobre o que estamos fazendo” – uma frase repetida regularmente em seus escritos. O que a diferencia é seu incrível esforço para pensar por si mesma, o Selbstdenken que ela elogia em outros, como Lessing, e que ela pessoalmente encarna. Arendt gosta de ser uma pensadora pária, alguém que sempre olha para o mundo de uma perspectiva externa, outsider. Quando escreve: “Não há pensamentos perigosos. Pensar em si é perigoso”, ela celebra o poder de pensar para derrubar certezas; ela se recusa a pertencer a qualquer escola ou movimento. Pensar, para Arendt, é “a atividade de pensar”. Algo que acontece na “lacuna entre o passado e o futuro”. A metáfora mais próxima do pensamento que ela encontra é o sopro da vida em si.
Eu me lembrei do exemplo de Arendt como pensadora, enquanto lia o recente texto de William Deresiewicz, sobre um contemporâneo de Arendt, Harold Rosenberg, que começa assim:
Uma única frase é suficiente para selar minha veneração por Harold Rosenberg. Ela aparece no meio da destemida conclusão de “O Intelectual e seu Futuro”, um ensaio de 1965. “Não se possui liberdade mental e desprendimento,” diz, “participa-se deles.” Aqui um ditado digno de ser adotado como um credo. “Intelectual” não é um título, uma honraria ou a descrição de uma atribuição. É uma aspiração diária.
Rosenberg compartilha a exigência de Arendt por independência e recusa de tendências. Deresiewicz acrescenta:
O argumento está em “O rebanho de mentes independentes”, seu maior ensaio de 1948. O alvo do título não é que a elite liberal esteja aflita com a mentalidade de grupo (o que não significa dizer que não esteja), mas que ela pensa em si mesma como um grupo. A cultura de massa, diz Rosenberg, baseia-se na ideia de que todo mundo é igual e isso nos faz mais à sua imagem, de modo que passamos a nos ver como iguais. Mas há também, ele diz, uma coisa como uma “cultura de massa anti-cultura-de-massa”, a cultura de massa da elite: “romances significativos”, “programas de rádio ‘eruditos’”, “revistas projetadas para professores universitários” – a cultura de “seriedade” e de “relevância social”. Característico de toda cultura de massa é “a convicção de que o artista deve comunicar a experiência comum de seu público”. Mas como não há experiência comum, o resultado é “arte cega e artificial”, apresentada por um conjunto de fórmulas, “pelas quais o membro do público aprende do autor o que ele já sabe” – “que junto com outros ele é um ex-radical, ou um judeu, ou se sente frustrado, ou vive em um mundo pós-guerra, ou prefere liberdade a tirania”.
Da mesma forma, cultura de massa, incluindo a anti-cultura-de-massa do rebanho instruído, “deve negar a validade do esforço de um único ser humano de chegar a uma consciência de si mesmo e de sua situação” – isto é, deve ser hostil à arte genuína. Posto que “obra de arte genuína…tira de seu público seu sentido de conhecimento sobre onde está em relação ao que acontece a ele” – isto é, elimina as versões aceitas da história, os relatos oficiais de identidade. Ela “sugere ao público que sua situação pode ser bem diferente da que havia suspeitado”. Leva-nos a uma relação mais verdadeira com a realidade, mas nos leva, forçosamente, como indivíduos. “Ao longo dessa estrada pedregosa ao atual, só é possível seguir em fila indiana, um de cada vez, de modo que ‘arte’ signifique ‘romper a multidão’ – não ‘refletir’ sua experiência.”
O texto citado de William Deresiewicz: The Individual Nuisance – Liberties (libertiesjournal.com)