Na doutrina dos sete pecados capitais, da forma como ela foi consolidada por Tomás de Aquino (1224-5 a 1274), chama-nos atenção tanto a definição de cada uma das sinas quanto as chamadas filhas, a saber, as maneiras de manifestação das privações da liberdade. Tributário da corrente aristotélica, então recém-aportada na Europa, por intermédio de tradutores árabes que transmitiram essa herança tanto aos hebreus quanto aos cristãos, Aquino esteve atento às formas com que o mal se manifestava do ponto de vista do comportamento – uma vez que a pessoa em questão era constrangida a agir de um modo que guardava correlação com a respectiva sina. E aí se deparava com a privação da liberdade. No interior dessa reflexão, somente Deus pode agir livremente, sendo que o homem deveria sempre buscar um autocontrole por intermédio da razão.
Interessa-nos aqui abordar um dos pecados em especial, e que consideramos muito instigante e bastante próximo de contato com situações contemporâneas. Falamos da acídia: na maior parte das vezes sendo tomada como preguiça, sinônimo que não faz jus a sua grandeza, nem nos impressiona ou nos convida a supor a sua dimensão e profundidade. A preguiça é uma versão gourmet ou fofa da acídia, que em absoluto guarda qualquer proximidade com o desejo de ficar embaixo das cobertas, num dia chuvoso, lendo um livro ou maratonando uma série. Simplesmente não.
Com o termo preguiça não poderíamos alcançar plenamente o significado de pusilânime, isto é, deixar alguém na mão por conta de uma coisa que se esperava que você fizesse. Bem definida como tédio ou como uma busca constante de entretenimento em meio a nada que nos agrade, a acídia bem se ajusta ao contexto em que perseguimos com avidez o que quer que possa prender a nossa atenção e nos retirar do vazio em que nos encontramos. Séries iniciadas e não concluídas, livros abandonados pela metade, horas passadas nas redes sociais. De acordo com Tomás de Aquino (Sobre o ensino (De Magistro) / Os sete pecados capitais, São Paulo, Martins Fontes, 2004):
Ninguém pode permanecer muito tempo em tristeza, sem prazer. Em virtude disso, o homem é levado a afastar-se daquilo que o entristece e a buscar o que lhe agrada e aqueles que não conseguem encontrar as alegrias do espírito instalam-se nas do corpo. (p. 94)
Em vista disso, penso que podemos nos dedicar com mais ênfase a muitas coisas somente para ocuparmos o tempo, preenchermos o que entendemos que nos falta. E supomos que um enfrentamento do tédio também se dê no cliqueativismo, expressão cunhada por Daniel Innerarity, no seu A política em Tempos de Indignação: a frustração popular e os riscos para a democracia, publicado no Brasil pela Leya, em 2017. Salvo os profissionais ligados à política, a manifestação cotidiana nas redes sociais poderá sinalizar uma reação acidiosa ante o desinteresse por outros temas ou afazeres? Ou um desejo de demonstração de virtuosismo moral, um modo de se exibir ao seu grupo, com o objetivo de marcar posição e se autoproclamar como alguém comprometido com as causas que ganham repercussão entre pares? Esta última hipótese sendo justificada por outra obra, Virtuosismo Moral: Grandstanding. As ideias por trás dos cancelamentos, boicotes e difamações nas redes sociais, lançado pelo selo Avis Rara, no ano de 2021.
Ambas as situações, de todo modo, oferecem perspectivas para pensar se de fato estamos falando de política, nos apresentando como mais conscientes, querendo aparecer para o nosso próprio grupo e, evidentemente, não aspirando nos afastar dele, mas jogar, nos exibir e procurar aumentar a nossa cotação. A política nas redes, como uma mera ocupação do tempo que está sobrando, também pode ser uma alternativa. Afinal de contas, nos distraímos, recebemos likes e logo passamos para o feed, e dele novamente voltamos para saber quem se manifestou, se com emojis ou não.
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