Estudos Agostinianos

Agostinho e as categorias de Aristóteles

A ideia de tal temática investigativa, que à primeira vista parece inusitada, veio de um dos encontros dos agostinianos sobre o livro IV das Confissões de Santo Agostinho, no qual o autor cita ter lido um texto aristotélico chamado Dez Categorias.

A pesquisa despertou interesse por motivos (1) históricos e (2) metodológicos: (1) é sabido que, no Ocidente patrístico, pouca ênfase era dada às obras de Aristóteles e (2) Agostinho é mais estreitamente ligado aos neoplatônicos do que aos aristotélicos. A pesquisa mostra que é possível dizer que havia um certo aristotelismo nesses períodos patrísticos, mesmo antes de Boécio, o tradutor das Categorias de Aristóteles por volta do século VI – como o expoente Mario Vitorino poderia ser um exemplo. Mas a pesquisa vai além, alude que, embora o conhecimento de Agostinho sobre Aristóteles fosse restrito, ao criticar a aplicação das categorias aristotélicas no livro das Confissões, o hiponense chegou a conclusões alcançadas por Aristóteles na Metafísica: Ser e Uno não podem ser gêneros, pois tudo se tornaria um monismo absurdo; o que é surpreendente, tendo em vista que Agostinho jamais leu a Metafísica de Aristóteles.

Agostinho nota isso ao ver que Deus, sendo o criador e detentor do ser, não deveria ser predicado como uma substância [hipóstase]. Tal predicação acarretaria vários erros sobre sua natureza: por exemplo, categorias como lugar, tempo, paixão e até o problema de conceder o ser a tudo são completamente problemáticas; tais predicações podem até chegar ao panteísmo, pois todos os seres viriam de um único ser que é Deus.

Agostinho, diante desse quiproquó, explicita a limitação do nosso conhecimento pelas categorias convencionais e formais e mostra que elas poderiam sustentar o maniqueísmo – considerando que, para esses, o conceito de substância era apenas material –, levando ao erro e ao pecado. A saída de Agostinho, assim pareceu na pesquisa, foi deixar uma ontologia para uma henologia; conceitos obviamente modernos, mas usados para guiar e organizar seu percurso e metodologia.

A ontologia se refere ao estudo do ser, isto é, o ser é o fim último de toda ontologia, o que pode resultar no panteísmo ou monismo: uma vez que o ser é tudo que é e o que se tem com diferentes seres é uma diferença modal e não real – não havendo assim diferenças de seres. Se for aplicada a Deus, gera o panteísmo, pois Deus é o único ser por si mesmo, fazendo de todas as coisas modos diferentes de ser Deus, mas não sendo realmente diferentes de Deus.

A henologia se refere ao estudo do Uno. É um processo dialético que visa a alteridade dentro da unidade, ou seja, todas as diferenças no fundamento transcendente da realidade são Uno e não Ser. Esse tipo de metodologia está ligado ao platonismo e muito especificamente ao neoplatonismo, corrente com a qual Agostinho estava totalmente familiarizado. Esse modo de pensar permitiu a Agostinho não cair no panteísmo, além de deixar Deus livre de todas as amarras conceituais humanas de apreendê-lo, pois Ele é totalmente transcendente, está além do próprio ser.

É claro que tal metodologia está mais ligada ao modo apofático, via negativa de discurso, do que apofântico, via positiva. Aqui, Deus não pode ser igualado ao ser ou a qualquer definição, pois nela sempre usamos o é, enquanto Deus está além do ser, além de qualquer conceituação. Portanto chega-se a Deus dizendo o que ele não é, mas resguardando assim toda a sua inefabilidade, transcendência, mistério e sacralidade que Agostinho procurava.

A pesquisa então termina mostrando que Agostinho conseguiu chegar às conclusões aristotélicas – mesmo sem ter lido o livro contendo tais reflexões, a Metafísica , e parece tender a um discurso apofático devido à henologia. Não obstante, Agostinho concede que podemos falar de Deus pela revelação de modo mais exato do que pela razão, simplesmente porque, nesse caso, é Deus que vai até nós e nos diz quem ele é. Assim sendo, Agostinho não fala de Deus de modo apofático ou apofântico, positivo ou negativo, mas pela graça, o toque de Deus em nossa inteligência pela revelação.

Imagem: detalhe de “O Triunfo de Santo Agostinho”, de Claudio Coello (1664)

Sobre o autor

Willian Cardoso

Bacharel e pós-graduando em filosofia pela Faculdade de Teologia e Filosofia Paulo VI. Pesquisador do Núcleo de Estudos Agostinianos do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.