Estudos Agostinianos

Isso é um problema filosófico?

Há muitos anos eu ouvi dizer que, em Filosofia, a pergunta é sempre mais importante do que as respostas, e que o infortúnio de uma pergunta era a resposta. – Mas será mesmo? A Filosofia, quando encarrada como uma atividade cognitiva em busca do conhecimento, ou ainda como um exame crítico de nossas convicções, faz da vida dos filósofos uma constante tentativa de elaborar respostas aos problemas filosóficos. Eles são o objeto primordial de toda a Filosofia desde os pré-socráticos.

São esses problemas que constituem o núcleo duro do filosofar. Eles tratam de todas as preocupações mais fundamentais da humanidade, cobrindo áreas como ciência, arte, moral, religião, sociedade e natureza humana e conceitos como verdade, felicidade, justiça e justificação.

Tradicionalmente, o que vemos os filósofos fazerem, em suas grandes obras, é o tratamento minucioso desses problemas filosóficos, seja analisando e esclarecendo as perguntas, criticando e propondo respostas ou dissolvendo a importância de certos problemas. A maioria desses filósofos produziu teorias, ideias ou argumentos como respostas a esses problemas. Sendo assim, as perguntas possuem realmente um valor fundamental na Filosofia, mas elas são seriam tão importantes se não propuséssemos também boas respostas.

Todos os grandes filósofos elaboram boas respostas aos grandes questionamentos da humanidade. Mas eles não ficaram simplesmente nas dúvidas ou nos questionamentos. Analisar suas respostas, trazer contraexemplos, descartar equívocos e tentar dar um passo são atitudes fundamentais daqueles que se ocupam seriamente da Filosofia.

Portanto, se as perguntas possuem tanto valor na atividade filosófica, então saber elaborar boas perguntas é fundamental. Às vezes só o esclarecimento conceitual da pergunta já constitui um grande passo na busca de sua resposta. Se ocupar de uma pergunta malfeita pode ser apenas uma perda de tempo. Saber fazer boas perguntas é uma arte que pode nos conduzir a boas respostas.

Normalmente, quando falamos da importância do questionar em Filosofia, muitos pensam que grandes problemas filosóficos seriam os de sempre: 1) “De onde viemos?”; 2) “Para onde vamos?”; ou 3) “Quem sou eu?”.

Não me parece que esses sejam bons exemplos e nem que sejam realmente problemas filosóficos. Afinal, quanto a 1, se estamos querendo saber qual é a nossa origem enquanto espécie humana, enquanto indivíduo ou enquanto seres espirituais, no sentido religioso, já temos algumas respostas. Se for enquanto espécie, a Biologia Evolutiva já respondeu há mais de 100 anos e até agora nenhuma teoria alternativa conseguiu suplantar suas respostas. Se for enquanto indivíduo, basta olhar seu RG ou tentar descobrir sua árvore genealógica. Mas se for enquanto ser espiritual, não encontraremos respostas na Filosofia, sendo muito provável que sua tradição religiosa, se por acaso a tiver, tenha uma resposta. Problemas filosóficos não são problemas religiosos, mas podem ser racionalmente sobre as crenças religiosas, como: há boas razões para acreditar em Deus?

Quanto à questão 2, parece um tanto vaga. Se por acaso for de cunho pessoal, a resposta depende de onde se quer chegar. Enquanto seres vivos, estamos caminhando para a morte biológica, nosso descanso natural; enquanto humanidade; estamos indo para onde nossas escolhas sociais poderão nos conduzir. “Para onde vamos?” pode não ser um problema filosófico, mas seria se a pergunta fosse: “Há um sentido ou destino para a condição humana?”. Assim acabaríamos com uma preocupação fundamental de todos nós enquanto humanidade.

Quanto à questão 3, uma resposta depende de uma introspeção pessoal, algo muito individual e intimista. A reflexão filosófica pode até nos ajudar a ter um esclarecimento maior sobre nossos critérios de escolha – discernir ações realmente valiosas para nossa vida, examinar as nossas convicções – mas não vai se ocupar propriamente do problema “quem sou eu?”. Me parece que um olhar para você mesmo, ver as escolhas que norteiam sua vida, seu modo de vida e seus sentimentos, dirão muito a respeito de quem é você. Isso não é um problema propriamente filosófico. Uma terapia clínica ajudaria muito mais nessa questão.

Mas afinal o que são os problemas filosóficos? Qual é esse objeto da Filosofia? Por que são tão importantes?

De antemão, podemos dizer que a própria pergunta “o que sãos problemas filosóficos?” já é um problema filosófico. Além disso, e de qualquer forma, temos indícios que apontam características importantes do que seria um problema filosófico.

Em primeiro lugar, os problemas filosóficos não são problemas misteriosos, insondáveis e esotéricos, sem a mínima possibilidade de se vislumbrar uma resposta. Não são perguntas vagas, ambíguas e tortas. Questões assim não são problemas para a Filosofia. 

Em segundo lugar, eles são problemas sobre temas fundamentais acerca da existência humana como um todo universal. São problemas sobre o sentido real de tudo aquilo que realmente faz sentido para nós. Problemas sobre o fundamento de várias práticas humanas, como: conhecimento (Será o conhecimento verdadeiro possível ou tudo não passa de mera opinião relativa?); moral (O que é o bem moral e qual o seu fundamento?); sociedade (Qual a melhor forma de se viver em sociedade?); religião (Há boas provas para a existência de Deus?); ciência (Seria o conhecimento científico meramente cultural?); arte (O que é uma obra de arte?); e o sentido de  nossa existência.

Em terceiro lugar, os problemas filosóficos são problemas conceituais, isso é, eles surgem de palavras, de reflexões sobre conceitos e confusão conceitual, e são resolvidos com palavras, ideias e conceitos.

Em quarto lugar, por serem problemas conceituais, eles não são passíveis de serem resolvidos num laboratório nem por um instrumental empírico de provas e testes experienciais. Isso quer dizer que somos incapazes de pensar um experimento empírico para responder um problema filosófico do tipo: qual o fundamento da moralidade humana? Ainda que eles não sejam respondíveis em termos de uma pesquisa empírica, às vezes as boas teorias científicas podem nos ajudar a responder e a esclarecer os problemas filosóficos.

Em quinto lugar, por não serem respondidos por provas empíricas, mas apenas por palavras e ideias organizadas na forma de argumentos, esse procedimento de elaborar respostas não é capaz de gerar um consenso hegemônico em torno de uma resposta correta, pois bons argumentos (ainda que válidos) não são suficientes para termos uma posição definitiva sobre uma questão. Mas já é um bom caminho.

Em sexto lugar, mesmo que não tenhamos uma resposta definitiva para um determinado problema filosófico, que seja geradora de consenso racional para a maioria, isso não significa que as tentativas de resposta sejam inúteis. Toda vez que um filósofo busca racionalmente responder a um problema filosófico, nós ganhamos um alargamento da compreensão daquele problema; temos um esclarecimento conceitual a seu respeito; apreciamos uma nova avaliação crítica das propostas, e, o mais valioso, nos beneficiamos da apresentação de novas tentativas de respostas. A Filosofia como um todo dá um passo à frente. Afinal, em Lógica, estamos bem à frente da silogística de Aristóteles; e qual filósofo medieval se perguntou sobre a imoralidade de maltratar animais?

Portanto, a Filosofia é feita com bons questionamentos e boas tentativas de respostas. O questionamento nos impulsiona na busca do conhecimento, ao passo que as respostas lançam luz à relevância da pergunta e nos motiva a levantarmos outras questões. Aos poucos vamos progredindo na busca pelas verdades fundamentais acerca de toda a realidade.

Imagem: “O Pensador”, Auguste Rodin (foto de exemplar do Jardim do Museu Rodin, Paris, França por Miguel Hermoso Cuesta/wikimedia.org)

Sobre o autor

Carlos Sousa

Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e graduado em Filosofia e complementação em História pelo Centro Universitário Assunção. É professor de Filosofia no Instituto Teológico Maria Mater Ecclesiae e no Instituto de Filosofia Padre Eugênio Inverardi. É pesquisador do Núcleo de Estudos Agostinianos e do grupo de pesquisa em Ateísmo e Apologética, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.