
(Mais do mesmo messianismo desenhando o cenário político, mas com relevos e densidades particulares e especificidades inéditas).
A revista norte-americana New York em um dos seus websites chamado Intelligencer nesta segunda-feira, 15 de julho de 2024, postou um artigo intitulado “God’s Strongman” atribuindo aparentemente de forma irônica tal status espiritual ao ex-presidente e atual candidato presidencial pelo partido republicano Donald Trump, após “o livramento divino” devido ter saído praticamente ileso ao atentado que sofreu neste último final de semana durante comício realizado na cidade de Butler no estado da Pensilvânia.
É interessante e porque não dizer sintomático que a palavra strongman no idioma inglês pode ter diferentes significados, distintas conotações ou associações subjetivas. O termo pode significar um homem fisicamente forte com traços de um atleta completo, mas também é o título de uma competição de demonstração de força física, como pode significar um líder político que governa pela força e que conduz um regime autoritário.
O fato é que Trump tem recebido diferentes apoios e estímulos de viés religioso oriundos dos adeptos do movimento que é teologicamente denominado de Nacionalismo/Reconstrutivismo Cristão (pai/mãe da Teologia do Domínio cujo objetivo é mapear e dominar sete áreas da sociedade: governo/política, educação, mídia, artes e entretenimento, religião, família e negócios/economia), cujos ventos semelhantes com diferenças específicas e pontuais sopraram e sopram no cenário político brasileiro.
O que impressiona é como eventos reais, concretos e lamentáveis e que merecem assertivo repúdio em qualquer sociedade são instrumentalizados em menos de 24 horas por qualquer que seja a corrente ideológica dentro do espectro político.
Oportunismo
Tanto o estado da Pensilvânia onde aconteceu o atentado, quanto o estado de Wisconsin onde está acontecendo a convenção do partido republicano estes dias são considerados Swing States. São estados oscilantes/pêndulos que não possuem consistência ideológica/partidária – uma eleição vota republicano, em outra vota democrata. Tais estados são extremamente visados e visitados pelos candidatos à presidência em períodos eleitorais.
Durante a convenção do partido republicano nesta segunda-feira em Milwaukee no estado de Wisconsin (Swing State), o pastor luterano James Roemke, convidado para realizar uma oração encerrando a primeira noite da convenção (dentro de uma longa lista de outros ministros religiosos que foram convidados para diferentes momentos), enalteceu o fato de Trump estar bem devido a intervenção de Deus e ainda ousou fazer uma imitação caricata deste utilizando gestos e maneiras de falar como o próprio candidato na audiência da convenção e no momento de sua primeira aparição pública após o atentado. A imitação arrancou risadas da multidão e um “sorriso amarelo/desconfortável” de Trump.
O jornal Washington Post publicou no domingo passado (dia seguinte ao atentado) que embora Trump nunca demonstre em seu comportamento apreço pelo mundo da religião, ele emergiu mesmo antes do tiroteio como uma figura messiânica para muitos líderes cristãos que estão nas fileiras do movimento político republicano e que carrega o acrônimo MAGA – sigla do slogan da campanha que é utilizado desde sua eleição em 2016: Make America Great Again (Torne a América Grande Novamente). Vale salientar que o acrônimo no início da convenção do partido republicano nesta semana foi mudado para MASA (Make America Safe Again), ou seja, Torne a América Segura Novamente. O acrônimo foi obviamente alterado por conta do atentado.
Messianismo efervescente
Arroubos messiânicos dão mais uma vez o tom. O ministro evangélico Franklin Graham, filho do conhecidíssimo, dentro do ambiente norte-americano, pastor Billy Graham disse estes dias à Fox News (rede de televisão que devota apoio massivo aos republicanos): “A mão protetora de Deus estava sobre Trump”. Por sua vez, o presidente da Câmara dos Deputados, Mike Johnson, afirmou: “Deus protegeu o presidente Trump” comparando o que aconteceu com George Washington (um dos reverenciados pais fundadores dos Estados Unidos) quando “miraculosamente” (disse Johnson) sobreviveu a tiros no passado. Até mesmo o polêmico e controverso Steve Bannon que foi estrategista-chefe da Casa Branca no governo Trump tem dito: “Trump é um homem revestido pela armadura de Deus”. Falas como essas têm se sucedido no cenário político norte-americano neste momento.
Para completar a lista de acaloradas manifestações religiosas, o jornal de perfil financeiro The Wall Street Journal e outros veículos de comunicação abordaram o que o senador Tim Scott do estado da Carolina do Sul fez ao subir na plataforma da convenção nesta segunda-feira à noite – ele disse com entusiasmo triunfante de caráter religioso acompanhado de um gestual notadamente dramático: “Sábado passado, o Diabo quis ‘dar as caras’ com um rifle nas mãos na Pensilvânia, mas um leão americano não se intimidou e rugiu!”. A audiência da convenção foi ao delírio!
Trump hoje não é um mero Strongman de Deus com os diferentes contornos hermenêuticos que queiramos dar. Ele se tornou uma figura bíblica enviada pelo próprio Deus – um “messias”. Todas as acusações contra ele, os inúmeros processos legais que depõem contra ele, “caem por terra” (utilizando uma expressão religiosa em sintonia com o contexto) diante dos últimos acontecimentos.
Os “flertes” entre religião e estado não são de hoje, mas de vez em quando acontecem “casamentos de papel passado”. E ultimamente tais “cerimônias matrimoniais” se utilizam do “frágil altar da democracia” como palco religioso.
Parafraseando Ross Douthat, jornalista e colunista do The New York Times: “Se alguém não conhece minimamente o fenômeno religioso no mundo contemporâneo não entenderá o século XXI”.
Imagem: Donald Trump, gerada por IA
