Sala Michael Oakeshott

Em política, nem se renasce nem se ilumina

Notas sobre “Michael Oakeshott and Leo Strauss” de David McIlwain

Explorar proximidades e desencontros sobre a obra de dois dos mais profundos pensadores da política no século XX, Michael Oakeshott e Leo Strauss, é um feito extraordinário para a filosofia política. David McIlwain debruça-se sobre a obra de ambos, trazendo à luz análises instigadoras. Podemos realmente concordar com a proximidade de Oakeshott com o Renascimento e a de Strauss com o Iluminismo? Para McIlwain é exatamente esse o ponto.

O pesquisador canadense parte do óbvio, Oakeshott e Strauss são, geralmente, vinculados ao pensamento conservador e suas obras encontram maior espaço entre aqueles que se consideram de direita. De fato, Oakeshott escreveu um famoso ensaio intitulado “Ser Conservador”, referência inicial para estudantes do conservadorismo; e a influência de Strauss no movimento conservador americano é tema de polêmicas até hoje. Contudo, a obra de ambos os autores vai muito além do que se pretende chamar de conservadorismo – mesmo porque suas divergências no mínimo revelariam que a categoria “conservador” é um tanto quanto polissêmica. McIlwain busca em seu livro extrapolar simplificações iniciais feitas de pensamentos tão ricos.

Logo na introdução, o conservadorismo de Oakeshott e Strauss é colocado em análise. Ele não é total, segundo McIlwain, e parece dizer respeito apenas à política. Oakeshott argumenta que é possível ser conservador na política e radical em outras áreas. Em Strauss, de acordo com Tanguay, não há uma “aderência incondicional ao passado e à tradição” (McIlwain, 2019, p. 15).

De fato, no ensaio “Filosofia Política”, escrito na década de 1940, Oakeshott ressalta que a filosofia tem um caráter de subversão radical, pois se mantém fluida e não possui limites. A filosofia é uma reflexão que não cessa e, portanto, a filosofia política é incapaz de dar uma ordem ao mundo da política, ou mesmo de servir como guia à atividade política (Oakeshott, 1993). Já Strauss, em “Direito Natural e História”, publicado em 1952, revela que o pensamento filosófico se recusa a equacionar o bom com o que é ancestral, como um pensamento “pré-filosófico” fazia. O que é bom não é mais identificado com ancestralidade, e a busca pelo bem deve ser guiada pela natureza e não por convenção[1] (Strauss, 1965).

McIlwain, então, diz que tanto Strauss quanto Oakeshott parecem advogar uma moderação no que diz respeito à política, mas em suas teorias são radicais, exploram alternativas. Para exemplificar esse espírito, o autor lança mão da figura de Sócrates, personagem caro especialmente a Leo Strauss. De acordo com McIlwain, o mestre de Platão era um teórico radical, mas conservador nas consequências práticas do pensamento, tanto que aceitou seu destino fatal na democracia ateniense.

Esse caráter dual, de radicalidade no pensamento e moderação na prática e na política, é também exposto por McIlwain como uma oposição entre Alemanha e Inglaterra, encontrada em cada uma das obras dos autores em questão. Tanto Oakeshott quanto Strauss carregariam uma “mania” alemã em suas teorias ao mesmo tempo que adotariam uma moderação inglesa em suas vidas práticas. Eles aceitam a tensão entre a mentalidade radical alemã e a moderação do modo de vida inglês. Para ilustrar esse aspecto, McIlwain os contrasta – não sem polêmica – com Carl Schmitt e Friedrich Hayek, casos extremos segundo o pesquisador.

McIlwain afirma que a dualidade em Strauss e Oakeshott se deve, em grande medida, a elementos biográficos. Leo Strauss, alemão de nascimento, tinha no início da década de 1930 um pensamento mais próximo de uma direita radical e menos moderada, como atesta sua correspondência da época com Karl Löwith. Ainda de acordo com o pesquisador, é a ida de Strauss para a Inglaterra em 1934 que vai moderar a sua visão política, ao ponto de, no artigo “Niilismo Alemão”, de 1941, estar presente uma apreciação à moderação da vida britânica, a despeito de sua falta de radicalismo filosófico.

A biografia de Oakeshott também ajuda a entender sua moderação política e radicalidade filosófica expostas por McIlwain. O pensador britânico estudou na Alemanha em 1923 e 1925, quando aprofundou estudos na cultura germânica. Embora como estudante Oakeshott se visse como testemunha da superioridade do pensamento alemão – assim como Strauss –, ele se torna crítico da mania alemã, ao menos politicamente. No ensaio “Sobre a Paz com a Alemanha”, ele revela que o inimigo é o caráter alemão, que precedia em existência o nazismo. Os nazistas até poderiam perder a guerra materialmente, mas a ideologia continuará depois do regime de Hitler.

Para McIlwain, um dos pontos de maior contraste entre Oakeshott e Strauss é a investigação do pensamento de Thomas Hobbes. Mais especificamente sobre o papel do filósofo britânico na crise do Ocidente. Strauss e Oakeshott concordam que há uma crise da modernidade e um dos alvos de ambos é John Locke. McIlwain resgata um texto de Oakeshott do livro O Conceito Filosófico de Jurisprudência para justificar seu ponto:

Democracia, governo parlamentar, progresso, discussão, e ‘a plausível ética de produtividade’ são noções – todas elas inseparáveis do liberalismo lockeano – que agora falham em despertar oposição; não são apenas absurdas e explodidas, mas desinteressantes. (Oakeshott apud McIlwain, 2019, p. 88).

Mas Strauss e Oakeshott divergem sobre o papel de Hobbes. Nas palavras de McIlwain:

Oakeshott abordaria Hobbes como um antídoto para Locke e ‘a plausível ética da produtividade’, enquanto Strauss conectaria Hobbes a Locke e à sociedade de mercado moderna (e, portanto, ao que Oakeshott chamaria de ‘luta indigna pelos prazeres suburbanos’) (McIlwain, 2019, p. 88).

Para Oakeshott, Hobbes não promove uma ruptura com a tradição anterior, e sua filosofia política possui conexões com o Epicurismo, que são negadas pela análise que Leo Strauss faz em seu livro The political philosophy of Hobbes, de 1936. No entanto, no já citado Direito Natural e História, Strauss admite as influências epicuristas no pensador britânico, mas tal epicurismo foi colocado de cabeça para baixo. O ascetismo de Epicuro, a ataraxia, seria utópica para Hobbes, que dá a ela contornos políticos, criando o que Strauss chama de “hedonismo político” (Strauss, 1965).

A partir dessas distinções, McIlwain conclui que são reveladas

posições contrastantes sobre a viabilidade contínua das fundações da modernidade. Strauss entendia que a consciência moderna equivale à evasão burguesa da vida política e sua consequente possibilidade de morte violenta. Para Oakeshott, esses valores burgueses obscureceram uma fundação hobbesiana original que se baseava na coragem magnânima de homens que eram “orgulhosamente descuidados” para exigir a mera segurança de seus corpos e profundo e permanentemente céticos para esperar que a segurança de um mundo venha (McIlwain, 2019, p. 109).

Resta entender por que, para o pesquisador, Oakeshott pode ser aproximado de uma leitura renascentista da política e Strauss de uma iluminista. Mcllwain destaca a leitura do pensador britânico a respeito da reação de Lutero contra o Renascimento como o evento fundante do ressentimento alemão, que, por sua vez, construiria um sentimento anti-individual e do homem de massa. Isso teria sido o que (palavras de Oakeshott) “destruiu para a Europa a última grande safra de civilização que a Europa iria colher – o Renascimento” (Oakeshott apud McIlwain, 2019, p. 27). Para Oakeshott, a individualidade era central para o Renascimento e, sendo assim, um fator de tendência libertadora para a vida humana em comunidade. “Oakeshott, ao contrário de Nietzsche, continuou a acreditar que o Renascimento era uma possibilidade contínua dentro dos termos da civilização atual” (McIlwain, 2019, p. 27). O pensador britânico considerou, então, que Hobbes delineou as implicações de sua doutrina para os adeptos da ‘religião positiva’. Essas seriam, portanto, as lentes por meio das quais o filósofo britânico entenderia o pensamento de Hobbes.

Para McIlwain, assim como Oakeshott, Strauss defendeu o liberalismo como o ponto alto da civilização ocidental. Diferentemente dele, contudo, o pensador alemão, ao analisar a questão judaica, via nos aspectos religiosos o grande problema do judaísmo político. Seria a religião um dos dois grandes limitadores para o melhor exercício reflexivo. Strauss afirmava que o ser humano é iludido por dois encantos opostos: o da competência e o da reverência à humildade. O primeiro derivado da matemática e tudo a ela ligado; e o segundo da meditação sobre a alma humana e suas experiências. A filosofia se recusa a sucumbir a ambos. Essa recusa, em especial ao segundo desses encantos, aproximava Strauss de muitos pensadores iluministas. Segundo McIlwain, isso fez com que Strauss entendesse o pensamento político de Hobbes por meio de uma leitura iluminista. O filósofo alemão via o autor d’O Leviatã como um forte crítico da religião revelada. Nada mais iluminista. Assim, para Strauss, o ‘homem hobbesiano’ não é um demônio inocente. Ele entendeu que Hobbes entregara um projeto de iluminação universal, baseado na cultura científica humana, que acabaria por levar a religião a ser uma característica de uma era pré-científica.

Ainda que entendamos os argumentos de McIlwain, muito bem construídos em “Michael Oakeshott and Leo Strauss“, parece demasiado forçado atrelar o primeiro ao Renascimento e o segundo ao Iluminismo. Como autores modernos que foram grandes defensores das forças da tradição, da moderação e da individualidade, é impróprio caracterizá-los como representantes (ainda que por aproximação) de tais respectivas escolas de pensamento. Por suas obras, ambos concordariam que em política nem se renasce, nem se ilumina.

Referências

MCILWAIN, David. Michael Oakeshott and Leo Strauss: The Politics of Renaissance and Enlightenment. Palgrave MacMillan, 2019.

OAKESHOTT, Michael. Religion, Politics and the Moral Life. New Haven and London: Yale University Press, 1993.

STRAUSS, Leo. Natural Right and History. University of Chicago Press, 1965.

STRAUSS, Leo. The Political Philosophy of Hobbes. University of Chicago Press, 1952.

[1] Apesar disso, Strauss mantém que a filosofia ainda resguarda algo do pensamento pré-filosófico pautado pela convenção. Segundo o autor, a filosofia busca o bom porque é bom, e não porque é ancestral, mas ainda preserva um elemento dessa equiparação. Afinal, as primeiras coisas, ou os princípios primeiros, são, por definição, mais antigas do que a ancestralidade. “A natureza é mais velha do que qualquer tradição; logo é mais venerável que qualquer tradição.” (p. 92)

Imagem: Michael Oakeshott e Leo Strauss

Sobre o autor

Theo Villaça

Mestre em Filosofia Política pela PUC-Rio, com pesquisa em Hannah Arendt e Eric Voegelin e pesquisador do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.

Sobre o autor

Marcos Pena Jr

Bacharel em Economia (UnP) e Filosofia (UCB), MBA (UnP), especialista em Planejamento e Estratégias de Desenvolvimento (ENAP) e mestre em Engenharia de Produção (UFRN); pesquisador do Núcleo de Estudos Prospectivos da Universidade Católica de Brasília (UCB) e pesquisador do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ. Poeta, articulista e escritor. Autor de “Do riso às lágrimas: poemas contra ressentimentos” (Caravana, 2021) e "Visagens nossas de cada dia: uma história da Independência" (Bibliomundi, 2022).