O poder tem sido um tema central no debate público dos últimos anos, devido ao alcance que as redes sociais possibilitaram a diversas leituras sobre a realidade que estavam relegadas à marginalidade mediática. Minorias sociais passaram a ter voz, veículos de comunicação tradicionais, acostumados à unilateralidade de suas mensagens, se tornaram mais ponderados diante das opiniões de seus consumidores e a internet parecia trazer o suporte técnico que faltava para a democracia se desenvolver plenamente.
Neste carnaval polifônico e policêntrico de opiniões, a denúncia das contradições da realidade se tornou uma obsessão. Com toda a legitimidade de quem deseja o progresso de sua sociedade, diversos grupos sociais e políticos buscam desvelar a ideologia que obscurece o esclarecimento emancipador e beneficia elites que controlam o imaginário das massas. No entanto, por mais necessária que seja essa tarefa de desconstrução do discurso de poder, devemos salientar que a popularidade e o alcance que esses debates ganham nas redes sociais têm a ver com sua capacidade de angariar os cliques dos seus usuários a partir de posts superficiais, efêmeros e sensacionalistas. A retórica se sobrepõe ao exame crítico.
A qualidade das ideias se torna secundária no mundo da comunicação em rede. Conceitos complexos se transformam em palavras vazias, seja por serem concebidos na ignorância de seu emissor, que não tem a capacidade de articulá-lo devidamente em seu texto, seja por não encontrar receptores que saibam interpretá-los com a profundidade necessária. Mas o curioso é que isso não atrapalha a sua disseminação pelo debate público – na verdade, certas narrativas nunca foram tão fortes como são hoje. Sendo assim, ao que se deve essa contradição? Certamente à ideologia.
Talvez seja essa a maior ironia de nosso tempo: as redes sociais, que supostamente serviriam para ampliar a cidadania e promover a equidade nos campos do recebimento e disseminação de informações, na verdade representam a materialização última (ao menos até hoje) do esclarecimento técnico convertido em mistificação das massas. A crítica de Adorno e Horkheimer, sobre os meios de comunicação de massa se converterem em indústrias da cultura e alienarem as potencialidades reflexivas de toda uma sociedade, atualmente ganha corpo nessas redes de comunicação que põem suas próprias vítimas para trabalharem a seu favor.
Não estamos dizendo que todas as questões históricas, sociológicas, políticas e culturais levantadas nos últimos anos sejam irrelevantes e não mereçam um espaço para debate. Muito pelo contrário, diversos assuntos que circulam nas redes sociais são de extrema importância para a sociedade como um todo ou para grupos inseridos nela. O que denunciamos aqui é justamente o fato de que tais discussões perdem seu potencial crítico-reflexivo por estarem inseridas em uma lógica efêmera de banalização que empobrece seu conteúdo.
Os produtores de informação sabem que não podem propagar mensagens que demorem muito para serem consumidas – seja pela sua extensão, seja pela sua profundidade –, uma vez que não lograrão aderência de seu público, que está sedento por estímulos contínuos e que encontra uma infinidade de informações que chegam em suas páginas incessantemente para consumo imediato. Esse ritmo alucinante de interação desincentiva atos de contemplação e meditação mais prolongados, que ajudam no surgimento de pensamentos mais refinados e complexos, acabando por contribuir para o aumento da imbecilização coletiva.
Nesse sentido, as mensagens acabam se tornando, em sua grande maioria, fragmentos do que deveriam ser, sem conseguir transmitir verdadeiramente o conteúdo proposto, uma vez que sua intenção não é informar efetivamente, mas conseguir o máximo de interações, como compartilhamentos, curtidas e comentários que ampliem a influência dos emissores e prendam os receptores naquela atividade, possibilitando que o mapeamento do imaginário se converta em uma métrica mais palatável para a manipulação de grupos políticos e mercadológicos. O meio é a mensagem.
Por mais que tenhamos uma variedade notável de linguagens, formas e propostas estéticas circulando pelas redes sociais a todo o momento, o seu ambiente condiciona a recepção de tais conteúdos a uma percepção pobre e desatenta. Por esse motivo, Anitta atrai mais atenção do que Bach. A cantora (com sua imensa equipe) incorpora o empobrecimento perceptivo em sua música. Nesse cenário de enfraquecimento da qualidade, a repetição exaustiva constitui o grande objetivo dos emissores. As redes sociais transformam-se em grandes fábricas de viralização irracional de memes, a única semântica existente é a ideologia.
Assim fomentamos a apatia de uma sociedade que esgota suas forças criativas e abstratas nos ciclos de consumo simbólico das redes. A simulação se confunde com atos concretos e a realidade contraditória, bárbara e histórica do Brasil se torna um monstro invisível e invencível.
Como já dissemos, não há nenhum critério verdadeiramente crítico ou metodológico para elegermos as mensagens que transitam freneticamente nas redes, é um misto entre o que seduz o clique dos usuários com os modos coercitivos do algoritmo que favorecem o consumo. As redes sociais viram uma grande vitrine para o consumismo, onde praticamente tudo é permitido dentro de sua banalidade que retroalimenta a falta de crítica de seus consumidores. O detergente e o presidente têm o mesmo potencial de propagação, pois não importa o que sejam na realidade, mas sim sua função enquanto signos cativadores de interação que aumentam o poder financeiro e político dos donos das redes sociais e de grandes influenciadores, sejam eles marcas ou pessoas.
Até então, a ideologia se contentava em ser uma mentira. A partir daqui, ela se faz uma simulação da atividade política, convertendo toda significação de todo discurso em simulacro mercadológico. Como pode a beleza salvar um mundo onde há máquinas que tomam a própria linguagem como base para construir a dominação abstrata e financeira das elites?
Bibliografia
ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Editora Zahar, Edição digital, 2014.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d’Água, 1991.
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