A Crise do Amadurecimento na Contemporaneidade

O peso do falso ser – Parte 3

A vulgaridade como padrão no mundo contemporâneo


Na busca pela descoberta de quem se é, os indivíduos do contemporâneo criaram personagens para participar do mundo. No entanto não tratamos aqui do self, do eu real e sim da projeção idealizada desse indivíduo, algo que já tratei em artigos anteriores como falso self Winnicotiano.

Na atualidade, não é corriqueira a observação dos extremos nas características dos indivíduos, pois me parece que estar inserido em um tipo de normalidade pode excluir da nova sociedade que se forma entre os Zenialls (assim como dos Millenials mais imaturos – a grande maioria).

O que tínhamos como características de normalidade hoje passou a ser tratado como PADRÃO, e ser padrão nesta sociedade pseudo liberal não é permitido, apesar de ser ocultamente admirado.

Quando falo em características extremas, deixo claro que atualmente os indivíduos parecem ter dois caminhos a seguir, seja pelo ser com beleza absolutamente perfeita ou então pela acentuação do que vou chamar de ser bizarro. Sabemos que entre essas duas características existem muitas outras, porém elas não cabem nesta discussão, visto que não representam nada, são muito “normais”.

Douglas Murray traz observações válidas sobre esse novo comportamento em seu livro A Loucura das Massas, principalmente quando afirma que “Quando se trata de questões ligadas a sexualidade, adotou-se um conjunto de suposições que têm se provado tão dogmáticas quanto aquelas que substituíram.”

Dia após dia a geração da inovação, da liberdade e da inclusão aprisiona-se nas novas regras criadas pelos discursos utópicos disseminados pelas redes sociais. Atualmente, não podemos tratar do sexo em si, mas sempre do gênero, pois tem-se dito que o sexo é uma construção social imposta por um patriarcado opressor. Sendo assim, para combater esse sistema adoecido, o novo enfrentamento se dá de forma a estabelecer a vulgaridade existencial como padrão.

Para o psicanalista Gustavo Dessal “O indivíduo pós-moderno é aquele que se vê obrigado a buscar soluções biográficas para problemas sistêmicos.” Utilizo justamente esse trecho da obra em coautoria com o sociólogo Zygmunt Bauman para ressaltar as narrativas defensivas que são utilizadas de forma fragmentada e empobrecida, discussões e estudos acadêmicos sendo discutidos em mesas de bar, por indivíduos que não têm sequer conhecimento de duas ou três obras de cada autor envolvido na contenda, mas que por meras suposições as contextualizam ao seu bel prazer.

A liberdade do comportamento sexual pode ser observada pelo crescente apoio comercial de grandes marcas – as lutas que outrora foram pelo respeito e pela inclusão hoje se impõem de maneiras distintas, sempre muito contestáveis.

Apesar da crítica pela objetificação dos corpos, mais do que nunca podemos notar a superexposição da nudez como chamariz de público. Contudo, vale lembrar que isso não está restrito aos palcos e às telas. Essa nudez também se dá nas ruas.

Para Bauman, “manter atualizada a representação é uma tarefa de 24 horas por dia e sete dias por semana”, o que nitidamente se aplica a essa geração conectada e repleta de discursos e críticas. Indivíduos formados a partir da busca por qualquer tipo de trauma externo, qualquer tipo de conflito que colabore para a sua afirmação de ser alguém presente e real no mundo, ainda que muitas vezes aprisionado às discussões pelo Twitter.

Pôde-se observar que a sensualidade que hoje se dá pela mecânica de mostrar sem mostrar, nessa sociedade empobrecida de capacidade de desejo, foi substituída pela superexposição do corpo nu (ou seminu), e ai de quem criticar essa falta de mistério.

E esse fato foi visto por Murray quando escreveu sobre a atual comunidade LGBT “se os gays se parecessem com todo mundo, acabariam desaparecendo”. Nesse recorte, o autor faz uma constatação que, apesar de estar dirigida aos gays, pode facilmente ser aplicada a esses indivíduos que buscam a vulgaridade como novo padrão, como observei acima. Esse comportamento vulgar diz de uma sociedade de jovens em busca de se destacar por qualquer característica além do ser, características da ordem do representar – e aqui eu retorno para a minha fala sobre a beleza (se é que podemos chamar assim) bizarra.

Com esse comportamento fora do que eles chamam de PADRÃO, os novos indivíduos buscam seu posicionamento. Como já é sabido, porém, eles se aglomeram em bandos, na medida em que apenas pelo estar coletivo eles são capazes de ter sua representação realmente destacada.

E aqui mais uma vez utilizo uma fala do sociólogo polonês, quando ele diz que “A internet facilita enormemente a tarefa da reinvenção, até um ponto inalcançável na vida desconectada.” É pelo uso dessa ferramenta que as aglutinações e os desejos passam a ser expostos, agrupados e discutidos.

Para tratar do comportamento sexual da nova geração, me vejo obrigado a fazer essa introdução, uma vez que a construção do indivíduo, como observa Winnicot, se dá também pela interferência e influência do meio ao qual o ser é submetido.

Aos poucos, grandes veículos de comunicação passaram a pautar as questões de gênero pelo mundo, com grande destaque. E seria uma grande ingenuidade do leitor (sabendo que essa ingenuidade nada mais é do que imaturidade) achar que realmente nada disso é baseado nas novas métricas de sucesso – essas métricas são principalmente o tal do engajamento, que, via de regra, se converte em faturamento.

Posso complementar o raciocínio mercadológico quando Douglas diz que “o uso de matérias de interesse gay para propósitos que não o de noticiar, talvez para compensar o tempo perdido ou somente esfregar essas coisas na cara daqueles que ainda não acompanham os costumes modificados de nossa era”.

Esse apontamento se dá justamente como o mecanismo discursivo funciona, gerando dúvidas, buscas, compartilhamentos e discussões. O afronte da matéria poderá ser usado justamente como argumento para as discussões com aqueles que pensam diferente. É óbvio que, em meio a tudo isso, temos diversas matérias importantes e relevantes, mas o volume de conteúdo direcionado aos interesses da comunidade alimenta, de fato, boa parte das discussões nas redes.

Dessal aponta que “o que a psicanálise reconhece sob o conceito de inconsciente é que os desejos precisam de segredo e de mistério para sobreviver. Se forem anunciados demais, insinuados demais, revelados demais, corre-se o risco de que nossos semelhantes (incluindo nossos próprios pais) se tornem nossos perseguidores”. E é justamente desses pais e desses perseguidores que teoricamente os indivíduos contemporâneos tentam fugir, mas é como se a fuga fosse na direção do encontro.

No meio desse embate, é muito comum, como observou o jornalista em sua obra, que as novas armas dessa guerra contra o sistema se deem de forma muito mais discursiva do que prática: “As armas à mão (acusações de racismo, sexismo, homofobia e, finalmente, transfobia) são facílimas de empunhar e não há preço a se pagar por empunhá-las injusta, injustificada ou frivolamente.”

No âmbito desse embate de ideias fica clara a afirmação de Bauman de que “Para livrar os seres humanos de seus temores, a sociedade deve impor restrições a seus integrantes, mas os homens e mulheres precisam se rebelar contra essas restrições para continuar avançando em busca da felicidade”. Ainda assim, essa tal felicidade apontada pelo autor está convertida de maneira material, e quão mais distante os indivíduos estiverem de alcançá-la e quanto maior for a possibilidade de observá-la, mais desesperados e frágeis eles se tornam em seus argumentos.

Algo muito interessante que Douglas Murray traz à luz é a homossexualidade dividida em duas possibilidades – ele utiliza dos termos hardware (para algo inerente às influências, algo genético) e software (para algo que pode ser aprendido). Dessa maneira, ele consegue simplificar, e bastante, as origens das discussões em torno da sexualidade. Ele diz: “Em geral, nós, pessoas modernas, somos mais solidárias com comportamentos que não podem ser modificados, mas ainda criticamos ou questionamos estilos de vida que achamos ser uma questão de escolha, especialmente se forem inconvenientes para outros.”

A briga relatada pelo autor gira em torno das teorias que comprovariam se a homossexualidade é aprendida ou “vem de fábrica”, e ambos os argumentos podem ser defendidos de acordo com autores específicos. No entanto, como ele mesmo diz, não há nada que de fato comprove esse comportamento/desvio, além de teorias e análises sem nenhuma comprovação cientifica. Vale lembrar, inclusive, que a ciência no mundo contemporâneo é a juíza de todos os valores e é utilizada para justificar todo e qualquer comportamento que possa interessar também ao mercado, dependendo da fase.

Segundo pesquisas, o que modificou a opinião pública com relação às pessoas gays foi o fato de conhecerem alguém – familiar, amigo ou colega de trabalho – gay. E conforme registrado na publicação, o “fator moral que modificou mais claramente as atitudes em relação à homossexualidade foi a passagem da crença de que é um comportamento aprendido para a crença de que é inata”.

De qualquer maneira, acompanhando manifestações do segmento, fica claro que muitas vezes o interesse dessa luta se perde entre argumentos e caricaturas – e isso é apontado na fala de Ändrew Sullivan: “Vá a qualquer marcha pelos direitos gays e você verá a impossibilidade de organizar um lobby coerente; tais tentativas são sempre minadas pela ironia, pelo exibicionismo ou pela irresponsabilidade”. Nesse ponto, podemos trazer novamente o comportamento imaturo, não apenas dos jovens, mas de indivíduos com idade avançada e que regularmente encabeçam toda essa argumentação. Algo que pode reforçar a teoria aqui desenvolvida, de um comportamento que extravasa a sexualidade e se torna objeto de desejo e de consumo, como forma de pertencimento numa busca por conhecer e experimentar o mundo de forma livre e fluida, e assim aos poucos tentar descobrir quem se é em meio a uma multidão de pessoas, teorias e lutas.

É sabido também que “Homens e mulheres gays demonstram ter grande suspeita das pessoas que se afirmam “bissexuais”. Os gays tendem a acreditar que homens que afirmam ser “bi” na verdade são gays em negação. Poucas mulheres reagem positivamente à ideia de ser parceiras de homens que também transam com outros homens”. Seria isso um reflexo da formação histórica do que constituem as características de um ser humano ou apenas um tipo de preconceito estabelecido pelo padrão heteronormativo? Seja como for, o preconceito também se dá no interior da comunidade, numa disputa para descobrir quem merece ter mais visibilidade dentro da causa ou quem sofre mais.

Douglas Murray diz que, no contemporâneo, paira uma grande dúvida que abraça os observadores, “Trata-se de decidir se ser gay significa que você se sente atraído por pessoas de seu próprio sexo ou significa que você faz parte de um grande projeto político”. O que também aparece no comentário de Foucalt, quando ele conclui que “o sexo ou até a sexualidade são instáveis demais como base para a identidade.”

Fique claro que o que busquei fazer neste artigo não foi resumir a complexidade do comportamento sexual, nem simplificar de maneira empobrecida o valor de lutas por respeito e pertencimento, mas acentuar a interferência mercadológica no sistema e ainda o péssimo desenvolvimento psíquico observado na sociedade atual. A complexidade dessa discussão ultrapassa as militâncias emburrecidas e sedentas por argumentos a serem atacados. Não se trata de um julgamento moral, e sim de um apontamento de cunho analítico do comportamento social que pode nos falar muito mais do que apenas dos gays, mas de sentido. Conforme escreveu Freud: O domínio da massa por uma minoria continuará a se demonstrar sempre tão imprescindível quanto a imposição coercitiva do trabalho cultural.

Cabe à sociedade o respeito e a busca por compreensão da diversidade, bem como fica a cargo dos mais sensatos membros da comunidade estabelecer diálogos em busca de justiça, e não apenas promover carnaval ou se tornar massa de manobra de partidos políticos que hoje veem na comunidade LGBT um grande filão de mercado.

“A degradação líquida do amor é um grande sintoma de nossa época, na qual a ação corrosiva do discurso neoliberal encontra cada vez menos obstáculos para transformar cada um de nós em mercadoria”. (Zygmunt Bauman)

Bibliografia

A loucura das massas
Douglas Murray

O retorno do pêndulo
Gustavo Dessal e Zygmunt Bauman

Imagem: “young gay men on a train” (foto davitydave/wikimedia.org)

Sobre o autor

Maycow Montemor

Jornalista, graduando em Psicologia e pesquisador dos grupos "Crise do Amadurecimento na Contemporaneidade" e "Cultura do Consumo, Sociedade e Tendências" do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo /PUC-SP – LABÔ.