Núcleo de Filosofia Política

O absurdo do igualitarismo

Agradecemos à Liberty Fund, editora de Law and Liberty, por autorizar a publicação deste artigo.

Tradução: Theo M. Villaça | Revisão: Luiz Bueno e Flávia Sarinho | © Labô
Texto original: “The Absurdity of Egalitarianism” – publicado em lawliberty.org  (publicado em 19/11/2018)

Igualitários acreditam que a desigualdade é injusta e que a justiça requer uma sociedade que se mova continuamente em direção a uma maior igualdade. Esse é o objetivo da tributação proporcional, dos programas de igualdade de oportunidade e das diversas políticas antipobreza de um Estado de bem-estar-social. Essas políticas custam dinheiro. A abordagem igualitária para obtê-lo é taxar aqueles que têm mais para beneficiar aqueles que têm menos. O absurdo disso é que os igualitários pressupõem que justiça requer ignorar se as pessoas merecem o que têm e se são responsáveis pelo que lhes falta. Eles supõem que seja justo ignorar os requisitos da justiça.

Eis a consequência do igualitarismo. Segundo o Statistical Abstract of the United States (Resumo Estatístico dos Estados Unidos), a expectativa de vida dos homens é, em média, sete anos menor que a das mulheres. Existe, então, uma desigualdade entre homens e mulheres. Se os igualitários realmente defendem que seria melhor se todos tivessem o mesmo nível de benefícios sociais e econômicos, então eles devem considerar injusta a desigualdade entre a expectativa de vida de homens e mulheres. Seguindo seu raciocínio, deveria ser um requisito da justiça igualar as expectativas de vida de homens e mulheres. Isso pode ser feito, por exemplo, ampliando e melhorando a assistência médica para homens e fazendo-os trabalhar menos horas que as mulheres.

Além disso, uma desigualdade decorrente da expectativa de vida desigual entre homens e mulheres é que os homens são menos propensos a se beneficiar da Previdência Social e Medicare após a aposentadoria. Da maneira como as coisas são, homens e mulheres são obrigados a contribuir para esses programas com uma porcentagem igual de suas rendas. Isso é claramente injusto de um ponto de vista igualitário: por que os homens deveriam ser obrigados a subsidiar a saúde e a riqueza das mulheres? A política igualitária que a situação sugere é diminuir a tributação sobre os homens ou aumentá-la sobre as mulheres. Há muito o que políticas igualitárias poderiam fazer para reduzir as desigualdades decorrentes da expectativa de vida díspar de homens e mulheres.

Por que não centros de prazer estatais?

Ainda resta a questão de como compensar a atual geração de homens pela injustiça de terem vidas mais curtas do que as mulheres. Nenhuma compensação pode desfazer o dano, mas pode torná-lo mais fácil de suportar. A política óbvia é estabelecer programas destinados a fornecer aos homens pelo menos alguns dos benefícios que eles teriam desfrutado se sua expectativa de vida fosse igual à das mulheres. Há muito prazer que se poderia ter nesses sete anos que os homens não vão ter. Uma maneira eficiente de compensá-los por sua perda seria estabelecer centros de prazer estatais, nos quais os homens poderiam gastar as horas e os dias ganhos por terem jornadas de trabalho mais curtas e férias mais longas.

Esses absurdos, que decorrem do igualitarismo, lançam dúvidas sobre sua lógica fundamental. Isso deve levar à suspeita de que as medidas mais usualmente associadas ao igualitarismo – programas antipobreza, diversas legislações de bem-estar, tributação proporcional, o tratamento preferencial às minorias e às mulheres – sofrem de um absurdo análogo. Pode-se realmente suspeitar que as políticas igualitárias habituais não pareçam absurdas apenas porque são tornadas familiares por uma retórica repetida incessantemente que disfarça a falta de razões para elas.

Os estereótipos igualitários

Os igualitários podem evitar esses absurdos? Eles podem alegar que há uma desanalogia significativa entre a expectativa de vida desigual de homens e mulheres, e a desigualdade entre ricos e pobres, brancos e negros, ou homens e mulheres. A diferença, diriam os igualitários, é que pobres, negros e mulheres são desiguais devido a injustiças, como exploração, discriminação ou preconceito, enquanto isso não é verdade para a expectativa de vida dos homens.

Um momento de reflexão nos diz que essa afirmação é insustentável. A categoria “homens” inclui homens pobres e homens negros, os quais, segundo igualitários, sofreram injustiça no passado. E negros e mulheres incluem pessoas com alto desempenho, com considerável riqueza e imigrantes que vieram para este país recentemente e de maneira voluntaria e não poderiam ter sofrido injustiças aqui no passado. É o preconceito mais grosseiro pensar em homens como deploráveis, mulheres como grandes talentos abusados sexualmente e negros como moradores do gueto condenados a uma vida de pobreza, crime e vício. Muitos homens já foram vítimas de injustiça, e muitas mulheres e negros não sofreram. A superação da injustiça exige uma identificação bem mais precisa das vítimas do que a mera participação em grupos tão amorfos como os de mulheres, negros ou pobres. Exige perguntar e responder a questão de por que indivíduos específicos estão em uma posição de desigualdade.

Igualitários, entretanto, ignoram essa exigência. Segundo eles, o simples fato da desigualdade é suficiente para justificar redistribuição e compensação. Independentemente de os igualitários estarem certos a esse respeito, eles enfrentam um dilema. Se as políticas de redistribuição e compensação consideram até que ponto as pessoas são responsáveis por estarem em uma posição de desigualdade, então a justificativa dessas políticas deve ir além do que os igualitários podem fornecer. Porque a justificativa deve envolver uma consideração sobre as escolhas que as pessoas fazem, além de seu mérito, esforço e responsabilidade. Na medida em que isso é feito, a justificativa deixa de ser igualitária.

Se, por outro lado, as políticas de redistribuição e compensação não levam em conta a responsabilidade que as pessoas têm por sua desigualdade, então não há uma desanalogia entre a desigualdade de homens e mulheres em relação à expectativa de vida, e pobres, negros e mulheres desiguais em outros aspectos. Políticas igualitárias consistentes devem então ter por objetivo superar todas as desigualdades, e é justamente isso que produz as políticas absurdas descritas acima.

Igualitários podem tentar evitar o absurdo de outro jeito. Eles podem dizer que é injusto que as perspectivas de algumas pessoas no nascimento sejam radicalmente inferiores às de outras. Mas essa desigualdade é uma questão de necessidade estatística, não de justiça. Sendo uma necessidade, vale em todas as sociedades, mesmo em um paraíso socialista. Dada qualquer base de classificação das perspectivas de indivíduos no nascimento, algumas serão classificadas mais altas e outras mais baixas. Aqueles com classificação mais baixa terão perspectivas drasticamente inferiores aos de classificação mais alta. Reclamar dessa necessidade estatística é tão razoável quanto lamentar diferenças em inteligência ou beleza. Chamar essa necessidade estatística de injusta é um absurdo.

Vamos supor que o igualitarismo seja visto pelo que ele é: uma tentativa absurda de, em nome da justiça, negar que pessoas sejam responsabilizadas por suas ações e tratadas como merecem, com base em seus méritos e deméritos. Resta uma dúvida incômoda. É inegável que existem vítimas inocentes de infortúnio e injustiça em nossa sociedade. Sua desigualdade não é sua culpa, eles não são responsáveis por isso e não merecem estar nessa posição. O apelo emocional do igualitarismo está em reconhecer a situação dessas pessoas e propor maneiras de ajudá-las. Então, aproveitando-se da compaixão de pessoas decentes, igualitários acusam sua sociedade de ignorar injustamente o sofrimento de vítimas inocentes.

Aqueles que não têm culpa por seu sofrimento devem ser ajudados

O que deve ser dito em resposta a essa acusação frequentemente ouvida é que qualquer um comprometido com a justiça vai querer que as pessoas tenham o que elas merecem e não que tenham o que não merecem. Vítimas inocentes não merecem sofrer, no entanto sofrem. Uma sociedade decente deve fazer o que puder para atenuar seu sofrimento. Mas isso não tem nada a ver com igualdade. O que é questionável não é que algumas pessoas tenham menos que outras, que milionários tenham menos que bilionários. O que é questionável é que algumas pessoas, não por culpa própria, careçam de necessidades básicas. Eles são nossos concidadãos e, por isso, devemos sentir compaixão por sua situação.

Ademais, a situação de vítimas inocentes carentes de suas necessidades básicas não é ignorada. Ao contrário, eles são ajudados por seus concidadãos contribuintes. Uma família com uma receita anual de $100,000 (estando na faixa de 25% do imposto federal e dependendo das deduções feitas) provavelmente pagaria ao menos $25,000 em impostos federais, estaduais, prediais e escolares. Cerca de 62% do orçamento federal é gasto em benefícios obrigatórios, sendo os principais Medicaid, Previdência Social, Medicare e vários programas de assistência social. Aplicando essa porcentagem ao nível familiar, podemos dizer que cerca de 62% dos impostos anuais da família, ou aproximadamente $15,000, são gastos nesses programas. Assim, ele envia mais de 15% de sua renda anual ao governo, inclusive para ajudar as vítimas inocentes. Isso deveria absolver a família da acusação de ignorar vergonhosamente a situação de seus concidadãos que os igualitaristas lançam contra eles sem fundamento.

No entanto, a implacável propaganda igualitária avidamente propagada pela mídia nos faria acreditar que nossa sociedade é culpada por condenar as pessoas a uma vida de pobreza. O que é ignorado é o sucesso sem precedentes de nossa sociedade em ter 13,5% da população vivendo abaixo de um nível de pobreza muito generosamente definido e 86,5% acima dele. A proporção típica nas sociedades passadas era mais próxima do inverso. É motivo de celebração, não de condenação, que pela primeira vez na história um segmento muito grande da população tenha escapado da pobreza. Se os igualitários tivessem uma perspectiva histórica adequada, seriam a favor do sistema político e econômico que tornou isso possível, em vez de defender políticas absurdas que o minam.

Imagem: Erin Wilson/Wikimedia Commons

Sobre o autor

John Kekes

John Kekes é autor de vários livros, incluindo The Examined Life (Penn State University Press, 1988), The Morality of Pluralism (Princeton University Press, 1996), Moral Wisdom and Good Lives (Cornell University Press, 1997), The Roots of Evil (Cornell University Press, 2007), Enjoyment (Oxford University Press, 2009), The Human Condition (Oxford University Press 2010), Human Predicaments (University of Chicago Press, 2016) e de mais de 150 artigos.