Ele caiu nu no meio do deserto. Sem entender muito bem o que estava acontecendo, esfregou os olhos e viu areia por todos os lados. O sol estava forte, mas não escaldante e insuportável. Gritar parecia inútil. O som intenso do vento batia contra suas orelhas e um pouco de areia entrava em seus olhos. Confuso, começou a caminhar tateante.
A areia era grossa e brilhante, suas vistas ardiam com o reflexo do sol. Com alguma dificuldade, percebeu que uma luz ainda mais ofuscante, que vinha do chão, o incomodava. Percebeu, então, que um objeto retangular de metal reluzia, parcialmente coberto de areia. O reflexo mais acentuado vinha do desenho de uma maçã localizada no centro do objeto. A maçã era prata e cintilava com a luz do sol. Seu brilho convidou o transeunte a abaixar e pegar com as mãos o objeto sobre o chão.
Agachou-se e pegou. Ainda sem entender muito bem, percebeu que o objeto se encaixava perfeitamente na palma de sua mão. Parecia ter sido feito sob medida. Com cuidado, manuseou-o e retirou-lhe os grãos de areia. Era uma textura agradável e, por estar escondido, ainda estava confortavelmente gelado como a areia das camadas mais profundas do deserto.
Ainda manuseando o objeto, percebeu que sua outra face era inteiramente escura. Olhando com atenção, percebeu seu próprio rosto, desgastado pelo tempo, com a barba já cobrindo os lábios e com muita areia. Surpreendentemente, uma frase apareceu no objeto: “Face ID detected”.
Então, a face escura do objeto revelou-se uma paleta de cores vívidas e convidativas. O homem percebeu que seus dedos tinham o poder de fazer aquelas cores se moverem. Além das tonalidades vívidas de fundo, pequenos quadrados se destacavam, e em cada um deles predominava uma cor: um azul claro, um azul escuro, um rosa e um preto.
Impressionado com o movimentar dos dedos e das cores, resvalou sobre um desses quadrados. Um pássaro branco de formato arredondado apareceu sobre um imenso fundo azul claro. O homem, então, olhou para o céu e viu uma nuvem em formato de pássaro sobre sua cabeça. Percebeu que o objeto de metal tinha o poder de espelhar toda a imensidão azul acima dele.
Alguns pequenos blocos com palavras, uma abaixo da outra, apareceram no objeto. O homem reconheceu cada termo. Percebeu que as palavras davam origem a novos blocos, desta vez com frases. O homem reconheceu as frases. Ele ficou impressionado com as palavras e as frases.
Seguiu caminhando no deserto e manipulando o objeto. Dava pouca ou nenhuma atenção ao que estava ao seu redor. O objeto prendia sua atenção. De repente, assustou-se. Ao tentar decifrar os termos de uma frase, o objeto pareceu criar vida em suas mãos. Produziu um som e uma vibração que deixaram o homem atônito. Uma esfera vermelha apareceu no lugar de uma palavra, ele sentiu vergonha e viu que o que havia feito, não era bom.
O homem guardou com cuidado aquela palavra, percebeu que talvez, o objeto não gostasse dela. Decidiu tomar cuidado para que com seu manuseio, ainda desequilibrado, não ousasse esbarrar novamente na junção daquelas letras.
A noite foi chegando e o homem sentia frio. Estava cansado. Cavou um buraco redondo, com suas próprias mãos, que pudesse acolhê-lo junto ao objeto durante seu sono. Não sabia por que fazia aquilo, mas o fez. Enquanto usava as mãos para cavar, deixou o objeto no chão. Fez questão de deixar a parte da maçã voltada para o céu, tal como o havia encontrado. Foi a primeira vez que o objeto saiu de suas mãos desde que o havia encontrado. Teve medo, ele parecia precioso demais para deixar de ter contato com seu próprio corpo. Cavou seu buraco, mas com seu olhar permanente na maçã que, agora, reluzia suave e sedutora com a luz da lua.
O homem, então, entrou no buraco e encurvou-se, juntando os joelhos próximo ao rosto. Colocou o objeto na frente do seu peito e ali adormeceu.
Naquela noite, ele teve um sonho. O homem sonhou que seu objeto havia reagido com som, vibração e a bola vermelha a novas palavras. E ele guardou cada uma delas com cuidado, para não repetir aquilo.
Ainda no sonho, ele estava com fome e sede, e, como confiou no objeto, apontou a maçã para o sol para que ela indicasse um caminho para que pudesse encontrar comida e água.
A maçã mostrou a direção, ele seguiu e caminhou. Durante o percurso, seguia manipulando e observando o objeto. Entendeu que ele poderia deixar de ajudá-lo caso o deixasse irritado, escolhendo outras palavras erradas. Entendeu que, para conseguir água e comida, deveria escolher as palavras e frases certas.
O fim do dia se aproximava em seu sonho e o sol começava a nascer no leito em que o homem repousava. Próximo ao pôr do sol, viu um vulto do que pareciam ser árvores. Seu desejo parecia ter sido concedido. Ele compreendeu o objeto. A maçã, as palavras proibidas, a luz do sol. O objeto, agora, era sagrado e poderia guiar seus novos passos.
O sol bateu em seu rosto e o homem acordou. Seu objeto estava ali, bem perto de seu coração, a maçã reluzia e ele seguiu naquela direção.
Imagem: colagem com fotos de Nepenthes/Wikimedia Commons e divulgação