Revista Laboratório Temática 5 – Diálogos da Diáspora - Racismo e Antissemitismo

Projeto de nação do fascismo brasileiro a partir da construção estética: uma leitura a partir de Roberto Alvim

Introdução

Em janeiro de 2019, o Ministério da Cultura foi rebaixado à Secretaria Especial de Cultura. Isso significa que, nas palavras de Ricardo Moreira em uma entrevista concedida ao Brasil de Fato[1], “é uma sinalização de que o Governo dará uma menor importância à pasta”. Essa falta de importância impacta no decréscimo de verba, no desenvolvimento de Políticas Públicas e no poder de barganha do chefe da pasta.[2]

Em novembro do mesmo ano, o dramaturgo Roberto Alvim assume a pasta. Alvim ficaria conhecido meses mais tarde como o secretário que, durante seu pronunciamento, parafraseou Joseph Goebbels. O que talvez tenha sido pouco abordado é que, uma semana antes da propaganda oficial que levaria sua demissão, Roberto Alvim concedeu uma entrevista à TV Brasil, onde já trazia elementos do seu discurso em suas respostas. A não menção desta entrevista se dá, provavelmente, pela pouca audiência do programa, em comparação a uma propaganda oficial do Governo[3].

Durante toda a entrevista, que tem uma duração de 28 minutos, são frequentes as menções de alguns pontos que se repetirão em seu discurso oficial na semana seguinte: a retomada de uma história da arte, na construção de um nacionalismo nas artes, no conservadorismo e na busca de um ideal clássico. Esses elementos que, segundo o próprio, culminaram na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, seriam usadas como base para a “invenção de políticas públicas culturais” (Alvim, 2020a)

“A arte e a cultura não podem ficar alheias a todas as transformações que têm acontecido no Brasil, no campo da política, no campo da intelectualidade. Então como dar vasão aos anseios mais profundos do povo brasileiro, que se traduziram na eleição do Presidente Jair Bolsonaro, como fazê-lo no campo de políticas públicas estruturantes para a arte e para cultura?” (Alvim, 2020a)

Alvim transfere para o campo da cultura, a mesma gramática ideológica bolsonarista. É o outro – no caso a esquerda – que corrompe não apenas a família, os valores sociais e a economia. Ela também é responsável pela degeneração das artes e causar “traumas em gerações inteiras” (Alvim, 2020a). Seria então o papel da direita “devolver a obra de arte para o lugar da obra de arte” (Alvim, 2020a).

O que viria a seguir, na propaganda oficial, seria o início da materialização da “construção de uma nova e pujante civilização brasileira” (Alvim, 2020b). Essa construção tem como referência noções de cultura que diz mais sobre os colonizadores do que a própria nação brasileira. É a partir do que foi observado na propaganda de Alvim, do uso da cultura como uma ferramenta de guerra, tal qual foi utilizado há pouco menos de um século atrás.

Justificativa

Logo após a repercussão negativa do seu pronunciamento, Roberto Alvim inicialmente se defendeu dizendo que foi apenas uma “coincidência retórica”. Segundo o ex-secretário, em uma entrevista concedida ao Estadão (2020c), “seria um absurdo essa associação da escolha textual e sonora[4], com o nazismo”.

Mas, diferente do que Alvim prega, as semelhanças de seu discurso com o que foi feito na época de Goebbels não se resumem à ópera de Wagner e de “semelhanças retóricas” do discurso. A fotografia também foi baseada em uma aparição do Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista.

Um ano após o seu discurso, Alvim assume o erro do seu discurso em uma entrevista concedida à Mônica Bergamo, replicada no Poder 360. Segundo Alvim (2021)

Não tenho medo de afirmar que cometi poucos erros em minha vida. Artisticamente, nenhum… Mas meu maior erro, sem nenhuma dúvida, foi esse maldito discurso. Obviamente não sou nazista e sempre nutri repugnância radical por essa ideologia totalitária e assassina… Reitero que ignorava a origem nefasta da frase, e que se soubesse, jamais a teria pronunciado.

Não é possível fundamentar teoricamente o ocorrido, sem pensar no que foi escrito por Benjamin (2012) em seu texto “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”.

Desde a invenção da fotografia surge, segundo o autor, a noção da “arte pura, que rejeita não só qualquer função social, mas também qualquer determinação por meio de um assunto objetivo” (BENJAMIN, 2012, p. 33). É a partir desse novo aparato técnico que permite a reprodutibilidade, se afastando da autenticidade e da função social da arte. Dessa forma, como propõe Benjamin, “no lugar de se fundar no ritual, ela passa a se fundar em uma outra práxis: na política”.

Em suas aparições, Alvim menciona que as políticas públicas culturais serão pautadas a partir dos anseios que resultaram na eleição de Jair Bolsonaro, da mesma forma que o então presidente deu voz a uma parcela da sociedade. Dessa forma, a pasta da Cultura seria aparelhada, tal qual ocorreu na Alemanha de 1930, com a finalidade no qual Benjamin define a finalidade da estetização política, que é a guerra.

O fascismo procura organizar as massas proletarizadas recém surgidas sem tocar nas relações de propriedade, por cuja abolição elas pressionam. Ele vê sua salvação em deixar as massas alcançarem a sua expressão (de modo algum seu direito). As massas possuem um direito à mudança das relações de propriedade; o fascismo busca dar-lhe uma expressão conservando essas relações. O fascismo resulta, consequentemente, em uma estetização da vida política. (BENJAMIN, 2012, P.117)

A guerra com um inimigo imaginário e a construção de uma sociedade pautada em valores opostos aos direitos conquistados desde a redemocratização foi o que pautou toda a campanha e gestão de Bolsonaro. Dessa forma, é necessário colocar um olhar a respeito da performance e discurso de Alvim durante seus dois meses de gestão.

Considerações

Como menciona Vieira Britto (2018), a América Latina passou, nos últimos anos, um processo de fascistização de modo que não fosse explicitamente percebido como tal. Foram diversos fatores que possibilitaram a ascensão e a eleição de Bolsonaro, e a demora da percepção de que estávamos enfrentando realmente um governo fascista.

A construção estética tem um papel essencial para o debate, e que não pode ser colocada de forma à parte das análises. E se tratando de estética, nada mais propício do que colocar luz em uma pasta fundamental para a formação de uma sociedade.

Para isso, é necessário fundamentar as questões estéticas do fascismo, paralelamente com as noções de cultura.

Referências

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Época de Sua Reprodutibilidade Técnica. Porto Alegre: Zouk, 2012.

BBC. Após referência a Goebbels, secretário de Cultura Roberto Alvim diz que semelhança com discurso nazista foi “coincidência retórica”. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51149261>. Acesso em: 24 ago. 2020.

BRASIL DE FATO. “Volta do ministério da Cultura é ponto de partida para próxima gestão”, diz cientista político. 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/06/27/volta-do-ministerio-da-cultura-e-ponto-de-partida-para-proxima-gestao-diz-cientista-politico#:~:text=Brasil%20de%20Fato%3A%20Em%20janeiro,agora%20ao%20minist%C3%A9rio%20do%20Turismo.>. Acesso em: 25 set. 2023.

G1. ‘Coincidência retórica’, diz secretário de Cultura sobre discurso semelhante ao de ministro de Hitler Roberto Alvim e Joseph Goebbels falaram em arte nacional “heroica” e “imperativa”. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/17/coincidencia-retorica-diz-secretario-de-cultura-sobre-discurso-semelhante-ao-de-ministro-de-hitler.ghtml>. Acesso em: 25 set. 2023.

PODER 360. Um ano após demissão, Alvim diz que discurso nazista foi “engano terrível”. 2021. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/brasil/um-ano-apos-demissao-alvim-diz-que-discurso-nazista-foi-engano-terrivel/>. Acesso em: 21 set. 2023.

Roberto Alvim apresenta políticas públicas para a cultura. In: [s.l.: s.n.], 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1i_jqgZwpIM>. Acesso em: 21 set. 2023.

Roberto Alvim “assina embaixo” frase de nazista. In: [s.l.: s.n.], 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=AEeFlIr0d7I>. Acesso em: 21 set. 2023.

Secretário da Cultura, Roberto Alvim cita ministro nazista em pronunciamento. In: [s.l.: s.n.], 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=3lycKFW6ZHQ&t=320s>. Acesso em: 21 set. 2023.

VIEIRA BRITTO, Felipe. Estética e fascismo: sobre a formação dos golpes na América Latina. Revista Ensaios, p. 46–75, 2019.

Notas

[1] BRASIL DE FATO. “Volta do ministério da Cultura é ponto de partida para próxima gestão”, diz cientista político. 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/06/27/volta-do-ministerio-da-cultura-e-ponto-de-partida-para-proxima-gestao-diz-cientista-politico#:~:text=Brasil%20de%20Fato%3A%20Em%20janeiro,agora%20ao%20minist%C3%A9rio%20do%20Turismo.>. Acesso em: 25 set. 2023.

[2]Vale lembrar que, durante a primeira pergunta feita no programa, a respeito da transição da Secretaria da Pasta do Ministério da Cidadania para o Ministério do Turismo, Alvim afirma que, apesar da “mudança de nome”, a Secretaria Especial de Cultura operaria com a mesma estrutura de um Ministério – o que poderia ser um primeiro sinal de incoerência, já que com menos recursos, como seria mantida essa estrutura a longo prazo?

[3] Desconsiderando a audiência televisiva tanto da entrevista, quanto da propaganda, a entrevista publicada no canal da TV Brasil, conta até o momento (25 de setembro de 2023) com 6998 visualizações. A propaganda de Alvim, publicada pelo portal Poder 360 conta, na mesma data, com 635.413 visualizações. Os dois vídeos foram publicados com uma diferença de uma semana.

[4] A música de fundo escolhida para a propaganda oficial foi “Parsifal”, última ópera de Richard Wagner. A escolha partiu do próprio Alvim, com a justificativa de ser uma obra transcendente. A partir disso, pode-se voltar à ideia mencionada na introdução de que o projeto cultural proposto por Alvim, tinha mais a ver com uma noção eurocêntrica do que nacional. Não haveria uma ópera nacional, por exemplo, que causasse o mesmo impacto? Levando em consideração que uma das categorias artísticas que seriam premiadas no edital lançado por ele era ópera?

Sobre o autor

Hannytta Medici

Hannytta Medici é tecnóloga em Fotografia e bacharel em Cinema e Audiovisual pela UNIMEP. É pós graduanda em Gestão Cultural: Cultura, desenvolvimento e Mercado pelo Senac, mestranda em comunicação na UNESP. Pesquisadora dos Grupos Judaísmo Contemporâneo, Diálogos da Diáspora e Cinema, Filosofia e Religião, do Labô.