
Os dados recentes sobre a geração atual de jovens e adolescentes são alarmantes. Estes, conhecidos como a geração que já nasceu com um smartphone em mãos, têm acesso ilimitado a informações e facilidades tecnológicas, como aplicativos de delivery, mas carregam também o peso de serem rotulados como a “geração nem-nem” — nem estudam, nem trabalham. Essa geração ansiosa, imatura e desprovida de habilidades sociais e emocionais, parece carecer de uma “vontade de ir para a vida”.
Jonathan Haidt, psicólogo social norte-americano, descreve que a maioria dos pais com quem conversa não se concentra em um transtorno mental diagnóstico. Ele diz que “O que há é uma preocupação constante de que o que está acontecendo não é natural, e os filhos estão perdendo alguma coisa – na verdade, quase tudo – por causa das intermináveis horas que passam na internet.” (HAIDT, 2024, p.31).
Logo, no primeiro capítulo de seu livro intitulado A Geração Ansiosa (2024), o psicólogo social aborda sobre o que ele chama de ‘O aumento repentino do sofrimento’. De acordo com dados e pesquisas mais recentes, a partir dos anos 2000 e, mais especificamente, entre 2010 e 2015, década em que o autor reconhece ter ocorrido a “Grande Reconfiguração da Infância”, houve também um crescimento mundial nos índices de distúrbios e transtornos mentais. Um dos principais questionamentos do psicólogo Haidt se resume no porquê houve um aumento internacional sincronizado nos índices de ansiedade e depressão entre adolescentes. E a sua principal crítica se baseia numa infância que não mais se caracteriza pelo brincar livre, mas pelo uso excessivo do celular.
Em nome de uma suposta “segurança máxima”, incentivou-se o brincar em ambientes cada vez mais internos e fechados, impulsionando assim, inclusive, o crescimento tecnológico e a recorrência de atividades mais virtuais, em detrimento do brincar livre, justificado também pelos índices crescentes de insegurança social, impacto da violência e criminalidade, entre diversas outras questões históricas e sociológicas, observa-se a ascensão de influencers, padrões estéticos, inseguranças socioemocionais e uma privação cada vez maior de experiências reais e autênticas.
Jean M. Twenge (2017), em seu livro iGen, destaca que os jovens de hoje estão levando mais tempo para amadurecer, o que reflete em uma relação cada vez mais problemática com a vida adulta. Estudos apontam que há um declínio no interesse pelos estudos acadêmicos, no desempenho profissional e na criatividade em campos como música, arte e literatura. Não apenas estão despreparados para os desafios cotidianos, mas também vivem desconectados de experiências fundamentais para o desenvolvimento humano.
O termo “brain rot” (mentes podres), utilizado por Henry David Thoreau em 1854, voltou à tona em 2024, sendo amplamente noticiada como uma das expressões mais procuradas segundo o Dicionário Oxford. Esse renascimento se relaciona à preocupação global com o impacto de conteúdos digitais de baixa qualidade na formação intelectual e emocional dos jovens.
Para Jonathan Haidt (2024), as raízes do problema estão em uma infância marcada pelo uso excessivo do celular e pela falta de interação com o mundo físico. A vida nas plataformas tem forçado os jovens a gerenciar sua própria marca, levando em conta as consequências sociais de cada foto, vídeo, comentário ou emoji. Com isso, o psicólogo afirma que cada ação pública tem exigido, em certo grau, características estratégicas. E, de acordo com as últimas pesquisas levantadas, uma das principais consequências desse modus operandi tem sido o aumento nos índices de ansiedade e depressão, especialmente entre a geração mais jovem.
Byung-Chul Han (2017), em Sociedade do Cansaço, também identifica a era contemporânea como marcada por doenças neuronais — como depressão, transtorno de déficit de atenção e síndrome de burnout. Ele argumenta que o excesso de estímulos digitais fragmenta a atenção e impede o desenvolvimento de uma relação saudável com o outro e consigo mesmo. Logo, Han descreve o século XXI como uma época desprovida de imunidade contra as mais variadas faltas e excessos essenciais para um desenvolvimento humano saudável.
Hugo Monteiro Ferreira (2023), psicólogo e pesquisador brasileiro, descreve os jovens contemporâneos como uma geração hiperconectada, mas emocionalmente desconectada. Segundo Ferreira, a geração mais nova recorre a práticas extremas de expressão, como automutilação, piercings, e alterações corporais, em uma tentativa de preencher um vazio emocional. Tais comportamentos refletem a dificuldade de encontrar sentido em uma sociedade cada vez mais fragmentada.
Assim, a falta de um ambiente confiável, onde o sujeito pode pensar e agir por si mesmo, e a ausência de espaços transicionais, definido por Winnicott como a criação de um espaço potencial entre objetos subjetivos e objetos objetivamente percebidos, pode ser um dos principais fatores de impacto na crise do amadurecimento observada em nossa sociedade.
Com base na teoria winnicottiana, é necessário que, em um processo de amadurecimento humano, a realidade objetiva seja apresentada em pequenas doses, para favorecer o acontecimento da experiência no espaço transicional, uma mudança pessoal e gradual no amadurecimento da criança, algo que a possibilita sair de uma posição de apenas relacionar-se subjetivamente com os objetos (o seu ambiente), para percebê-los como parte de uma realidade compartilhada com outras pessoas, desenvolvendo a capacidade de relacionar-se de forma ativa, confiante e responsável, ao contrário de simplesmente se submeter ao ambiente e seus diversos atravessamentos.
Como já afirmado por Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando Pessoa (1999), em determinado momento de sua prosa no “Livro do Desassossego”:
“A experiência direta é o subterfúgio, ou o esconderijo, daqueles que são desprovidos de imaginação. Os homens de ação são os escravos dos homens de entendimento. As coisas não valem senão na interpretação delas. Uns, pois, criam coisas para que os outros, transmudando-as em significação, as tornem vidas. Narrar é criar, pois viver é apenas ser vivido.” (PESSOA, 1999, p. 62)
O amadurecimento emocional depende de um ambiente que forneça o suporte necessário para que o indivíduo realmente possa vivenciar, a seu modo, assim como integrar, experiências de maneira saudável. Quando há falhas nesse ambiente, os jovens ficam presos em uma busca incessante pelo “não vivido” — aquilo que deveria ter sido experienciado, mas não foi. Isso gera uma compulsão à repetição que, segundo Fulgêncio (2011), não é uma mera repetição do trauma, mas uma tentativa de regressão para integrar o que ficou congelado no passado.
Essa falha no ambiente está intimamente ligada à incapacidade da geração atual de se conectar profundamente consigo mesma e com os outros. Jean Twenge (2017) levanta uma questão instigante em iGen: do que os jovens de hoje irão se lembrar? Mensagens de texto engraçadas? Selfies? Ou das raras vezes em que estiveram realmente presentes com seus amigos? Para muitos, as experiências significativas que constroem a memória e a identidade estão se perdendo em um mar de distrações digitais. E imersos na hiperconectividade e hiperatividade, em meio a um sistema multitelas e multitarefas, grande parte da sociedade parece não mais perceber a vida em si mesma, como ela realmente é, e nem mesmo a si mesmos em sua existência.
Como Han afirma, é na experiência, em sua relação pessoal e criativa com a realidade a sua volta, que o encontro com o outro é possibilitado e “eu não só vejo simplesmente o outro, mas eu próprio sou o outro” (HAN, 2017, p. 72).
De fato, para Winnicott, o estar-vivo vai além do processo puramente biológico que ocorre a partir do nascimento de um ser humano. Como reafirmado por Elsa Dias (1998), desde o absoluto início, o problema fundamental do homem consiste em sua condição existencial, em chegar a existir e Ser; o existir, o estar-vivo, não é algo dado, mas uma conquista que diz respeito ao seu amadurecimento emocional, decorrente de uma provisão ambiental suficientemente boa ou não para tal desenvolvimento.
O estar-vivo diz sobre o sentimento de si-mesmo, de ser e verdadeiramente existir num mundo real e, então, ser capaz de desejar e relacionar-se em uma realidade compartilhada. Isto posto, podemos afirmar que este processo de amadurecimento só poderá ser retomado quando o indivíduo encontrar um ambiente que permita a integração das experiências traumáticas ou não vividas. O processo terapêutico, nesse contexto, não é uma aplicação direta de um tratamento, mas a facilitação do crescimento a partir do self genuíno do indivíduo.
A questão central para a geração ansiosa não é apenas tecnológica, mas existencial. Logo, é necessário resgatar o espaço transicional descrito por Winnicott, onde o indivíduo pode experimentar o mundo de forma autêntica e criativa. Para isso, é fundamental um ambiente que valorize as relações humanas, a introspecção e o sentido de comunidade. Pois, como observa Haidt (2024), a privação da experiência está nos afastando daquilo que nos torna humanos — a capacidade de estar conscientemente presente no momento e ser espontâneos ao sentir, vivenciar e se conectar.
Referências
DIAS, Elsa. A teoria das psicoses em Winnicott. 1. ed. Porto: Porto Editora, 1998.
SERRALHA, Conceição Aparecida. Estilo da Clínica. São Paulo: Editora Unesp, 2019.
FERREIRA, H. M. A geração do quarto. São Paulo: Editora XYZ, 2023.
FULGENCIO, L. Compulsão à repetição no contexto analítico para Winnicott. Revista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, v. 45, n. 2, p. 156-176, 2011.
HAN, B.-C. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.
HAIDT, J. A geração ansiosa. São Paulo: Editora XYZ, 2024.
PESSOA, Fernando. Livro do desassossego. Edição revista e ampliada. Tradução de Richard Zenith. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1999.
TWENGE, J. M. iGen. New York: Atria Books, 2017.
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