Em tempos de pandemia, agitação política, redes sociais e fake news, refletir como a geração atual tem respondido às intensas mudanças no cenário contemporâneo é imprescindível. O mundo moderno se tornou confuso e saturado de informações, e ao invés de certezas e convicções supostamente trazidas pelo avanço científico, o contexto que presenciamos é de dúvidas e inseguranças. A presente reflexão se propõe a entender as características que frequentemente vêm à tona nas discussões atuais e é dividida em três tópicos: a apatia política de parte dos jovens, a polarização política nos discursos online e o individualismo marcante nas pautas apoiadas por essa geração.
1 – A apatia política e a geração I
Jean M. Twenge, em seu livro “iGen”, aponta para as modificações dos pensamentos da geração I sobre assuntos de diversas ordens. Assim como a geração anterior, é uma característica comum que os centennials (nascidos entre 1995 e 2007) evitem instituições como religião e casamento. Além disso, eles têm se apresentado cada vez mais desinteressados em relação à política tradicional. Alguns estudos sobre os padrões de engajamento político da juventude indicam duas grandes tendências: baixo engajamento institucional e afinidade dos jovens com novas formas de participação política (BARROS, 2018). Ambos os aspectos são explanados no livro de Twenge.
Como explicado pela autora, os centennials são mais propensos a achar que nada realmente adianta, então é inútil se envolver. É uma geração aparentemente indiferente, desligada, insatisfeita e desconfiada do processo político, além de menos interessada no governo do que as gerações anteriores. E embora não se interessem pelo governo – talvez por desconfiarem muito – os centennials se interessam mais por problemas sociais do que os millennials iniciais, ou seja, eles demonstram mais interesse pelo que está acontecendo no mundo do que pelo que acontece cotidianamente no governo local.
A autora aponta que, nos Estados Unidos, a falta de confiança no governo é evidenciada por um número crescente de millennials e centennials que afirmam não se identificar com os partidos políticos dominantes, o que indica o crescimento dos independentes como um efeito geracional pontual. No Brasil, a realidade parece não ser diferente, dados os números apresentados por pesquisa do TSE: 2018 foi o ano com menor participação de adolescentes, com 16 ou 17 anos, nas eleições presidenciais desde 2002, o que pode refletir a insatisfação desses jovens, bem como a falta de identificação com os partidos e candidatos (COSTA e MORENO, 2018). Barros (2018) afirma que a abstenção decorrente da apatia política não necessariamente demonstra desinteresse, mas pode ser uma demonstração de recusa por parte dos jovens. Twenge explica que a tendência em prol da independência política pode ser uma consequência do individualismo e da relutância dos centennials em aderir a grupos e seguir suas regras. Como reflexo dos tempos atuais, a geração I acredita que a mudança será feita por indivíduos, não pelo governo, o que talvez explique a menor propensão deles a alguma atuação política.
Em relação à influência da internet sobre o cenário político, alguns autores defendem que ela pode ser pensada a partir de um modelo de círculo vicioso, ou seja, a internet teria um caráter reforçador, tornando as pessoas engajadas mais engajadas, e as não engajadas, menos engajadas (HANSEN e FERREIRA, 2018). Em linhas gerais, apesar de ser um espaço público de contestação, debates e formação de opinião, a internet também pode funcionar como um espaço de comodismo e falta de efetividade prática (DIAS, DOULA e CARDOSO, 2017).
2 – A polarização política na era da internet
Contrastando com a apatia política, algumas crenças fortes da iGen espelham uma certa polarização que tem surgido entre aqueles “politicamente engajados”. Twenge alude ao declínio do contingente moderado nos Estados Unidos, já que um número cada vez menor de estudantes do ensino médio e universitários concorda com visões políticas moderadas. O meio-termo parece não ser uma tendência para essa geração e, ironicamente, mais jovens demonstram visões políticas fortes (especialmente online), mesmo que eles estejam menos interessados em se manter bem informados ou em participar ativamente da vida política.
Tanto a apatia como a polarização política parecem ter a mesma raiz: a internet. Conforme os meios de comunicação de massa foram se desenvolvendo, passaram a ser utilizados como instrumentos para compreender o mundo e, ao longo das últimas décadas, se tornaram centrais na luta pela redefinição de valores democráticos em alguns contextos. O aumento do uso da internet nos últimos anos trouxe modificações à vida social e política das sociedades contemporâneas (HANSEN e FERREIRA, 2018). Até pouco tempo atrás, o Brasil se encontrava dentro de uma aparente apatia política, em que havia pouco interesse e os partidos trabalhavam próximos a um centrismo ideológico. Após as manifestações de 2013, uma dicotomia política começou a surgir e diferenças ideológicas rapidamente começaram a transparecer, principalmente nos discursos online. A tendência seguida foi de uma radicalização dos extremos e uma polarização cada vez maior (CHAIA e BRUGNAGO, 2014).
A cultura online favorece isso, porque os usuários se mantêm confinados em um casulo pessoal de indivíduos que pensam da mesma forma, reforçando ainda mais suas visões e resultando em mais polarização no macroambiente. A informação passou a ser posse de todos na internet e o amplo uso das redes sociais trouxe a possibilidade de se expressar, algumas vezes, sem nenhum tipo de filtro, dando às pessoas o poder de opinar sobre qualquer coisa. As notícias então são esvaziadas, pois precisam ser rápidas, e as pessoas as filtram ideologicamente (CHAIA e BRUGNAGO, 2014). Com a ação política deslocada para o mundo virtual, as pessoas deixam sua agressividade exposta somente virtualmente e escondida do mundo das relações pessoais. Se alguém se torna inconveniente com pontos de vista discordantes, a ferramenta apresenta a opção de não ouvir mais aquele usuário e o debate vai naturalmente se esvaziando e se distanciando. A distância entre os que são ideologicamente diferentes cria a impressão de “câmaras de eco”, que podem estar alimentando a polarização política online.
3 – Individualismo e independência
Curiosamente, a polarização dos centennials parece não estar relacionada somente com “esquerda ou direita” no cenário político. Apesar de discutirem online e se posicionarem sobre todos os assuntos, eles também são influenciados pelo individualismo atual. A iGen é uma geração com um vasto espectro de comportamentos. Eles são mais tolerantes à maconha; por acharem que o governo não deve interferir em decisões pessoais, tendem a apoiar a legalização do aborto; além disso, questionam a utilidade da pena de morte. Embora apoiem muitas ideias ditas de esquerda, eles também são mais propensos a se opor ao controle de armas (o que, em geral, é um posicionamento conservador); e apesar da ideia comum de que eles são extremamente preocupados com a questão do meio ambiente, na realidade, eles são menos propensos a concordar que o governo deveria impor mais regulações ambientais, tendo mais propensão a achar que é uma obrigação dos indivíduos.
Ambas essas facetas, voltadas para políticas de esquerda e de direita, coexistem em uma vertente libertária, com o indivíduo em primeiro lugar, se opondo à regulação governamental e apoiando direitos iguais para todos. Esse tem se tornado um posicionamento cada vez mais comum entre os jovens da geração I em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Aqui, é importante fazer uma diferenciação conceitual: nos Estados Unidos, “liberalismo” é frequentemente associado ao liberalismo social – em que há ideias combinadas de liberdades civis e igualdade, e equivale a ser de esquerda; no Brasil, o liberal é associado à direita e tem uma conotação similar à europeia, de Estado Mínimo. Mas em ambos os países, o movimento libertário enfoca a liberdade dos indivíduos sem interferência do governo, pensamento cada vez mais comum nos EUA, como cita Twenge, e em crescimento no Brasil (SPERANDIO, 2019).
Isso faz todo sentido, já que a iGen se caracteriza pela mentalidade individualista, e o libertarismo é o que há de mais próximo disso na arena política. Os liberais, segundo a perspectiva americana, tendem a ser individualistas em relação a igualdade de direitos, mas coletivistas em relação a programas sociais. Os conservadores são individualistas em relação a programas sociais, porém coletivistas em relação a direitos iguais. Mas os libertários são individualistas em ambas as esferas. Baseados nisso, parece que os tipos de candidato que agradam à geração I são justamente aqueles independentes, cuja autenticidade está de acordo com o princípio fundamental de “ser você mesmo” e que não mudam suas visões por causa dos outros, já que os centennials tendem a considerar os políticos tradicionais desonestos. Tomando-se como exemplo a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, ou o apoio a Bernie Sanders, ambos vistos como personalidades sem amarras, que se recusam a prestar reverência aos figurões da política convencional.
Conclusão
É possível concluir, então, que mesmo os centennials não se identificando com partidos políticos e sendo desinteressados em relação ao governo em geral, eles não deixam de se posicionar ideologicamente a respeito dos assuntos que estão em voga. A tendência é que o desinteresse dessa geração pela maneira tradicional de atuar na vida política e a mentalidade individualista façam com que esses jovens não se identifiquem com o sistema vigente, passando a adotar visões ideológicas a favor da liberdade e do individualismo. Por se preocuparem com problemas sociais, mas não estarem interessados na ação política tradicional e na participação ativa nesse contexto, a iGen procura novas maneiras de agir em prol da mudança social, através de ativismo online, difundindo novos assuntos e debates. O cuidado desejado é que todos esses jovens com acesso à internet, bombardeados constantemente por inúmeras informações e, muitas vezes, retidos em uma câmera de eco que reproduz o individualismo exacerbado muito comum nas relações modernas, não se deixem levar por uma vida somente virtual.
Referências
BARROS, A. T. Juventude e poder político local: a percepção e o discurso de jovens sobre as eleições municipais de 2016. Soc. estado., Brasília, v. 33, n. 3, p. 849-886, dez. 2018.
COSTA, F.; MORENO, A. C. Nº de eleitores jovens cai por desilusão com política e falta de identificação com os partidos, avaliam especialistas. G1. Brasília, 16 ago. 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/08/16/no-de-eleitores-jovens-cai-por-desilusao-com-politica-e-falta-de-identificacao-com-os-partidos-avaliam-especialistas.ghtml>. Acesso em 21 abr. 2020.
DIAS, D. L.; DOULA, S. M.; CARDOSO, P. O. Participação política nas redes sociais: um estudo entre jovens universitários. Revista Sociais e Humanas, [S.l.], v. 30, n. 1, jun. 2017.
HANSEN, J. R.; FERREIRA, M. A. S. Da polarização à busca pelo equilíbrio: as relações entre internet e participação política. Revista Eletrônica de Ciência Política, [S.l.], v. 9, n. 1, apr. 2018.
CHAIA, V. L. M.; BRUGNAGO, F. A nova polarização política nas eleições de 2014: Radicalização ideológica da direita no mundo contemporâneo do Facebook. Aurora. Revista de Arte, Mídia e Política, [S.l.], v. 7, n. 21, p. 99-129, dez. 2014.
SPERANDIO, L. Millennials brasileiros rejeitam o socialismo e abraçam o liberalismo. Gazeta do Povo. 11 nov. 2019. Disponível em: < https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/millennials-socialismo-liberalismo/ >. Acesso em: 22 abr. 2020.
TWENGE, J. M. iGen – por que as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a idade adulta? Tradução de Thais Costa. 1 ed. São Paulo: nVersos, 2018.
Imagem: Heraldo Galan