Teologia Cristã e Religião Contemporânea

A teologia da libertação de Rubem Alves

Rubem Alves

Uma nova linguagem teológica

(…) A teologia se alinha ao que o mesmo Pascal diria, ao “esprit de finesse” e não ao “esprit de géometrie” (frag. 125). Deus não é um objeto encontrável pela ciência, pelo espírito de geometria, mas pelo espírito da finura, de beleza e de poesia (esprit de finesse)[1]

Nesse texto falaremos sobre Rubem Alves e o seu livro “Por uma teologia da libertação[2], resultado da sua tese de doutoramento em 1969, na universidade de Princeton, em New Jersey, USA. Rubem Alves foi um teólogo, sociólogo, psicanalista, ensaísta, contador de histórias infantis e poeta brasileiro. Ousou pensar sobre a complexa existência humana e as linguagens que se aborda no mundo. No que ele escreve, nunca faltou a beleza da poesia, porém, nesse trabalho ele utiliza uma linguagem acadêmica, chegando a se desculpar pelo fato de ter produzido um livro que ele mesmo adjetiva de “chato”:

“Se escrevi deste jeito foi porque me obrigaram, em nome do rigor acadêmico (…) Assim escrevi feio, sem riso ou poesia, pois não me restava outra alternativa: estudante brasileiro, subdesenvolvido, em instituição estrangeira, tem mesmo é de se submeter, se quiser passar…” (2019, p. 11).

Rubem Alves, devido às acusações de subversividade em seu pensamento sofreu perseguição tanto política quanto religiosa. Foi acusado pela sua própria igreja. Era uma época do regime militar de 1964. Em razão disso, foi ao exterior com uma bolsa de estudos de doutorado em Teologia. A obra em exame a princípio foi intitulada: Towards a Teology of Liberation (1969), mas, à época, os editores católicos consideraram o título estranho. Sugeriram outro: Da esperança, que fazia eco ao recém lançado livro de Jürgen Moltmann: “Teologia da Esperança”. Por uma Teologia da libertação viria a ocupar seu lugar anos depois na comemoração do seu cinquentenário, graças à iniciativa do Instituto Rubem Alves.

Em seu estudo, Rubem Alves discorre sobre a linguagem do humanismo político e suas implicações para a linguagem teológica. O seu objetivo é propor uma linguagem teológica capaz de produzir mudanças histórico-políticas – a libertação é a emancipação do humano para criar o seu próprio futuro.

Ele parte, nessa análise, da linguagem do humanismo político, que se refere à transformação histórico-secular e que tem relação com a libertação do homem a fim de que ele construa a sua própria história, crie seu mundo, por suas próprias forças (sem Deus).

A linguagem do humanismo político conflita com outras. Uma dessas linguagens ele classificou como “messianismo tecnológico”. Essa rouba do homem a sua distância para a negação e sua liberdade. Faz com que o homem se torne produto das circunstâncias em vez de modificá-la.

Outra linguagem que conflita com o humanismo político é a linguagem da Teologia. A linguagem dogmática – dos muitos hinos, dos sermões, dos ritos –, coloca Deus como um ser “lá fora”, transcendentalmente distante, fora da história, na metafísica. Impede o homem de transcender suas condições, de criar a sua história, o seu futuro, porque é uma linguagem que não possibilita uma libertação histórica do homem, mas somente promete as ruas de ouro do céu.

A função de negação é essencial para o humanismo político. Trata-se de rejeitar a suprema validade do presente estado das coisas. O presente não deve ser visto como final. É necessário encontrar possibilidade para um novo amanhã. Esse movimento é indispensável para libertar o homem daquilo que o prende e escraviza. Para que o homem se torne histórico ele precisa negar e ter esperança. Esse homem transcende suas condições, cria uma história para um novo amanhã. É importante notar que existe uma diferença entre o conceito de transcendência do humanismo político e o da teologia clássica, que traz uma linguagem meta-histórica em vez de histórica.

John A. T. Robinson, em seu livro “Honesto com Deus”, causou polêmicas na época por exortar os cristãos a ver Deus como um “Ser na Terra” e não como um ser sobrenatural “Lá fora”. Robinson propôs abandonar essa noção de Deus “Lá fora”, estando em algum lugar como um “supremo cósmico”, e exortou a crer em um Deus como “amor”. Robinson segue a afirmação de Paul Tillich de que Deus é o “chão de todo ser” e isso mostra como a linguagem mais comum das igrejas não dialoga com a transcendência histórica em busca de um novo amanhã. O mesmo autor observa que a linguagem existente nas igrejas está determinada por “acimas” e por “foras”. No que tange à transcendência, ela está posta como algo literal ou fisicamente acima, como uma realidade espiritual e sobrenatural que se localiza fora daqui. Essa linguagem soa estranha ao homem secular, que está comprometido com a tarefa de criar uma nova história, e essa é uma das razões pelas quais muitas pessoas estavam abandonando as igrejas e optando pelo humanismo secular.

O artigo de E. G Baldo, cujo título é Reflexões Pós a Leitura Sobre o Ateísmo Contemporâneo”, fala sobre a opção pelo ateísmo entre estudantes do seu país e de como isso nasce através da escolha política em favor de uma mudança social baseada na busca de justiça. Esse diálogo torna-se impossível a partir do momento em que uma linguagem fala da “história” e a outra fala da “meta-história”.

Nietzsche, quando saudou a morte de Deus, declarou o fim da linguagem teológica, pois tal linguagem estava numa outra esfera. Fala sobre Deus na linguagem da igreja como um anti-homem. Além dos autores mencionados acima, Rubem Alves também lembra que Bonhoeffer acusou a igreja de empregar uma linguagem que destrói a emancipação do homem no mundo. Os que viram o fim da linguagem teológica descobriram a vocação do homem, e isso consistia em dar à terra uma significação, enquanto, para a igreja, tudo já estava finalizado em Deus.

“A história da comunidade de fé poderia se escrever através da história do nascimento, morte e ressurreição de suas linguagens. Velhas linguagens perecem ao se tornarem congeladas enquanto o mundo segue adiante. Quando isso acontece, elas deixam de ser instrumentos de libertação e se transformam em estruturas repressivas.” (2009, p. 130).

Para que esse processo ocorra, a comunidade de fé precisa sentir as dores e os desafios do presente. Quando isso acontece, a velha linguagem é morta e nasce uma nova. Lutero abandonou o confinamento dos mosteiros porque viu a necessidade de criar um novo futuro em sua época. Mas antes disso, estava atormentado e angustiado porque entendia a necessidade da libertação do homem. Esse sofrimento faz com que a chama libertadora assuma importância.

“Mas, a partir dessa situação de sofrimento, a memória adquire uma importância libertadora. Ela se converte na chama que derrete a linguagem congelada e que mantinha o homem escravizado, tornando assim possível a criação de uma nova linguagem, expressiva tanto da superação do medo quanto da liberdade para a vida” (2009, p. 130)

Aqui está a proposta de Rubem Alves: uma nova linguagem para a comunidade de fé, que será denominada “humanismo messiânico”. No mundo contemporâneo ainda vemos algumas linguagens teológicas “congeladas”, e, sendo assim, elas impossibilitam ao homem ver o mundo de uma maneira diferente, impedindo-os de ter esperança, de ver um novo futuro e de criar uma nova história. A tese foi lançada no final da década de 60 e hoje ainda vemos os atritos, as impossibilidades, as incertezas de um mundo que possui linguagens variadas. Especialmente para as comunidades de fé, a falta de uma linguagem que possibilite a transformação histórica da humanidade faz com que os anseios humanos não se concretizem politicamente. Nesse sentido, a tese doutoral de Rubem Alves é uma proposta que supre essa deficiência da linguagem teológica tradicional. No momento em que uma epidemia alastra muitas nações, a teologia pode ocupar um espaço importante nas esferas de comunicação e apoio. Dessa feita, o texto de Rubem Alves pode fornecer um caminho para que esse empreendimento teológico se viabilize historicamente.

[1] Apud Boff, Leonardo.

[2] ALVES, Rubem. Por uma teologia da libertação. Tradução João Francisco Duarte Jr. Juiz de Fora, MG: Editora Siano, 2019; São Paulo, SP: Editora Recriar, 2019.

Imagem: Instituto Rubem Alves

Sobre o autor

Uiliam Grizafis

Graduando em jornalismo pela faculdade Anhanguera e membro do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Agostinianos, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.