Sala Michael Oakeshott

Michael Oakeshott e a disposição conservadora

O termo conservadorismo é comumente associado a um conjunto de diretrizes, agendas e ideias que acabam por identificar um posicionamento político específico. Por outro lado, Michael Joseph Oakeshott, filósofo britânico do século XX, propõe uma leitura do conservadorismo um tanto distinta da formulação de uma cartilha particular. Sua abordagem, desenvolvida em ensaio intitulado On being Conservative, se direciona para o que o autor denomina como “disposição”. Em termos gerais, Oakeshott compreende que o conservadorismo, antes de qualquer inclinação voltada à dimensão da política ideológica, é oriundo de uma disposição do caráter, um modo de ser, uma forma de se portar e de se relacionar com o mundo e a realidade.

É nessa ótica que o conservadorismo se apresenta, antes de tudo, como uma característica individual particularmente preocupada com os processos de mudança e inovação. É importante notar, aliás, que Oakeshott faz uma diferenciação entre ambos: enquanto a mudança se caracteriza pela alteração inevitável e recorrente – um produto direto da contingência –, a inovação é vista como um empreendimento coordenado, no qual a alteração é imposta com vistas a um determinado propósito que, em geral, busca promover alguma espécie de aprimoramento. A disposição conservadora, todavia, é uma disposição de pesar e desconfiança para ambas as situações.

O conservador resiste com maior intensidade a tais processos – não porque enxerga na alteração um resultado necessariamente trágico, ou porque acredita que o passado possui um valor invariavelmente superior. Para Oakeshott, o que elucida a posição conservadora é nada mais do que um apego ao presente, um apego não abstrato e preestabelecido, mas adequadamente coerente com as propriedades pujantes de uma disposição conservadora; um apego que é fruto da capacidade bem aguçada de se regozijar. A disposição conservadora, portanto, é a disposição para o proveito, uma inclinação para a satisfação. Desse modo, no diálogo burkeano entre os mortos, os vivos e os que ainda virão, o conservadorismo é o entusiasmo do vigente, do que está estabelecido, é a busca pelo aproveitamento do presente, em detrimento de um passado que já se foi e de um futuro que não é palpável.

Nesse espírito, define Oakeshott (1962, p.169, tradução nossa), “ser conservador, então, é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o tentado ao não tentado, o fato ao mistério, o atual ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à felicidade utópica”. Assim, é proposto que a relação de afeto existente na disposição conservadora se dá, não por uma idealização ou percepção dogmática a respeito do que se busca conservar, mas simplesmente devido a uma relação de familiaridade. Por isso, a mudança e a inovação sempre se apresentam como necessariamente negativas, não pelo conteúdo intrínseco, mas pela natureza incômoda do processo. Isso, é claro, não significa ser avesso a mudança, apenas ser atento às suas aparições e expressar um modo de se adaptar a elas.

A mudança gradual e sutil se apresenta, então, como a mais adequada e confortável para o conservador. Justamente por permitir uma maior assimilação do processo, o que viabiliza a readaptação da busca pelo familiar. “Por consequência, as mudanças menores e mais lentas serão mais toleráveis para ele do que as grandes e repentinas; e ele irá valorizar bastante qualquer aparência de continuidade. Algumas mudanças, de fato, não apresentarão dificuldades; novamente, isso não se dá por elas manifestarem algum aprimoramento, mas simplesmente porque são facilmente assimiladas” (OAKESHOTT, 1962, p.170, tradução nossa).

Com a inovação, o desconforto dá lugar à desconfiança, pois, para além da mudança, a inovação se apresenta sob a forma de uma promessa de melhoria. No entanto, a disposição conservadora tenderá a olhar de maneira cética para o entusiasmo inovador, simplesmente porque, diante de um cálculo prudencial, o ônus da proposta de alteração sempre recai sobre aquele que busca alterar – uma vez que a concretude do que está estabelecido é sempre superior ao progresso especulativo. Conforme aponta Oakeshott (1962, p.172, tradução nossa), “[….] a inovação implica uma perda certa e um ganho possível, portanto, o ônus de provar que a mudança proposta pode saciar as expectativas de ser completamente benéfica, cabe ao inovador”.

A alteração, de todo modo, pode de fato ocorrer, porém, uma vez que ela pressupõe uma perda certa, se faz absolutamente razoável questionar a sua validade. Propriamente, a inovação se torna mais adequada na medida em que busca responder lacunas existentes, e alterar situações das quais não há o que se desfrutar. O cerne da questão, de modo geral, é que não há uma virtude necessária presente na alteração do estado de coisas: mudar não significa melhorar, e inovar é sempre custoso. Curiosamente, Oakeshott traz à tona o papel da natureza humana como um elemento de referência para se pensar a respeito da atualidade da mentalidade recorrente em relação ao tema da segunda parte do ensaio. Longe de querer elaborar um tratado definitivo sobre a conduta geral do ser humano, Oakeshott não deixa de se dirigir à natureza da conduta como uma forma de compreensão do caráter antropológico das relações sociais, coisa que ele faz de forma mais completa no seu primoroso On Human Conduct (1975).

É certo que a disposição conservadora pode ser compreendida como o reflexo de uma predisposição natural existente durante toda a história. Todavia, o que se entende por natureza humana possui diversas dimensões e tende a variar de acordo com os momentos regidos pela contingência. Aqui, Oakeshott analisa, portanto, aquilo que ele assume como a configuração vigente da nossa natureza, e em que medida a disposição conservadora nela se manifesta.

O seu diagnóstico é certeiro: para o autor, a era moderna se expressa como uma sensibilidade particular a respeito da mudança, na qual a busca pelo novo, a tentação pela alteração e a glamourização da inovação se tornam o ethos da mentalidade dominante. Neste cenário, analisa Oakeshott, a disposição conservadora passa a ganhar menos destaque. Mais ainda, é vista de forma negativa e incompatível com qualquer tipo de evolução social. Como descreve: “em nós, eu creio, a disposição conservadora está longe de ser notavelmente forte. Na verdade, se fôssemos julgados pela nossa conduta durante os últimos cinco séculos, um estranho sem preconceitos poderia, de forma plausível, supor que somos apaixonados pela mudança, que temos um apetite apenas para a inovação e que estamos tão distantes de qualquer simpatia por nós mesmos, e tão descuidados de nossa própria identidade, a ponto de não dispormos de nenhuma consideração sobre ela. Em geral, o fascínio pelo que é novo é percebido de forma muito mais intensa do que o conforto com o que é familiar. Somos predispostos a achar que nada de importante está acontecendo, a menos que grandes inovações estejam ocorrendo, e acreditamos que o que não está sendo aprimorado está a se deteriorar. Há um preconceito positivo em favor do que ainda não foi tentado” (OAKESHOTT, 1962, p.174, tradução nossa).

De modo algum Oakeshott afirma que não há espaço para o familiar e para o aproveitamento digno de uma disposição conservadora na maneira como nos relacionamos. Sua ênfase consiste em demonstrar como uma certa tendência de compreensão da realidade acabou por se destacar, a ponto de promover uma disposição que em muitos aspectos se distancia de uma disposição conservadora. É fato, porém, que Oakeshott resgata certos elementos presentes no modo de vida moderno, que fazem uso, ou até mesmo são inerentemente dependentes, de uma postura conservadora para que possam se manifestar. É o caso de toda e qualquer atividade que esteja ancorada no aproveitamento e na satisfação em detrimento do lucro ou da perseguição de algum objetivo substantivo. A título de exemplo, Oakeshott (1962) faz referência à atividade de pesca, como uma forma de se aplicar uma disposição para o proveito. Nessa visão, a pesca pode ser desprovida de qualquer busca por sentido externo, ou propósito lucrativo e técnico. Seu cultivo se dá, em um uso conservador, no prazer que possui em si mesmo, a ponto de não importar o sucesso da empreitada.

O autor ressalta que a disposição conservadora não é, e nem deve ser, cultivada em todos os modos de atividade humana – principalmente naqueles em que a conduta se dá por uma lógica transacional, como atividades de comércio, negócios e relações empregatícias, ou até a atividade de pesca, quando exercida com vistas à obtenção de um ganho. Por outro lado, mesmo as atividades transacionais, as quais são movidas pela insatisfação, demandam a apreensão de certa familiaridade para que sejam colocadas em prática de modo adequado. De tal maneira, Oakeshott lança mão do papel das ferramentas como uma forma de ilustração da necessidade da disposição conservadora, em alguma dimensão, nos momentos em que a relação não se pauta pelo mero proveito.

As ferramentas, sendo instrumentos utilizáveis com base em um conjunto de práticas e habilidades acumulativas, requerem uma relação de familiaridade e repetição que as possibilitem exercer sua utilidade. Mais ainda, precisam manter uma certa estabilidade própria para que possam ser reconhecíveis pelos que buscam se apropriar de suas propriedades. Conclui Oakeshott (1962, p.180, tradução nossa): “De fato, é claro o bastante que nenhum trabalho sequer seria realizado, nenhum negócio poderia ser concretizado se, na ocasião, nossa disposição em relação às ferramentas não fosse, de maneira geral, conservadora. E, uma vez que fazer negócios de um tipo ou de outro ocupa a maior parte do nosso tempo, e poucos destes podem ser feitos sem algum tipo de ferramenta, a disposição conservadora ocupa, inevitavelmente, uma grande parte do nosso caráter”.

Assim ocorre também em relação às práticas de conduta que regem as relações humanas. Desta forma, faz-se interessante retomar a referência a On Human Conduct (1975), na qual Oakeshott apresenta duas formas de relacionamento humano que são divididas em torno da compreensão do propósito nas ações realizadas. As ações transacionais, que visam o alcance de algum bem substantivo, constituem aquilo que é definido como associação empresarial; um modo de associação em que os indivíduos se vinculam na busca por um determinado objetivo uniforme. Por outro lado, existe um modo de associação em que a vinculação seria propriamente aquela adequada a uma disposição conservadora, pois constitui um relacionamento baseado no reconhecimento de certas regras estabelecidas, que não possuem valor externo, mas são dotadas de valor intrínseco. Essa associação é entendida, portanto, em termos morais, uma vez que se pauta pelo reconhecimento de práticas convencionais que buscam estabelecer limites a serem observados na performance da ação – o que leva a uma compreensão daquilo que é designado como uma associação civil (OAKESHOTT, 1975).

Nesse ensaio, Oakeshott dialoga com esses conceitos, ao esboçar a ideia de que as regras de conduta que regulam as ações individuais podem ser vistas como embasadas em práticas gerais que estabelecem um ordenamento reconhecido para que o sujeito possa perseguir seus próprios interesses. Pelo fato de que essas regras servem como fundamentos basilares para a ação – sem que busquem determinar o conteúdo daquilo que está sendo feito –, é que elas são indispensáveis para a promoção de uma rotina de qualquer natureza, em que o mínimo de critério e limitação no modo de agir é imposto àqueles que estão sob esta ordem de execução.

Desse modo, tais regras necessariamente são postuladas sob a lógica de uma disposição conservadora, já que se sustentam não com base em um conteúdo metafísico ou irrevogável, mas pela familiaridade que elas apresentam. Assim ocorre em uma dinâmica de jogo, como bem aponta Oakeshott (1962, p.182, tradução nossa): “os jogadores, durante a partida, podem desenvolver novas táticas, eles podem improvisar novos métodos de ataque e defesa, eles podem fazer o que quiserem para destruir as expectativas dos seus oponentes, exceto inventar novas regras. Essa é uma atividade para ser realizada moderadamente e fora de temporada”.

Como fruto direto de sua compreensão sobre a natureza da conduta humana, Oakeshott se esforça em estabelecer sua conclusão a respeito de como o conservadorismo poderia ser entendido na sua expressão política. Sua primeira premissa é se livrar de certas definições recorrentes, que são associadas à disposição política conservadora. Pois, como bem aponta Oakeshott, o conservadorismo muitas vezes é associado a determinadas perspectivas e posicionamentos que, por mais legítimos e presentes que possam ser, não são capazes de definir o que seria de fato a expressão conservadora em política na sua essência. Nesse ponto, o autor é enfático em propor uma das formulações mais originais a respeito do conservadorismo na política: o de que sua expressão em relação ao poder não necessariamente implica uma adesão integral ao conservadorismo em suas outras formas de expressão.

Em suma, alguém pode ser conservador em política ao mesmo tempo em que é radical em todas as outras atividades. O mesmo pode ocorrer de forma contrária, na medida em que alguém de disposição conservadora pode ter uma visão da política que seja distinta de uma compreensão conservadora do poder. A esse respeito, Oakeshott enfatiza que a disposição conservadora na política se define, tão somente, por um determinado modo de compreensão do exercício de governar (OAKESHOTT, 1962). Não seria de grande surpresa essa fixação a respeito do modo de governo, uma vez que este é um dos temas centrais na obra do autor, como pode ser conferido em seu livro A Política da Fé e a Política do Ceticismo (2018), no qual Oakeshott argumenta que o grande tema da política moderna não consiste na questão acerca de quem deve governar, mas sim de como fazê-lo.

O conservadorismo, portanto, se apresenta como uma determinada forma de compreensão acerca do lugar da política na sociedade. E como aponta Oakeshott, a ação política, nesses termos, é entendida como um ato limitado, restrito e voltado à preservação de uma ordem social em convergência com os valores e modos de vida da sociedade. Nessa perspectiva, o poder, para o conservador, passa a ser visto sob um olhar de caráter cético, havendo uma desconfiança a respeito da possibilidade do poder intervir em todas as esferas da vida humana, especialmente com vistas a promover um propósito determinado que tenha como resultado algum tipo de progresso social. A política é, então, uma área de atuação limitada a sua própria dimensão de preservação de um ordenamento autoritativo – o que se torna propício para a manutenção da obrigação política em uma sociedade, uma vez que ela é convergente com a preservação da ordem social.

Em The Claims of Politics (1939), Oakeshott já apontava para essa direção, ao argumentar que o papel da política possui um espaço delimitado, o qual não consiste na tentativa de imposição de projetos de reorganização social ou propagação de valores, mas sim de manutenção de uma ordem de coexistência que seja capaz de permitir que os diferentes valores, interesses e propósitos possam ser perseguidos de forma minimamente estável. O que não significa, obviamente, que a mudança e o propósito não façam parte da vida social, mas sim que não é papel do governo carregar estas ambições – precisamente pela índole compulsória e invasiva que é associada ao poder, o que levaria necessariamente a uma política da uniformização e da absolutização que, devido à natureza plural de uma sociedade moderna, se torna incompatível com a preservação da civilidade. “Um sistema político é primordialmente para a proteção e modificação ocasional da reorganização da ordem social e legal. Não é autoexplicativo; seu fim e propósito residem além de si mesmos no espaço social ao qual pertence, um ambiente social já determinado pelas leis, costumes e tradições, nenhuma das quais é criação da atividade política” (OAKESHOTT, 1939, p.148, tradução nossa).

O papel do governo, na disposição conservadora, consiste no reconhecimento de uma ordem estabelecida que seja compatível com a preservação dos diferentes valores, interesses e propósitos em uma sociedade. A política seria um modus vivendi, a manutenção de regras gerais de conduta que não buscam impor certas diretrizes à sociedade, mas preservar o seu funcionamento sob a égide da observância de um conjunto de limitações e restrições. A visão conservadora em política, define Oakeshott (1962, p.184, tradução nossa), “é a observação do nosso atual modo de vida combinada com a crença [….] de que o governo é uma atividade específica e limitada, que consiste na promoção e custódia de regras gerais de conduta, que são entendidas não como planos para a imposição de atividades substantivas, mas como instrumentos que permitem as pessoas a perseguirem as atividades de suas próprias escolhas com o mínimo de frustração, e portanto é algo do qual é apropriado ser conservador”.

Novamente se torna indispensável o diálogo com a teoria da associação civil oakeshottiana, que entende o governo como sustentado pelo reconhecimento de regras formais que buscam limitar a ação, sem direcionar um determinado propósito. Essa percepção é interligada com uma forte defesa do pluralismo que, como bem aponta Edmund Neill (2015), em Oakeshott não se dá com base numa especulação metaética, mas no mero reconhecimento do pluralismo como uma tradição concretizada pela forma de vida exercida na modernidade. Esse elemento é claramente desenvolvido durante o ensaio, uma vez que se aponta a natureza diversa e variável das atividades humanas nas sociedades atuais, o que impede qualquer pretensão de uniformização em um contexto caracterizado por essa riqueza de propósitos.

A civilidade se atém precisamente ao estabelecimento de um ambiente de coexistência entre os diferentes propósitos e valores, o que, como aponta Oakeshott (1975), caracteriza um dos modos de compreensão do Estado moderno pós-renascentista. No entanto, existe uma visão concorrente a respeito do papel de governar, que seria imprópria ao entendimento conservador da política. A visão empresarial do Estado, em que todas as regras e ações culminam na busca da promoção de um objetivo geral e uniforme sobre toda a sociedade, é igualmente parte da compreensão do Estado moderno. Em On being Conservative, Oakeshott se refere a essa disposição como caracterizada por uma forte rejeição a qualquer requinte de desordem e obcecada em redefinir, de forma unilateral, como a sociedade deve ser organizada.

A atividade política, nessa lógica, deixa de ter um caráter restrito à manutenção de uma obrigação legal e autoritativa, propícia à preservação da coexistência entre os diferentes modos de vida, e ganha uma tônica de construção e impulsionamento de valores e propósitos unilaterais. “Tais pessoas apropriadamente entendem que o ofício do governo consiste em impor aos seus súditos as circunstâncias humanas dos seus sonhos. Governar é transformar um sonho privado num modo de vida público e compulsório” (OAKESHOTT, 1962, p.186).

O indivíduo de disposição conservadora não será tentado por essa pretensão de perfectibilidade, pois é inclinado a uma maior capacidade de reconhecimento e aproveitamento da realidade vigente. Desse modo, o conservador encontra espaços para o proveito na variabilidade e nas tensões advindas da realidade, uma vez que somente nestas condições existe a verdadeira possibilidade de desfrutar de seus próprios gostos e anseios. Mais ainda, a valorização do presente acompanha a constante desconfiança de quem busca propor um futuro esplêndido, o que nos permite evocar o clássico ensaio de Anthony Quinton (1978): para o autor, o conservadorismo é, por excelência, a política da imperfeição, e nisso consiste uma consciência aguçada a respeito da limitação intelectual da razão humana. O conservador enxerga as limitações e imprevisibilidades da vida social como elementos próprios dela, que não podem ser superados através de projetos presunçosos de engenharia social, frutos de uma compreensão equivocada da capacidade humana de se apropriar do poder e do conhecimento para reescrever a história. Um olhar de tolerância ante a imperfeição se alinha a uma maior capacidade de regozijo e satisfação diante das circunstâncias. E nada pode ser mais conservador na linguagem oakeshottiana.

Compreender a atividade política como uma ferramenta para a construção de uma realidade de perfeição intacta seria, por definição, uma corrupção do próprio sentido da atividade política; e uma ofensa contra a conduta humana que não pode ser reduzida a uma lógica de poder calculada por um conjunto de equações morais. “A função do governo não é impor outras crenças e atividades aos seus súditos; não consiste em tutelá-los ou educá-los, nem fazer deles mais felizes ou melhores de outra maneira; nem direcioná-los, nem estimulá-los à ação; não é guiá-los e nem coordenar suas atividades para que nenhuma ocasião conflitante venha ocorrer; o papel do governo é, meramente, governar” (OAKESHOTT, 1962, p.187, tradução nossa).

De tal maneira, Oakeshott entende que, para o conservador, a atividade de governar se dá como uma forma de contenção das tensões existentes, de mediação dos conflitos e imperfeições. Não cabe à atividade política engajar-se na imposição de grandes propósitos, pois, deste modo, o governo se torna um instrumento de adesão afetiva ao poder. “O homem de disposição conservadora entende que não é papel do governo inflamar paixões e dar-lhes novos objetos para que a alimentem, mas injetar nas atividades daqueles de grande paixão um ingrediente de moderação; é restringir, esvaziar, pacificar e reconciliar; não atiçar o fogo do desejo, mas umedecê-lo” (OAKESHOTT, 1962, p.192, tradução nossa).

Assim, a lei se torna um elemento guia de conduta para a governança, sua manutenção e manuseio são tidos como aspectos primordiais da atividade política. Nesse sentido, a disposição conservadora pode ser associada a uma inclinação para o imobilismo, como é alertado acerca da nêmesis da política do ceticismo (OAKESHOTT, 2018). No entanto, é compreendido que a preservação das leis também encerra a capacidade de saber ajustá-las, de efetuar as reformas necessárias para que possam acompanhar as demandas da realidade social. Nessa visão, governar é reconhecer a realidade estabelecida e adequar-se a ela, não tentar moldá-la através de projetos de poder megalomaníacos.

Nada pode ser mais gráfico acerca do entendimento oakeshottiano sobre a experiência política do que sua metáfora da embarcação. Para Oakeshott (2018), a atividade política é como uma navegação em mares incertos e desconhecidos, na qual o único propósito razoável é tentar manter o equilíbrio da embarcação. A disposição conservadora pode, por vezes, ser tentada pelo passivismo do ceticismo, todavia, é na figura do estivador que ela é melhor representada. O estivador não tenta anular as contradições, não está preocupado em redesenhar a configuração dos mares e nem deseja inventar uma nova embarcação. Sua função é mediar o atrito, é sobreviver à tempestade e, nesse meio tempo, ser capaz de encontrar o regozijo diante das circunstâncias vivenciadas.

 Referências

NEILL, Edmund. Oakeshott, Modernity, and Cold War Liberalism. In: NARDIN, Terry. Michael Oakeshott’s: Cold War Liberalism. 1. ed. New York: Palgrave Macmillan, 2015. cap. 2, p. 38-63.

OAKESHOTT, Michael. A Política da Fé e a Política do Ceticismo. São Paulo: É Realizações, Tradução: Daniel Lena Marchiori Neto, 2018.

OAKESHOTT, Michael, “The Claims of Politics,” Scrutiny 8 (1939), 146–51.

OAKESHOTT, Michael. On being Conservative. In: OAKESHOTT, Michael. Rationalism in Politics: and other essays. 1. ed. London: METHUEN & CO LTD, 1962. cap. 7, p. 168-196.

OAKESHOTT, Michael. On Human Conduct. 1. ed. Oxford: Oxford University Press, 1975.

QUINTON, Anthony. The Politics of Imperfection: The religious and secular traditions of conservative thought in England from Hooker to Oakeshott. 1. ed. London: Faber & Faber, 1978.

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Sobre o autor

Victor Oliveira

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Candido Mendes. Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.