Sala Michael Oakeshott

Informações biográficas

Agradecemos à Michael Oakeshott Association por conceder a permissão para esta tradução.

Tradução: José Altran | Revisão: Luiz Bueno e Flavia Sarinho | © Labô
Texto original em michael-oakeshott-association.com

Michael Oakeshott foi um acadêmico britânico do século XX que lecionou história do pensamento político e fez contribuições originais e substanciais à teoria política e à filosofia da história. Durante a Guerra Fria era visto primeiramente como um importante pensador conservador, mas em seus últimos anos e após sua morte passou a ser cada vez mais considerado um importante teórico liberal. Sua defesa de uma educação liberal não-utilitária e sua metáfora da “conversação da humanidade” despertou interesse por todo o espectro político.

Infância e Anos Escolares

Michael Oakeshott nasceu em 11 de dezembro de 1901, o segundo de três filhos de Joseph, um funcionário público, e Frances, uma ex-enfermeira. Joseph foi membro da associação socialista Fabian Society, porém, Michael recordava dos interesses de seu pai como mais literários que políticos. Frances seguiu um “interesse vitalício em trabalhos de caridade”. Na frase memorável de Robert Grant, a família pertencia à “classe média pouco influente mas instruída e de espírito público” da Inglaterra.

Os pais de Oakeshott o mandaram para a St. George’s School, em Harpenden, uma escola coeducacional progressista dirigida pelo Rev. Cecil Grant, um classicista e teólogo aparentemente mais dado a sermões sobre os idealistas alemães Kant e Hegel do que sobre as doutrinas tradicionais da Igreja Anglicana.

Time de Rugby da St. Georges School (Oakeshott no centro, com a bola)


Anos em Cambridge (Aluno durante 1920-23, professor durante 1925-40 e 1945-49)

Oakeshott se tornou um aluno do Gonville and Gaius College, em Cambridge, em 1920, optando pela Ciência Política nos exames da faculdade de História. Ele também assistiu às conferências sobre Introdução à Filosofia dadas pelo idealista J. M. E. McTaggart. Após a graduação, Oakeshott dedicou algum tempo à teologia em Marburg e Tubingen, e ficou um breve período como English Master na Grammar School. Em 1925, foi contemplado com uma bolsa na Caius. Em 1927, casou-se com Joyce Fricker (o primeiro de três casamentos). Em 1931, nasce seu filho, Simon, e Oakeshott é nomeado Docente em História. Ele continuaria lecionando em Cambridge, exceto durante o serviço militar, até 1949.

Durante os anos 20, as publicações de Oakeshott eram predominantemente resenhas de livros sobre temas teológicos e filosóficos. Em escritos não publicados na ocasião, investigou a filosofia da história e da poesia. Mais para o final da década, começou a publicar análises e artigos relacionados com a história do pensamento político.

Experience and its Modes, primeiro livro de Oakeshott, foi publicado no início de 1933. Explorando as pressuposições conceituais da história, ciência e experiência prática, o livro mal mencionava a política. Fortemente idealista no tom, reconhecia explicitamente uma dívida a Hegel e ao idealista britânico do século XIX, F. H. Bradley. Também pode ter sido influenciado (conscientemente ou não) por idealistas contemporâneos como R. G. Collingwood (que revisou o livro e elogiou enormemente o capítulo sobre história).

Conforme os anos 30 foram seguindo, o pensamento político foi gradualmente se tornando proeminente nas produções de Oakeshott, embora não fosse sua única preocupação. Escreveu múltiplas análises do trabalho de Leo Strauss sobre Hobbes, mas também encontrou tempo para ser co-autor de um livro sobre corrida de cavalos (o A Guide to the Classics, or, How to Pick the Derby Winner, de 1936) e revisar Principles of Art, de Collingwood. O Idealismo também permaneceu como um de seus interesses; em 1938, publicou um artigo de duas partes, “The Concept of a Philosophical Jurisprudence”, no qual tentou desenvolver uma teoria da lei posta nos termos da filosofia idealista.

Em 1939, aparentemente a pedido de Sir Ernest Barker, que tinha se tornado uma espécie de mentor, Oakeshott publicou um livro didático para acompanhar um curso, The Social and Political Doctrines of Contemporary Europe. O livro era uma antologia de excertos abordando Democracia Representativa, Comunismo, Fascismo, Nazismo e o pensamento político Católico.

Atuação na Segunda Guerra Mundial (1940-45)

Durante a Segunda Guerra Mundial, Oakeshott serviu na França e na Bélgica com a unidade de reconhecimento “Phantom” do Exército Britânico. Publicou apenas algumas novas análises de livros durante os anos de guerra, muito embora seu livro anterior, The Social and Political Doctrines of Contemporary Europe, tenha passado por algumas novas edições, a segunda incluindo prefácios adicionais de outro escritor.

Documentos da Segunda Guerra Mundial


Carreira Pós-Segunda Guerra (1945-68)

Após a Segunda Guerra Mundial, Oakeshott retornou a Cambridge, mas apenas por alguns anos. Fez algumas tentativas de explorar “filosofia política” nos mesmos termos idealistas que aplicou à “jurisprudência” antes da guerra, mas não publicou os resultados. Editou e escreveu uma notável introdução para uma nova edição do Leviathan de Hobbes (1946). Ele também passou a escrever, e, por um período, a editar uma revista, The Cambridge Journal, na qual, entre 1947 e 1951, publicou algumas polêmicas intelectuais contra o que entendia serem as ideias exageradamente racionalistas dominando a política britânica da época.

Oakeshott deixou Cambridge em 1949 para entrar na Nuffield College, em Oxford. Então, em 1951, se tornou Professor de Governo na London School of Economics. Sua conferência inaugural na LSE, “Political Education”, marcou o apogeu de sua luta contra o racionalismo na política. Considerando a si mesmo um cético, e alfinetando a suposta viabilidade de conduzir política de acordo com princípios abstratos, declarou:

Na atividade política, então, os homens navegam por um mar sem limites e sem fundo; não há nem porto para abrigo, nem chão para ancoragem… O empreendimento é se manter flutuando e em equilíbrio… e a navegação consiste em usar os recursos de uma maneira habitual de comportamento, no intuito de tornar amiga toda circunstância hostil.

A indicação desse pensador aparentemente “conservador” para a cadeira previamente ocupada pelos socialistas Harold Laski e Graham Wallas, em uma instituição fundada pelos Fabianos, foi controversa, provocando comentários dos EUA à Índia. Audaz, entretanto, Oakeshott passou a efetivamente administrar o Departamento de Governo até sua aposentadoria em 1968. Também deu palestras anuais sobre história do pensamento político que foram populares para gerações de alunos.

Por volta desse período, Oakeshott se tornou, em sua vida privada, um libertino assumido. Um de seus colegas da LSE lembraria depois de Oakeshott como sendo “bastante passivo socialmente”, contando com o círculo composto por seus amigos, os expatriados norte-americanos Shirley e William Letwin. Entretanto, isso pode ter meramente refletido uma habilidade de Oakeshott em compartimentar sua vida, posto que se lançou a inúmeros casos amorosos, inclusive com esposas de amigos, colegas e alunos. Os hábitos boêmios de Oakeshott se estendiam também para um gosto por banhos nus, o que conferiu a ele uma boa e muitas vezes indesejada publicidade quando se banhou na praia errada, em 1955.

Durante sua permanência na LSE, Oakeshott continuou a publicar uma série de análises todo ano, bem como artigos ocasionais. Foi aparentemente no ano seguinte ao incidente do banho nu, 1956, que Oakeshott escreveu aquele que se tornaria um de seus ensaios mais famosos, “On Being Conservative”, no qual descreveu o conservadorismo como uma disposição (mais que um conjunto de crenças abstratas), e declarou seu intuito em mostrar que:

não é de forma alguma incoerente ser conservador no que diz respeito ao governo, e radical no que diz respeito a quase todas as outras atividades

O segundo grande livro de Oakeshott, a coletânea de ensaios Rationalism in Politics, foi publicada em 1962. Ele republicou uma seleção de artigos de sua fase politicamente engajada, entre 1947 e 1951, incluindo “Political Education”, bem como uma série de ensaios menos abertamente polêmicos, escritos a partir de 1955. Entre os últimos, inclui-se “On Being Conservative”, “The Activity of Being an Historian” e “The Voice of Poetry in the Conversation of Mankind”.

Michael Oakeshott ensinando na LSE


Aposentadoria em Dorset (1968-90)

Após sua aposentadoria da LSE em 1968, Oakeshott viveu na vila de Acton, perto de Langton Matravers, no condado de Dorset, no sul da Inglaterra, com sua terceira esposa, Christel Schneider, uma pintora abstrata. Por vários anos, permaneceu envolvido com a LSE como professor emérito, e foi uma figura influente em um programa de pós-graduação, o Seminário de História do Pensamento Político. Enquanto alguns de seus amigos, incluindo Kenneth Minogue e Shirley Letwin, se tornaram fortes entusiastas de Margaret Thatcher, o próprio Oakeshott permaneceu mais indiferente às questões práticas. Foi-lhe oferecida uma honraria por parte do governo Thatcher, mas recusou. Ele faleceu em 18 de dezembro de 1990.

Ao longo daqueles anos, Oakeshott publicou dois livros completamente novos, On Human Conduct (1975) e On History (1983). Ambos foram escritos com um estilo técnico denso, bastante diferente de seus ensaios anteriores. Ele também lançou uma coletânea de ensaios previamente publicados, Hobbes on Civil Association (1975). Esta incluiu uma versão revisada de seu Introduction to Hobbes’ Leviathan, traçando uma conexão entre suas ideias no pós-guerra e as teorias de On Human Conduct.

Nos últimos anos de sua vida, dois outros volumes de seu trabalho previamente publicado foram compilados pelo acadêmico norte-americano Timothy Fuller: The Voice of Liberal Learning (1989), uma coletânea de ensaios relacionados à educação; e uma segunda edição, revisada e expandida, de Rationalism in Politics (1991).

Carta da Primeira Ministra Thatcher


Interesse Póstumo e Publicações

O primeiro estudo aprofundado do pensamento de Oakeshott, Oakeshott’s Philosophical Politics de W. H. Greenleaf, foi publicado em 1966. Por muitos anos, esta permaneceu sendo a mais meticulosa investigação do pensamento de Oakeshott. Entretanto, conforme o ambiente intelectual foi mudando nos anos 80, um interesse sobre as dimensões não-conservadoras do pensamento de Oakeshott foi gradualmente crescendo. O neopragmatista norte-americano de esquerda Richard Rorty se empenhou e ajudou a popularizar a ideia oakeshotteana de civilização como uma “conversação” entre diferentes modos de pensamento. John Gray concluiu que, na teoria de associação civil em On Human Conduct, Oakeshott reduziu o conceito do estado liberal à sua própria essência, livrando-o de séculos de bagagem intelectual acumulada e desnecessária.

Alguns livros eruditos sobre Oakeshott apareceram nos anos 90, seguidos por uma onda constante nos anos 2000. Parte dessas pesquisas lançaram nova luz nos tópicos aparentemente óbvios, como sua filosofia política. Outros trabalhos se ramificaram para explorar muitas dimensões diferentes do pensamento de Oakeshott, incluindo as ideias de ciência social, educação, religião e estética, sua relação com o Iluminismo e seu modernismo.

A recente valorização da amplitude do pensamento de Oakeshott tem avançado em sincronia com uma série de publicações póstumas, bem como um crescente número de traduções de seu trabalho para outros idiomas além do inglês.

Nos anos 2000, a editora britânica Imprint Academic passou a lançar uma série de “obras escolhidas” de Oakeshott, incluindo material já publicado e inédito. Editada principalmente por Luke O’Sullivan, a série foi se tornando cada vez mais abrangente com o tempo, abarcando tudo desde o famoso Lectures in the History of Political Thought até as correspondências e anotações pessoais de Oakeshott.

Em 2012, os estudos sobre Oakeshott alcançaram um novo marco – a publicação, dentro de poucos meses, de não só um, mas dois volumes Companion, um de Cambridge (editado por Efraim Podoksik), e outro de Penn State (editado por Paul Franco e Leslie Marsh).

O fluxo contínuo de novas percepções lançadas por seu trabalho, ao longo de várias décadas, atesta a fecundidade do pensamento de Oakeshott para pesquisadores de diversas disciplinas em todo o mundo.

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Sobre o autor

José Altran

Doutorando em Filosofia pela USP, mestre em Ciência da Religião pela PUCSP e licenciado em Filosofia pela UCB. Pesquisador do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.