Cultura do Consumo, Sociedade e Tendências

Processos da comunicação nas redes sociais: boatos e fake news

Neste breve ensaio, a proposta é explicar o fenômeno dos boatos, rumores e fake news por meio do processo comunicacional word of mouth, ou comunicação boca a boca (CBB), e como tal processo pode ser compreendido a partir de dois modelos teóricos. O primeiro é o modelo de comunicação do fluxo de dois tempos (two step flow) e o segundo modelo diz respeito ao caminho percorrido pela informação nas redes sociais da internet.

Sobre a comunicação boca a boca

A CBB é um processo de transmissão da mensagem de maneira informal, e sem aparente intencionalidade, que produz efeitos positivos ou negativos em relação a algo ou alguém, genericamente são os rumores ou boatos. Na internet ou nos grupos de WhatsApp, o fenômeno da CBB também é conhecido por meme, fake news ou marketing viral – mas nesses casos percebe-se que o caráter da mensagem pode ser intencional, preservando, aos olhos do receptor, a sua informalidade. A mensagem pode ser positiva ou negativa em relação a de quem se fala ou sobre o que se fala. Também pode ser confiável e de fonte segura aos olhos receptor, pois o emissor é um formador de opinião.

Entende-se por formadores de opinião aqueles indivíduos que aparentemente não mantenham vínculo comercial, financeiro, jornalístico ou político com o objeto do seu discurso – são os parentes, amigos, especialistas ou outras pessoas sem envolvimento formal com a empresa, produto ou político que virou notícia. Nessas condições, o fluxo da informação ou da mensagem configura-se como CBB.

Em seu livro Viagem ao Planeta dos Boatos, Homero Fonseca faz um estudo sobre o boato, por diversas histórias e fatos curiosos que tiveram o rumor como fato gerador. Entre essas histórias estão os casos célebres: “Invasão dos Marcianos”, veiculada na rádio CBS de Nova York, em 30 de outubro de 1938, dirigida por Orson Welles; e o estouro da represa de Tapacurá, na cidade de Olinda, no dia 21 de julho de 1975. Claro que ambos os fatos não ocorreram de verdade, foram apenas boatos ou fake news.

Fluxo da comunicação em dois tempos

Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, por volta do ano de 1940, desenvolveram uma pesquisa para estudar o impacto provocado sobre os eleitores pela campanha eleitoral de massa para a eleição presidencial dos Estados Unidos. O conteúdo da mídia em estudo era o discurso e outras mensagens políticas apresentadas pelos dois candidatos do partido republicano (Wendell Wilkie) e democrata (Franklin Roosevelt). A amostragem foi representada por um conjunto de diversas pessoas, moradoras do município de Erie, em Ohio e, durante as entrevistas com os habitantes da cidade, os pesquisadores receberam respostas um tanto quanto inusitadas sobre um dos itens principais do questionário.

Sempre que os entrevistados eram solicitados a mencionar os temas mais recentes expostos pelos candidatos, as discussões pessoais eram citadas mais frequentemente do que as veiculações no rádio ou em mídia impressa. Na realidade, em média, mais de dez por cento dos eleitores trocavam ideias informais uns com os outros – em comparação aos eleitores sujeitos diretamente ao material de campanha nos veículos de massa. Daí em diante, os pesquisadores passaram a observar mais de perto a influência pessoal de alguns indivíduos sobre os outros, a fim de descobrir o peso dos contatos informais como um fator importante do progresso da comunicação de massa.

Os entrevistadores descobriram que havia muitos eleitores cujas exposições de primeira mão aos veículos de comunicação eram muito limitadas. Na maior parte, esses eleitores obtinham suas informações sobre a campanha eleitoral de outros cidadãos que as haviam recebido de primeira mão. Assim, a pesquisa começou a indicar que havia uma espécie de movimento de informação por meio de duas etapas básicas.

A primeira informação ia dos veículos para os indivíduos relativamente bem-informados, que interagiam diretamente com os veículos de comunicação de massa. A segunda se dirigia dessas pessoas a outras que tinham menos acesso direto à dita mídia oficial e, portanto, às informações de fonte primária. Esse tipo de processo de comunicação foi denominado de fluxo de comunicação em dois tempos ou etapas.

Os indivíduos que estavam em contato mais direto com os veículos de mídia foram denominados líderes de opinião – isso porque eles representavam um papel importante na contribuição para formação das intenções de voto. Naturalmente, eles não divulgavam apenas as informações, também transmitiam suas interpretações do conteúdo das comunicações a que tinham sido expostos.

Essa espécie de influência informal foi imediatamente reconhecida como um importante mecanismo que operava entre a mensagem de comunicação de massa (propaganda ou mensagem política) e os tipos de respostas (comportamento do voto) decorrentes dessa mensagem.

A comunicação em dois tempos evidencia a existência da influência dos meios informais sobre os grupos, naquilo que se denomina CBB, e, ao mesmo tempo, limita-se a compreender o caminho da mensagem de um emissor único e principal a um receptor primário e desse para um receptor secundário. Nas redes sociais da internet e nos grupos de WhatsApp, esse fenômeno também ocorre, mas os caminhos da informação são amplificados de acordo com o tipo de estrutura de rede, conforme descrito no próximo item.   

Redes sociais na internet

Identificar os diversos tipos de redes sociais e suas aplicações no processo de comunicação constitui a base para compreender como as informações, rumores e boatos difundem-se nos mais diversos grupos sociais.

Alguns atores (ou nós)[1] das redes são mais propensos a estimular, de forma natural, outros atores da rede por meio de laços mais ou menos fortes, provocando o fenômeno da CBB no espaço da rede social. Credibilidade e reputação são características fundamentais para que um nó da rede adquira o status de formador de opinião, e assim propague uma mensagem, influenciando a opinião dos nós receptores.

Em relação ao formador de opinião em uma rede, é preponderante saber se um indivíduo que transite em vários grupos sociais e todas as pessoas com quem ele se relaciona pertencem a uma mesma classe socioeconômica, comungam dos mesmos hábitos de consumo e têm entre si similaridades culturais e políticas.

Um único nó pode estar ligado, por várias linhas, a diversos outros nós, o que equivale a dizer que um indivíduo pode receber a mesma informação por meio de linhas ou caminhos diferentes e em momentos diferentes – e, o mais importante, com graus de credibilidade diferentes, pois emissores ou retransmissores de mensagens diferentes (os nós), embora pertencentes a um mesmo grupo social, gozam de distintos graus de credibilidade entre si, quando expostos a uma mesma fonte receptora.

As topologias de rede, descritas por Raquel Recuero no livro Redes Sociais na Internet, são fundamentais para o estudo das redes sociais, posto que em cada fluxo comunicacional existem caminhos distintos percorridos pela informação, fontes emissoras e receptoras principais, um ou mais formadores de opinião.

Nesse sentido, a figura 1 apresenta topologias básicas de redes, centralizada, descentralizada e distribuída, que se articula com o papel influenciador do formador de opinião. Nas redes sociais da internet, esses nós podem ser identificados como sendo perfil do Facebook, Instagram, Twitter etc.

A rede do tipo centralizada constitui-se por um único nó e está ligada a diversos outros nós – o que caracteriza um formador de opinião típico. A do tipo descentralizada possui vários nós principais que se conectam aos demais nós da rede, sendo que os nós principais conectam-se entre si – nesse caso, existem diversos nós que podem exercer o papel de formadores de opinião. Por último, a rede distribuída, em que todos os nós possuem mais ou menos o mesmo número de conexões, mantendo-se relações mais equilibradas entre seus atores.   

Figuira 1 – topologia de redes ou diagrama das redes de paul baran (fonte: Raquel Recuero)


A rede mundos pequenos problematiza que a distância média entre quaisquer duas pessoas no planeta não ultrapassaria um número pequeno de outras conexões de uma rede. Essa teoria surgiu a partir de pesquisas elaboradas desde a década de 1950 pelos pesquisadores Milgram (1956), Pool e Kochen (1978), que teorizam sobre as coincidências entre conhecidos – ou seja, tendo por referência um grupo de mil conhecidos por indivíduo em todo o planeta, é possível traçar um caminho entre um par qualquer de pontos, sendo a distância entre ambos de apenas dois conhecidos, conforme figura 2.

Figura 2 – rede mundo pequeno (fonte: Raquel Recuero)


Posteriormente a esses estudos, diversos outros se seguiram e o modelo de Watts e Strogatz (1998) – especialmente aplicado às redes sociais – mostra uma rede mais próxima da realidade, pois cada pessoa possui amigos e conhecidos em vários lugares do mundo, que, por sua vez, têm amigos e conhecidos. Esses autores mostraram que bastavam poucos contatos ou nós para formar um mundo pequeno em uma grande rede, o que, segundo eles, demonstra seis graus de separação entre dois indivíduos em todo o planeta.

No estudo que dá origem à teoria dos seis graus de separação, realizado nos Estados Unidos, buscou-se, por meio do envio de cartas, aferir o grau de conexões existentes entre dois indivíduos quaisquer. Cada participante recebia uma carta identificando o sujeito alvo e, caso o conhecesse, deveria enviar uma nova carta diretamente para ele. Os participantes que não conhecessem o sujeito alvo deveriam enviar uma carta para alguém de suas relações que tivesse maior chance de conhecê-lo. Por fim, o sujeito alvo deveria enviar as cartas por ele recebidas para os responsáveis pelo estudo.[2]

A teoria dos seis graus de separação foi testada por pesquisadores da Microsoft no ano de 2006. Eles analisaram os endereços de pessoas que enviaram 30 bilhões de mensagens usando o programa MSN Messenger e concluíram que quaisquer dois indivíduos estão conectados por sete ou menos conhecidos em média.

Emanuel Rosen, no livro Marketing Boca a Boca, descreve que em uma rede social existem vários tipos de nós que se caracterizam por serem os irradiadores principais de informações (ou formadores de opinião), denominados de centros de atenção e assim classificados: centros de atenção normais, megacentros de atenção, centros de atenção especializados e centros de atenção sociais.

Centros de atenção normais: são compostos por sujeitos comuns do cotidiano, que funcionam como fontes de informação e influenciam uma determinada categoria de produto. São consumidores pioneiros na adoção de novos serviços ou mercadorias, estão sempre atentos aos novos lançamentos e às informações sobre novidades, são eloquentes e possuem uma sensibilidade à mídia maior do que as outras pessoas.   

Megacentros de atenção: são um tipo composto pela mídia em geral, celebridades, analistas e políticos. As pessoas desses meios mantêm vários vínculos de relacionamento e seus interlocutores prestam atenção no que elas têm a dizer.

Centros de atenção especializados: são aqueles nos quais estão situados os especialistas, que são pessoas que detêm um grande conhecimento sobre sua área de atuação e tornam-se referência sobre determinado assunto.

Centros de atenção social: em qualquer grupo social, existe sempre um de seus componentes que se destacam e chamam a atenção dos indivíduos da rede. Isso ocorre porque são carismáticos, mostram simpatia, conquistam facilmente a confiança dos demais ou, simplesmente, por serem mais ativos socialmente.

Tanto para os modelos de rede social e redes mundos pequenos quanto para o modelo de fluxo de comunicação em dois tempos, a identificação de seus centros de atenção (ou formadores de opinião) é fundamental para a rápida propagação ou neutralização de informações pelo fenômeno boca a boca.

[1] A ideia de ator ou nó, nas redes sociais digitais, diz respeito ao número elevado de conexões que um único individuo possui, conferindo-lhe alta capacidade de influenciar as opiniões de seus seguidores.

[2] Esse estudo foi relatado na forma de documentário, com título homônimo ao da teoria (six degrees of separation), produzido pela BBC de Londres. Disponível em http://www.bbc.co.uk/programmes/b00kdtvv

Imagem: composição com fotos de Donald Trump e família americana da década de 1950

Sobre o autor

Rogério Tineu

Doutor em Ciências Sociais PUC-SP. Mestre em Ciências da Comunicação USP. Graduado em Ciências Econômicas pela Fundação Santo André. Coordenador do grupo de pesquisa Cultura do Consumo, Sociedade e Tendências, do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.