Sala Michael Oakeshott

O silenciamento das vozes nas universidades

Em um artigo do The Atlantic, intitulado de The Coddling of the American Mind, assinado por Greg Lukianoff e Jonathan Haidt e posteriormente transformado em livro de mesmo título, os autores lançam luz sobre temas controversos. Entre tantos assuntos, encontra-se uma série de análises sobre o crescimento da exclusão de palavras ou temas que causem mal-estar nos ambientes universitários.

Esse fenômeno, mesmo “vestido” como benéfico, traça um aspecto peculiar de como a educação acaba sendo empobrecida, com o decorrer dos anos, na busca por uma estrutura não ofensiva, a exemplo do levante contra as ditas “microagressões” que, ainda que não sejam intencionais, são lidas como atos violentos.

A partir disso, a condução da educação por meio dessas particularidades causa outros desdobramentos que geram resistência à genuína apreciação cultural – quando também, não raramente, apontam os temas como a misoginia, a violência e o racismo como impronunciáveis.

E embora seja lugar-comum acreditar que esses atos protetivos, proporcionados por essas novas abordagens, gerem melhorias, nota-se que o que se vê, na verdade, é uma situação que passa longe de uma diversificação do conhecimento ou de mero combate aos discursos de ódio e se aproxima mais de uma polarização crescente. Tal situação é percebida na permuta que acontece entre a proteção de uma suposta fragilidade da psique estudantil e o silenciamento de qualquer manifestação que não siga as regras. Agora, as falas e escritos devem ser comedidos e pensados à exaustão.

Dito isso, os autores Lukianoff e Haidt procuraram as raízes dessa situação e, entre as multifacetadas possibilidades, enxergaram que a transformação de interpretação de estatutos antidiscriminação – aqui mais precisamente os estadunidenses – e a mudança de gerações são as possíveis vertentes culpadas.

Apesar do artigo de Greg Lukianoff e Jonathan Haidt voltar seu olhar ao cenário dos Estados Unidos, as suas percepções cirúrgicas servem para os mais variados cenários, inclusive o brasileiro. Contudo, das diversas considerações extraídas, a que chama mais atenção é que um dos frutos gerados pela tensão vivenciada pode promover apegos às distorções ideológicas na educação.

Nessa linha, a hostilidade ideológica tende a surgir, ganhar mais ênfase e, ao mesmo tempo, provocar um afastamento do contato entre os pontos de vista divergentes. De resto, para além dos danos psicológicos e profissionais, extremamente óbvios, da dificuldade relacional com as diversas visões de mundo de cada indivíduo, há uma dimensão compartilhada de que as variadas produções culturais – a exemplo de livros clássicos – podem ter o poder de, através de gatilhos, endossar a lista de itens que geram retorno de traumas.

Essas séries de esforços para coibir – à revelia de muitos – o suposto prejuízo psíquico aos universitários permite traçar um paralelo com o pensamento de Michael Oakeshott, autor britânico que nos conduz a enxergar com doses de clareza a relevância de uma abordagem educacional universitária como algo em construção que, nas palavras do autor: “Ninguém pode esperar dizer algo significativo sobre as universidades a não ser que compreenda que a educação universitária não é um começo nem um fim, mas um meio.” (OAKESHOTT, 2020, p. 154).

Importa destacar que Oakeshott não demonstra só a intenção de fazer uma crítica, mas também de pensar em soluções, algumas serão elucidadas neste artigo. Nessa direção, inicialmente, vamos nos concentrar na educação universitária, com a compreensão de que, segundo o pensamento oakeshottiano, possui uma distinção relevante, quando comparada à educação escolar e à educação vocacional, seja no tocante ao que é ensinado, seja no tocante ao modo como se ensina.

De posse do pensamento supracitado, notam-se duas coisas interessantes:

I) a necessidade de levar a educação universitária a um patamar diferenciado da escolar ou vocacional; e

II) a diferença existente na esfera do que se ensina e de como se ensina.

Oakeshott propõe aqui que a educação nas universidades deve ter um olhar não superficial, que não seja apenas formado de leituras, mas também atento ao modo de pensar. Além disso, no mesmo livro, o autor apresenta uma proposta muito mais ousada, que é a de um comprometimento dos universitários com todo o legado cultural da civilização e, em seguida, aborda a necessidade de que o capital intelectual existente não seja o fruto do resultado acumulado, mas sim uma variedade de modos de pensar.

Logo, ao comparar a constante busca por privar o fluxo necessário à aprendizagem eficaz com o protecionismo exacerbado e exclusão de literaturas, ou, pior, com a liberdade de ser o que se é, tira-se dos ambientes universitários muito mais que uma possibilidade de autocompreensão, tira-se o próprio sentido do lugar.

Um antídodo possível na visão liberal de educação

As colocações traçadas por Lukianoff e Haidt foram abundantes e apontam para um impasse também alcançado por Oakeshott: a visão infantilizada do outro, que, segundo os primeiros, podem decorrer de possíveis aumentos de temor com doses de protecionismo. Independentemente das causas, a situação é incompatível com uma educação liberal propagada por Oakeshott, que coloca os indivíduos da ação da seguinte forma:

O intelectual, o professor e por fim aqueles que vêm para ter aulas, o aluno de graduação: ele, ou ela, também tem uma natureza própria. Em primeiro lugar, ele não é uma criança, não é um principiante. Já foi instruído em outro lugar, e aprendeu o bastante, moral e intelectualmente, para se arriscar em mar aberto. Ele não é criança, nem adulto, e encontra-se num estranho momento intermediário da vida em que sabe apenas o suficiente de si e do mundo que passa diante dele para desejar saber mais. (Oakeshott, 2020, p. 124)

Há de se notar que não é possível nem tratar o outro como conhecedor de tudo, nem como desconhecedor que será moldado por algumas das partes. Sendo a marca distintiva da universidade, para Oakeshott, ser um lugar onde o aluno de graduação tem a oportunidade de ter uma educação por meio de conversa com professores, colegas e consigo mesmo, um local de múltiplas vozes. Além do mais, é também um local de intervalo, ou seja, um período para deixar de lado as lealdades ardentes da juventude, sem a obrigatoriedade de imediatamente criar novas, e dispondo do privilégio de fazer tudo isso, nas palavras do autor: “não em um vácuo intelectual, mas cercado por toda a herança de aprendizado e literatura e experiência de nossa civilização”. (Oakeshott, 2020, p. 127)

Todas essas concepções de educação, à luz de Oakeshott, servem como um guia de uma universidade longe de um ninho apenas para gênios, embora deva incluí-los, ou um local para liberdade de pensar sem apoio cultural ou base – mas sim um local onde as vozes são ouvidas e alicerçadas em berços de heranças.

Em outras palavras, o que se vê é um tempo precioso concedido pela sociedade para criar, nesse intervalo, a oportunidade que é traduzida para além de um mero diploma e que, em um cenário repleto de silenciamento ou infantilização, é impossível.

Por fim, talvez um dos maiores ensinamentos de Oakeshott, apontados também por Lukianoff e Haidt, seja, grosso modo, que, mesmo com as dificuldades em integrar o mundo complexo de conhecimento, nas nossas universidades, é preciso menos ataques e mais convites às conversas. Preferencialmente, não qualquer conversa, nem de qualquer modo, mas uma baseada em experiência, cultura e conhecimento.

Referências

Oakeshott, M. A voz da educação liberal na educação. Ed. Âyiné, 2020.

Lukianoff, G., Haidt J. The Coddling of the American Mind. The Atlantic, 2015.

Imagem: ocupação de estudantes na Universidade de Missouri – Columbia – 2015 (Mikala Compton/Wikimedia Commons)

Sobre o autor

Rayanne Honorato

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisadora do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.