O declínio do engajamento político é um bom começo, mas ainda temos um longo caminho pela frente. Nós deveríamos torcer por menos participação ainda, não mais. Idealmente, a política deveria ocupar somente uma pequena porção da atenção de uma pessoa comum. Idealmente, a maioria das pessoas poderia ocupar os seus dias com pintura, poesia, música, arquitetura, escultura, tapeçaria e porcelanas ou talvez futebol, NASCAR, Tractor Pull, fofocas sobre celebridades ou idas ao Applebee’s. A maioria das pessoas, idealmente, não deveria se preocupar de nenhum modo com a política. Jason Brennan, Against Democracy. Princeton: Princeton University Press, 2017, p. 3.
A política que se faz profissionalmente tem a si mesma como uma finalidade e objetivo. Faz-se política por se fazer política. Não há nada mais fora disso. Mas sendo o meio que por excelência, não deseja ser percebido em relação ao que de fato é: a política se disfarça de ferramenta para que algo seja alcançado, uma meta ou objetivo que agrupa ou não os que se deixam enganar pela camuflagem.
No melhor dos mundos, o fazer político consegue se passar por necessário e alguns até são convencidos de que exista uma boa ou uma má política. Nesse contexto, igualmente, chega-se ao ápice quando há polarização o bastante para que quase tudo seja politizado. Digo isso em especial, uma vez que quase não deixamos de tocar nos temas que resvalam mais diretamente nas ideologias A, B ou C. Esqueçam aqui direita e esquerda por um minuto, tempo o bastante para notar que um lado necessita do outro inclusive para obter as suas credenciais de legitimação.
Interesses não têm cores ou bandeiras e são apenas o que são: interesses.
Os tempos mais felizes para quem vive da política são exatamente aqueles em que não se passa quase que nenhum instante em que ela não seja lembrada ou sem que repercuta. Nesse sentido, o “falem bem ou mal, mas falem de mim” se torna um verdadeiro mantra. Se roupas, símbolos, animais, esporte, músicas, gênero, raça, filmes ou comidas ganham atributos ideológicos e são assimiladas como mensagens políticas, e se nos encontramos numa situação em que sequer nos damos conta disso, quase nada consegue ter vida própria fora dessa condição. Esse é o melhor cenário para os profissionais da área e o pior para todos os que não o são.
Os rumores, boatos, ressentimentos, inveja e ódio sempre foram capazes de contribuir para a perpetuação da política miúda, aquela que oferece balizas para os políticos assalariados. De novidade, a internet trouxe a configuração digital da cizânia das vilas e da invasão de privacidade a partir das casas com janelas para a rua. A atenção acidiosa, ocupada pela política nas redes, faz vibrar os estrategistas políticos que veem uma oferta incomum de perspectivas e horizontes abertos para a terraplanagem. A selvageria à solta nas redes sociais se traduz em consenso para a política que se faz e que se sente em casa, quando nela há violência. É preciso imaginar os escravos da caverna de Platão manifestando livremente o seu ódio em relação às pequenas coisas do cotidiano mais prosaico: a matéria-prima do fazer político.
Perdendo ou se afastando da percepção de que na política não se tem um lado ou outro – mas um só que se legitima por ser notado como dois –, chegamos ao ridículo de se supor que existam virtudes nessa arena. É assim que a política se aproxima da geração espontânea e colhe seguidores que se pensam idealistas, mas que na verdade já possuem uma disposição prematura para o pragmatismo, ou, dito de maneira direta, possuem estômago para tanto.
Pode-se criar empatia pela política quando nos servimos da metáfora da guerra. Mais especificamente, quando identificamos a possibilidade de respeito mútuo entre os inimigos. Para os que gostam, a admiração entre os guerreiros se torna uma moldura bem edificada da organização do caos a partir do reconhecimento recíproco. Diz-se então que se travou uma boa luta. Saliente-se aqui que essa percepção somente dá o ar de sua presença quando dos necrológios, isto é, quando eles são possíveis: há um nível de sordidez contra a qual até a política se volta, justamente pela necessidade de reforçar a sua existência.
O melhor dos modos de governo para a política e para os políticos é a democracia. Estabelecendo-se como vinculada às virtudes, ao bem, a democracia legitima o fazer político de qualquer espécie e nela somos lembrados o tempo todo de sua existência. Pode ser um preço que se paga por essa legitimação ou o cenário pré-fabricado para somente dar lugar à política.
Deixemos para outro momento a reflexão sobre a aproximação entre virtude e bem com a política, uma verdadeira lenda urbana. Adiantemos somente que qualquer investida que seja justificada pela perspectiva de chegada ao que de melhor o ser humano possa ser parece destinada ao fracasso. Mas como é quase impossível pensar em algo que seja melhor, ficamos e permanecemos com o que temos, aproximando-nos aqui da tão mencionada frase de Winston Churchill sobre a democracia, quando em comparação com os outros sistemas de governo.
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