
A sensação ansiosa de um futuro que se aproxima, de ameaças iminentes e da escassez de tempo, é a antítese da crença moderna em um futuro aberto e indefinido. Nas décadas de 1950 e 1960, essa ansiedade era acentuada. Para Huxley, a sensação de presságio centrava-se na manipulação do indivíduo no Estado moderno e na sociedade de consumo – o declínio da liberdade e do desejo por ela. Estados que lidavam com populações em rápida expansão desenvolviam novas técnicas de controle, enquanto a indústria da publicidade vendia fantasias de realização pessoal a consumidores despreparados para resistir. White, Jonathan. In the Long Run: The Future as a Political Idea. New York: Profile Books, 2024, pp. 155-156, Kindle Edition.
Sempre serão bem-vindas as pesquisas cujos resultados venham a relativizar o que tomamos como verdades absolutas. Ideias e contextos mudam e com eles também se inauguram expectativas com o que parece ser uma novidade, mas que de fato não o são. Orientados para o futuro e o que já aconteceu tende a permanecer num lugar de restrito acesso, quase que somente ao nível do pessoal e venha a provocar emoções. Nessa época de final de ano – um acordo tácito que tem demonstrado alguma persistência– o passado costuma ser recuperado ao gosto dos dramas latinos. Trata-se de um contato padronizado, pronto para o esculacho das festas que se aproximam.
Mais rebeldes ao tratamento se encontram aqueles objetos que fazem tanto parte do senso comum que até parece que sempre foram assim, imunes a qualquer tipo de mudança, se é que vocês me entendem. Jonathan White na obra A longo prazo: o futuro como uma ideia política (tradução minha de um título não publicado em português) se dispôs a encaminhar essa reflexão. Diga-se que não se trata de um estudo sobre as diferentes apropriações do futuro como meio de demonstrar o nosso potencial criativo. Ao inventariar as expectativas em relação ao que ainda não aconteceu, White aprofundou o diagnóstico de crise da democracia contemporânea.
Em vista disso, o autor teve como ponto de partida o percurso revolucionário do século XVIII, uma vez que ali se encontra a gênese do futuro enquanto um lugar imaginado e compartilhado pelas lideranças políticas e intelectuais para o povo que então se manifestava. Mesmo que a obra não dê oportunidade para tanto, é lembrado que tal orientação não existia em tempos anteriores, de tal modo que o futuro nunca foi uma preocupação da ordem da metafísica política na idade média ou na antiguidade, uma vez que enfrentar o presente já era o suficiente.
Foi na era das revoluções que o futuro ganhou valor como moeda política cujo destaque se deu na manifestação da confiança a curto ou longo prazo. Assim, as propostas encabeçadas pelo liberalismo buscavam lastrear a credibilidade num futuro mais distante e as de esquerda, comercializavam no atacado, prometendo a felicidade que morava ali ao lado. Nesses tempos, o autor identifica um futuro aberto, ou seja, era possível abstraí-lo como realização de uma utopia ou não. Sendo esse o instante da gestação da concepção moderna de democracia, é natural que nos deparemos com indicações sobre o reflexo dessas expectativas políticas no presente e no cotidiano de algumas nações, claramente aquelas que depositaram seus ideais coletivos na organização de um tipo específico de monopólio do poder.
A alternância dos partidos políticos, uma fórmula presente na configuração da democracia moderna, não parecia ter conhecido o tédio que hoje se percebe. Escolhas e mandatos legitimados pelo voto popular não eram notados como decisivos ao ponto de poderem promover o fim da democracia. E não se tomava igualmente o futuro como anunciador do fim dos tempos. Interessante nesse caso é notar que a Guerra Fria tenha tornado o futuro secreto, de tal maneira se supunha que ele pudesse vir a ser manipulado por um lado ou por outro. Levemos em consideração que nesse momento, qualquer crítica à democracia seria compreendida como uma opção pelo ataque ao ocidente. Além disso, até mesmo o declarado fim do mundo na crise dos mísseis em 1962 não esgotou a imaginação de alternativas possíveis.
Nada disso encontramos no século XXI. Somos envolvidos pela emergência de um futuro de escassez de recursos, dominados pelas Big Techs, pela realidade criada pelas inteligências artificiais e exibindo o mais profundo descrédito para com a democracia. As eleições periódicas já não mais nos mobilizam na mesma medida em que no passado e as alternâncias de poder já não nos cativam pela possibilidade de ofertarem inovações.
Estando a nossa capacidade de imaginar o futuro enfraquecida, White termina por compor um cenário dramático, isto para dizer o mínimo. Para o autor, “a rejeição da necessidade de que as coisas devam proceder de uma mesma maneira é o núcleo do princípio democrático” e é isso que hoje nos falta. Contudo, como depender da imaginação e depositar expectativas positivas na criação de alternativas políticas? A resposta do autor se aproxima de uma constatação de Alexis de Tocqueville, por ele citada: “é essa percepção clara do futuro, fundada no esclarecimento e na experiência que faltará frequentemente à democracia. O povo sente muito mais do que pensa”.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

