O Vazio Existencial na Contemporaneidade

Fenômeno do amor – Terceiro Ato: Atitude de Amor, o que é?

[Leia também: Primeiro Ato e Segundo Ato]


O amor, em sua forma genuína, não coaduna com o sentido dado pelo Romantismo – a idealização do relacionamento romântico –, tampouco compactua com a breve fricção entre corpos. Por conseguinte, a atitude de amor não pode ser resumida em cinco linguagens (CHAPMAN, 2013), pois palavras de afirmação; tempo de qualidade; presentes; atos de serviço; e toque físico podem, guardadas as proporções, ser caminho para a Vontade de Poder (JUNG, 2013), em que tais expressões tornam-se desculpas para condicionar os parceiros a um fim do qual o amor é apenas um meio.

Dito isso, eis a pergunta que paira no ar: o que é amar? Pautando-se em Viktor Frankl (2010), sabe-se que o relacionamento sexual é uma atitude corporal que, sozinha, quase nada pode fazer em prol do amor. Afinal, a prática sexual começa com certos desejos ou necessidades fisiológicas e se encerra ao som de um último gemido. A atitude erótica povoa a psique de cada um e, se psicologicamente não for habitada por bons elementos, fatalmente a relação se pautará em comorbidades, que, apesar de estruturantes para o relacionamento, irão gerar a destruição de cada parceiro, pouco a pouco, visando uma atitude de amor falseada. Ou seja, todas as formas mais relatadas em portais de notícias, jornais, televisão, clínicas terapêuticas, grupos de apoio e redes sociais não expressam o que de fato é a atitude de amor.

Isso acontece porque, cada vez mais, as pessoas têm tido dificuldade de alcançar tal experiência de vida. Já faz bastante tempo que não se ouve alguém encontrar um “sentido de vida no amor” por um motivo: há muita dificuldade de encontrar um sentido de vida. Logo, se já é ‘difícil’ achar um sentido, quiçá achar um sentido de vida no amor.

Segundo Frankl (2010, p. 80), o ser humano carrega dentro de si a vontade de sentido, ele aspira uma plenitude de existência. Todavia, a vontade de ter um sentido de vida não tem resiliência o bastante para suportar as intempéries do mundo, fazendo com que muitos indivíduos fiquem à deriva. Ele afirma que “onde tal vontade de sentido ficou irrealizada, tenta o homem anestesiar essa incompleteza interior e inebriar-se de satisfação instintual” (FRANKL, 2010, p. 80). Dito de outra maneira, onde o sentido não se realiza, o ser humano estagna.

Indubitavelmente, poucos poderão alcançar o sentido de vida na atitude de amor. Frankl (2010, p. 78) aborda essa atitude como atitude de caráter espiritual, já que nesse momento o amador não se encanta por qualidades ou atributos físicos ou psicológicos da pessoa amada. Mais do que isso, o amador vê na pessoa amada: “sua singularidade e […] sua unicidade, que se encontra por detrás de todas as qualidades e características” (FRANKL, 2010, p. 78). Trata-se de uma relação dialético-sintética na qual ambos os parceiros constroem juntos o amor, ocupam-se da singularidade e unicidade de cada um e são capazes de “dizer tu para seu companheiro” (FRANKL, 2010, p. 78). O significado de amar é reconhecer o valor intrínseco da pessoa amada, “ver o seu poder-ser e o seu dever-ser” (FRANKL, 2010, p. 78). Em outras palavras, descobrir a realidade in potentia da cousa amada.

O verdadeiro amor, pelo contrário, faz com que o homem veja com mais nitidez e em profundidade. Ele o torna clarividente e o faz profético. Ver, portanto, as potencialidades valorativas do ser amado implica ver também o que haja ultrapassado os limites da mera possibilidade (FRANKL, 2010, p. 79)

Pautando-se na afirmação acima, talvez seja um ato homérico ter que enxergar com “nitidez e profundidade” no contexto histórico atual. O amor não é vivenciado por conta desses predicados, ou, quando é vivenciado, torna-se superficial, passível de ser adquirido por um bom preço.

Entende-se que ultrapassar tais barreiras causa medo, especialmente para o amador. No momento em que ele adentra o mar de potencialidades da pessoa amada, inusitadas descobertas acontecerão, inevitavelmente. O mundo, segundo Bauman (2004, p. 8), carregado de individualização, pode tornar essa atitude de amor uma experiência entre ‘sonho e o pesadelo’, pois certas potencialidades podem diluir um relacionamento em questão de segundos – por isso Bauman cunhou o termo “amores líquidos”. Frankl, provavelmente, rebateria tal argumentação, por conta da sua experiência de vida.

Poucos, assim como Frankl, estariam dispostos a encarar o ‘pesadelo’ que pode surgir ao ver as potencialidades valorativas do ser amado de forma a ultrapassar “os limites da mera possibilidade” (1990, p. 70). Esse pesadelo não configura uma deturpação patológica, moral, ética ou financeira na relação – pois essas são questões destinadas à atitude sexual e à atitude erótica. O tormento que pode advir da atitude de amor é o fim da relação. Uma vez que a atitude de amor encontra o cerne espiritual do seu companheiro, por que terminar?

Como dito, descobrir potencialidades na pessoa amada, que não fazem sentido para si, pode ser instigante e causador de transformações. O fenômeno do amor é, em última instância, sinônimo de liberdade. Ama-se, não pelo que se tem, e não somente pelo que se é, mas pelo que se pode vir a ser. Amar é descobrir e construir com o outro aquilo que ele é em si mesmo, mesmo que isso signifique um adeus, pois você ama o outro, independentemente de onde ele estiver.

Referências Bibliográficas

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar, 2004.

CHAPMAN Gary. As cinco linguagens do amor: Como expressar um compromisso de amor a seu cônjuge. 3ª edição. São Paulo, SP: Editora‎ Mundo Cristão, 2013.

FRANKL, Viktor E. Psicoterapia para todos: uma psicoterapia coletiva para contrapor-se à neurose coletiva. Tradução de Antônio Estevão Allgayer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

______________. Sede de sentido. 3ª ed. São Paulo, SP: Quadrante, 2003.

______________. Um sentido para a vida: Psicoterapia e Humanismo. 11ª ed. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2005.

______________. Psicoterapia e sentido da vida. 5ª edição. São Paulo, SP: Quadrante, 2010.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente / C.G. Jung. Tradução de Maria Luiza Appy. Obra Completa 7/1. Edição digital. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

Imagem: A Vitória de Eros (Angelica Kauffmann/1750 – Metropolitan Museum of Art)

Sobre o autor

Kalmy Vieira

Graduado em psicologia e marketing, MBA em administração e marketing e pesquisador do grupo “O vazio existencial na contemporaneidade e as possibilidades de realizar sentido” do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.