Uma forma cômoda de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como se morre. Na nossa pequena cidade, talvez por efeito do clima, tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Isto é: aqui, as pessoas se entediam e se dedicam a criar hábitos. Nossos concidadãos trabalham muito, mas apenas para enriquecerem. Interessam-se principalmente pelo comércio e ocupam-se, em primeiro lugar, segundo a sua própria expressão, em fazer negócios. Albert Camus. A peste. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003. (original de 1947).
Vamos falar hoje sobre um tema que seguramente já foi percebido: a economia dos likes do Instagram. Economia, aqui, entendida como um complexo que envolve oferta e procura e comportamento a partir da única moeda possível nesse contexto: o like. Sendo que as postagens no feed podem ser vistas por seus seguidores ou não – se assim você autorizou. Já nos stories, uma vez que a pessoa tenha clicado, o seu nome vai invariavelmente aparecer. E esse é um aspecto central nessa economia reveladora de atitudes ancestrais.
Isso posto, dá para notar alguns comportamentos que chamam a atenção. Um deles é não seguir uma pessoa que segue você. Um caso interessante que pode ser lido como falta de interesse recíproco. Mas também pode ser que não se deseje conceder engajamento àquela pessoa. Quanto menos se comentar, melhor e, nesse caso, nem a possibilidade do like existe. Sempre pode-se passar a imagem de desligado, mesmo que essa perspectiva seja difícil, considerando que indivíduos que importam são seguidos, como é o caso do seu chefe ou daqueles que fazem parte da sua panelinha. Faça esse exercício, por curiosidade, e consulte quem são os seguidores de uma pessoa que você julgue ciosa das “boas maneiras” nas redes sociais ou de quem você segue sem reciprocidade.
Um outro tipo de comportamento dentro dessa economia é aquele em que a pessoa leu o que você postou no feed, pegou para si a sua ideia, mas jamais revelará a fonte para não encher a sua bola. Essa atitude é mais perceptível quando você toma contato com algo que já disse, mas sendo então apresentado por outra pessoa em outro momento. Ideias podem ser livremente plagiadas quando elas não são de alguém muito conhecido, um intelectual famoso, por exemplo. Fora disso, esqueça. Há um mutismo nessa prática, que parte do princípio de que o melhor é nem citar o nome do desafeto para que ele não seja ventilado.
Esses comportamentos podem ser encontrados em qualquer situação que envolva disputa de espaço de sobrevivência, ainda que se diga que não é isso, em hipótese alguma. Faz parte do papel, aqui, sempre passar a ideia de que se é urbano, mesmo porque as opiniões, quando colocadas, estão sempre do lado do bem, do socialmente aceito.
Nada de diferente, de fato, é notado. Nada. Nenhuma ideia. As abordagens são um tédio de semelhantes e esses seres, de fato, parecem odiar o pensamento. Por isso somente permanecem com o sempre visto e ouvido. Lido já dá mais trabalho, muito embora exibir livros tenha se tornado uma trend desses amigos da justiça. Mas, podemos supor aqui, o que se ganha com isso?
Muito pouco ou quase nada. O que mais se configura é a pequenez da atitude e o seu provincianismo. O que se revela é uma grande insegurança e o medo de ser deixado para trás na luta pela sobrevivência. É por isso que cálculos mesquinhos são feitos em relação a quem se segue ou não ou para quem vai o seu like. Tais situações são indícios da pobreza de espírito que costuma assolar os espaços que perderam a sua razão de ser e que logo serão esquecidos.
Dá para ser bem cruel parecendo muito educado. O animal político se adapta bem a essa situação. Ainda mais hoje, quando os deslizes são farejados com precisão. Melhor então permanecer no zero a zero, sem qualquer tipo de ousadia. Pode-se sempre aproveitar o que todos estão dizendo e até aparentar ser um cara antenado, contanto que não haja excessos.
Mas em que situações os comportamentos aqui listados podem ser notados? Exatamente nos momentos de polarização política. Sendo que ambos os lados do tabuleiro agem de modo bem parecido, buscando o respaldo no seu grupo, especialmente quando há chancela superior. Em alguns espaços, parecer de esquerda pega bem, em outros não. O mesmo podendo ser percebido em relação à direita. Não há grande dose de convicção, até mesmo porque a república e seu funcionamento é algo ignorado no Brasil. A história, então, nem se diga. Recuamos no máximo à década de 60 e sempre a partir dos mesmos mediadores. Pesquisar o passado dá muito trabalho e há que se conviver com o relativismo e a incerteza.
É claro que o que se disse acima não é válido para todos os seguimentos, ajustando-se mais especificamente àqueles em que o pensamento se constitui em capital simbólico. E aqui também notamos diferenças entre o que ocorre no nosso país e em outros. Quanto maior a privação, maior a persistência dessas práticas, uma das razões da permanência de hábitos coloniais entre nós. De fato, poucos são interessados na alteração desse quadro e, no mais das vezes, postar por aí que é isso que se deseja funciona mais como suporte para a sua permanência do que verdadeiramente como uma ambição real e prática.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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