O presépio, manifestação do mistério
O ano litúrgico se inicia no tempo do Advento, que é o tempo de preparação para a celebração do Natal. A representação iconográfica deste tema, que também costumamos chamar de Natividade, remonta aos primeiros séculos do cristianismo. A Natividade é a cena anunciada pelo Evangelista Lucas (Lc 2, 10), uma grande alegria ao mundo.
O presépio, por sua vez, é um pouco mais recente: atribui-se a ideia de fazê-lo a São Francisco de Assis. Sabemos, contudo, que o presépio já existia na sua época (o presépio já pertencia aos hábitos de festas nas catedrais romanas e outros lugares); o seu presépio, porém, foi o ponto alto da pregação, proporcionando a manifestação do nascimento de Jesus, seus sofrimentos e morte.
A especificidade franciscana, portanto, é que em sua representação Jesus não era fantasia, romantismo. A dimensão explorada aqui é aquela que une o nascimento de Jesus ao mistério litúrgico. Para ele, Jesus é o Filho de Deus que se une ao tempo e à criação que é boa (Gn1,25). Francisco trouxe, então, o acontecimento do passado para o presente. No centro da liturgia está a anamnese, a memória da Encarnação, o encontro do Filho de Deus com a humanidade.
A Encarnação é o grande Mistério de Deus revelado. Na Encarnação, “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Se pudermos falar em uma diferença substancial entre o cristianismo e outras religiões, ela envolverá, certamente, a novidade essencial de que no cristianismo Deus se fez Homem.
Cristo, nascido sob o reinado do imperador Augusto e morto sob Pôncio Pilatos, viveu como homem uma vida colocada no espaço e que se desenvolveu no dinamismo do tempo. Mas, inseparavelmente unida à Palavra de Deus, toda a sua personalidade, com todas as suas ações, participou da eternidade de Deus. Sua carne humana é divina, divina e eterna. Por isso, não apenas acreditamos em Deus, mas também em Deus-Homem. Deus e o homem como revelados em Jesus Cristo são parte de nossa crença.
De fato, no Credo professamos: “Creio em um só Deus… em um só Senhor Jesus Cristo… por nós, homens e para a nossa salvação, desceu do céu e, pelo poder do Espírito Santo, encarnou-se no seio da Virgem Maria e se fez Homem”.
No presépio de Greccio, Francisco colocou o boi e o asno; convocou também alguns frades e o povo, mas a manjedoura estava vazia – sem o Menino-Deus – porque, no Natal, Ele deve nascer no coração de cada um. Este é o verdadeiro presépio![1]
Contemplando os símbolos da Natividade
Para contemplarmos melhor os símbolos que perpassam este tão belo acontecimento, gostaria de abordar o ícone da Natividade, conforme a figura 1 (abaixo).
Figura 1: Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiacov, Moscou. Andrei Roublev.
O ícone da Natividade de Cristo tem dois aspectos fundamentais:
- Revela a própria essência do evento, o fato imutável da Encarnação de Deus; nos coloca diante de um testemunho visível do dogma fundamental da fé cristã, salientando por seus detalhes tanto a Divindade quanto a natureza humana do Verbo que se fez carne.
- Mostra o efeito desse evento sobre a vida natural do mundo, dando-nos como que uma perspectiva de todas as suas consequências.[2]
Figura 1a: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Figura 2: Natividade. Detalhe do teto da Igreja de São Martinho. Século XII. Zillis, Suíça [crédito: Renzo Dionigi]
Do ponto de vista do significado e composição, o centro do ícone, ao qual todos os detalhes se relacionam de uma forma ou de outra, é o Menino Deus envolto em faixas, deitado na manjedoura, como podemos observar nas figuras 1a e 2. O ícone (1a) ainda destaca como cenário de fundo a caverna escura onde Ele nasceu. Segundo São Máximo, o Confessor (580-662), “A Encarnação é o centro ao qual convergem todas as linhas do cosmo, por isso, as primeiras imagens da Natividade colocavam em evidência a manjedoura de Jesus.”[3]
A manjedoura e as faixas são mencionadas no Evangelho de Lucas (2, 7): “e envolveu-o em faixas, e deitou-o numa manjedoura”. Elas ainda são o sinal distintivo dado pelo anjo, pelo qual os pastores deveriam reconhecer o Menino, seu Salvador: “Isto vos servirá de sinal: achareis o bebê envolto em faixas e posto numa manjedoura.” (Lucas 2, 12). O tropário[4] nos diz que a manjedoura era a oferta do deserto à Criança Divina. O significado desta oferta é revelado nas palavras de São Gregório de Nazianzo: “Curva-te diante das manjedouras através das quais tu, que eras mudo, és formado pela Palavra”[5] (isto é, você cresce, alimentado pelo pão da Eucaristia). A manjedoura antecipa, ainda, a dimensão eucarística: ela é o lugar aonde os animais voltam sempre para se alimentar; por isso, Jesus nasce e ali aninhado já antecipa que se dará em alimento no sacramento da Eucaristia.
Nos deparamos, ainda, com os animais: tradicionalmente um boi e um asno. Os Evangelhos não falam deles. No entanto, em todas as imagens da Natividade de Cristo, eles estão próximos à Criança Divina. O lugar deles, no centro do ícone, aponta para a importância dada pela Igreja a esse detalhe. É nada menos que o cumprimento da profecia de Isaías (1, 3), que tem um significado instrutivo muito profundo: “O boi conhece o seu possuidor, e o asno, o estábulo do seu dono; mas Israel não conhece nada, e meu povo não tem entendimento”. Pela associação entre o nascimento de Jesus e a profecia de Isaías, simbolizada pelos animais, somos chamados ao conhecimento e à compreensão do Mistério.
No ícone, ainda tomamos conhecimento da gruta, local da Natividade, citada no evangelho apócrifo de Tiago, 18,1[6]. A montanha representa um dos lugares privilegiados das Sagradas Escrituras para as revelações de Deus, enquanto a gruta é o ponto mais baixo da kenosis[7] divina, pois a escuridão é o símbolo do pecado. Jesus nasce nesse lugar sombrio, aquecido pelos animais, porque veio assumir para si o mal do mundo.
Em uma homilia de São Gregório de Nazianzo encontramos uma comparação feita entre o nascimento de Cristo em uma caverna e a luz espiritual resplandecendo na sombra da morte que envolve a humanidade. A abertura negra da caverna no ícone é, em seu significado simbólico, precisamente este mundo, atingido pelo pecado devido à falta do homem, no qual “o Sol da justiça” resplandeceu.[8]
Figura 1b: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Por fim, vale notar que o cenário do evento é o deserto (figura 1). Trata-se, nesse caso, de um lugar vazio e desabitado, que ofereceu refúgio ao Salvador, que desde Seu nascimento o mundo não aceitou, foi o cumprimento da prefiguração do Antigo Testamento – o deserto onde o maná, símbolo da Eucaristia foi dado. Aquele que tinha feito chover maná do céu – sobre o povo judeu, Ele mesmo tornou-se o pão da Eucaristia – o Cordeiro, colocado sobre o altar, cujo símbolo é a manjedoura trazida pelo deserto do Novo Testamento como uma oferta ao Menino-Deus.
Caverna, manjedoura, vestes de faixas – são indicações da kenosis da Divindade, de Seu abaixamento, da total humildade d’Aquele que, invisível em Sua natureza, torna-se visível na carne pelo bem do homem, nasce em uma caverna, é envolto em vestes de faixas, assim prefigurando Sua morte e sepultamento, o sepulcro e as vestes funerárias.[10]
A Mãe de Deus
Olhando para o ícone da Natividade de Cristo, a primeira coisa que chama nossa atenção é a posição da Mãe de Deus e o lugar que Ela ocupa. Nesta “festa de recriação”, Ela é “a renovação de todos os nascidos na terra”, a nova Eva. Assim como a primeira Eva se tornou a mãe de todos os seres vivos, também a nova Eva se tornou a Mãe de toda a humanidade renovada, deificada através da Encarnação do Filho de Deus. Ela é a mais elevada ação de graças a Deus, que o homem, dentre todos os seres criados, traz para o Criador. Com esta oferta na pessoa da Mãe de Deus, a humanidade caída dá o consentimento para sua salvação através da Encarnação de Deus.
Figura 1c: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiacov, Moscou. Andrei Roublev.
Este papel da Mãe de Deus é enfatizado graficamente, destacando-se entre as outras figuras por Sua posição central e, às vezes, por Seu tamanho. Ela está deitada próxima ao Bebê, mas comumente já fora da caverna, em uma cama, do tipo daquelas que os judeus levavam consigo em suas viagens. A postura da Mãe de Deus é sempre cheia de profundo significado e está imediatamente conectada com questões dogmáticas, que surgiram em diferentes épocas ou lugares. As alterações dessa postura enfatizam, de acordo com a necessidade, ou a natureza divina ou a natureza humana do Salvador.
Assim, em algumas imagens, Ela está meio sentada (figura 3), o que aponta para a ausência no caso Dela dos sofrimentos habituais e, portanto, para a natureza virgem da Natividade e a origem Divina do Menino Deus (contra o erro nestoriano[11]). Mas na grande maioria das imagens da Natividade de Cristo a Mãe de Deus está deitada, mostrando em Sua postura uma grande lassidão, que deve lembrar aos que oram acerca da natureza indubitavelmente humana do Bebê, “a fim de que não se suspeite que a encarnação seja uma ilusão”, como afirmavam os hereges (como é o caso na figura 1 e 1c).
Figura 3: Ícone da Natividade. Michael Kapeluck. Ucrânia. Século XXI. [crédito: The Ukranian History and Education Center]
Testemunhas da Encarnação
Ao redor do grupo central – a Criança Divina e Sua Mãe – estão reunidos todos os detalhes que, como já dissemos, testemunham a própria Encarnação e seus efeitos sobre todo o mundo criado.
Os anjos realizam um serviço duplo: eles glorificam e trazem as boas novas. Em um ícone, isso é normalmente expresso pelo fato de alguns deles voltarem-se para cima e cantarem glória a Deus, outros se inclinarem para baixo, para os homens, a quem trazem as boas novas (figura 1d).
Figura 1d: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Nas figuras 1e e 1f, encontramos os pastores e os “magos”, respectivamente. Cada grupo fica de um lado da caverna. Os pastores são mostrados ouvindo a mensagem dos anjos; e muitas vezes um deles está tocando flauta, adicionando assim arte humana – música – ao coro dos anjos. Do outro lado da caverna estão os magos, guiados pela estrela. Eles são representados como caminhando ou, como no ícone Andrei Roublev, cavalgando com presentes. De um lado estão os pastores – homens simples, rejeitados pois eram impedidos de entrar no templo pela má reputação, mas com os quais o mundo do alto entra em comunicação diretamente, em meio à vida cotidiana deles de trabalho –, do outro estão os magos – homens do saber, que têm que realizar uma longa jornada a partir do conhecimento do que é relativo ao conhecimento do que é absoluto, através do objeto que eles estudam.
Nos pastores, os primeiros filhos de Israel a adorar o Bebê, a Igreja vê o início da Igreja judaica, e nos magos – “o início das nações” – a Igreja dos pagãos. Na adoração por estes magos, a Igreja testemunha que aceita e santifica toda a ciência humana que conduz a ela, desde que a luz relativa da revelação não-cristã traga aqueles que a servem para a adoração da luz absoluta. Deve-se notar que os magos são representados como tendo idades diferentes, o que enfatiza o fato de que a revelação é dada aos homens independentemente dos seus anos e experiência mundana. Outro fato a ser observado é a presença dos cavalos ao invés de camelos, que os russos não conheciam (figura 1f).
Figura 1e: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Figura 1f: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Nos deparamos, ainda, com um longo raio da estrela que aponta diretamente para a caverna (figuras 3a e 1g). Este raio conecta a estrela com uma parte da esfera que vai além dos limites do ícone – uma representação simbólica do mundo celestial. Dessa forma, o ícone mostra que a estrela não é apenas um fenômeno cósmico, mas também um mensageiro do mundo do alto, trazendo as novas notícias sobre o nascimento d’Aquele que é “celestial sobre a terra”. É aquela luz que, de acordo com as palavras de São Leão Magno, estava escondida aos judeus, mas que resplandeceu para os pagãos.[12]
Figura 3a: Detalhe do Ícone da Natividade. Michael Kapeluck. Ucrânia. Século XXI. [crédito: The Ukranian History and Education Center]
Figura 1g: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
Em um canto inferior do ícone, duas mulheres estão lavando a Criança (figura 1h). Esta cena é baseada em uma tradição, que também nos é transmitida pelos Evangelhos apócrifos de pseudo-Mateus e pseudo-Tiago. As duas mulheres são as duas parteiras que José trouxe para a Mãe de Deus. Esse acontecimento da vida cotidiana mostra claramente que o Menino-Deus é como qualquer outra criança recém-nascida e está sujeita às exigências naturais da natureza humana. A cena do banho aponta para o batismo, uma vez que a bacia tem a forma de uma fonte batismal.
Figura 1h: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
José, o Justo
Outro detalhe enfatiza que na Natividade de Cristo “a ordem da natureza é superada” – e este é José.
Ele não faz parte do grupo central do Filho e Sua Mãe; ele não é o pai e está enfaticamente separado deste grupo. Diante dele, sob o disfarce de um pastor velho e curvado, encontra-se o diabo tentando-o. Em alguns ícones, ele é representado com pequenos chifres ou uma cauda curta. A presença do diabo e seu papel de tentador adquire um significado particularmente profundo em relação a esta “festa de recriação”.[13]
Aqui, com base na tradição, o ícone transmite o significado de certos textos litúrgicos que falam das dúvidas de José e do estado inquieto de sua alma. Este estado é expresso no ícone por sua atitude desanimada e é enfatizado pela abertura negra da caverna, que às vezes serve de pano de fundo para sua figura.
Figura 1i: Detalhe do Ícone da Natividade. Século XV. Galeria Tretiakov, Moscou. Andrei Roublev.
A tradição, transmitida também pelos apócrifos, relata como o diabo tentou José dizendo-lhe que um nascimento de uma virgem não é possível, sendo contrário às leis da natureza. Este argumento, assumindo formas diferentes, continua reaparecendo ao longo de toda a história da Igreja, sendo a base de muitas heresias. Na pessoa de José, o ícone revela não apenas seu drama pessoal, mas o drama de toda a humanidade – a dificuldade de aceitar aquilo que está “além das palavras ou da razão” – a Encarnação de Deus.
José está envolto em um manto verde, da cor da criação, porque ele é um descendente de Adão, filho da terra. Enquanto ele aponta para a mão em sua bochecha, ele está refletindo sobre o que aconteceu de extraordinário. Olha para o céu, para o verdadeiro Pai do Menino-Salvador, perguntando-se: «De onde vem este menino?». Sua hesitação representa as dúvidas de toda a humanidade, que acha difícil acreditar que o Filho de Deus possa nascer com uma genealogia humana. É preciso ouvir a fé para poder acolher esta criança e tornar-se sua guardiã. A fé de José – e a nossa – é necessária para que Jesus cresça e cumpra a sua missão de Salvador.[14]
Em alguns ícones, a Mãe de Deus é representada olhando para José. São diversas as possibilidades de olhar de Maria, aliás: em alguns ícones, ela olha para o Menino-Jesus “guardando em seu coração” as palavras sobre Ele (como na figura 3); em outros, olha diretamente diante d’Ela para o mundo externo (como na figura 1); e ainda olha para José como se expressasse por este olhar compaixão pelo estado dele (figura 4). Nisso o ícone ensina uma atitude tolerante e compassiva para com a descrença e a dúvida humana.[15]
Figura 4: Ícone da Natividade. Este é um ícone de propriedade pessoal da falecida Virginia M. Kimball. Foto: Patrícia Evans/ Catholic Digest
A criação
Por fim, convém perceber que toda a criação participa deste evento: as estrelas celestiais e as criaturas terrestres. Se antes de Cristo se pensava que todos nasciam sob uma estrela da qual dependia o seu destino, com Cristo a estrela submete-se a ele e serve como um indicador para mostrar o local do seu nascimento. Ou seja, Cristo nos liberta do determinismo cósmico. Não somos filhos da terra nem mesmo do acaso: somos filhos livres de Deus. Representando as criaturas animais estão o burro e o boi, os dois animais “proféticos”, mencionados por Isaías (Is 1,3). Como diz a liturgia bizantina, a terra oferece a gruta, os animais enviam seus representantes, a Virgem a humanidade.
A Redenção
A Encarnação de Cristo inaugura a nova História da ascensão dos homens e do cosmo na glória da divinização, como uma extensão da Encarnação à toda criação, a redenção universal. Por morte de cruz, desceu ao Hades para preencher de si mesmo todas as coisas, Cristo pôs fim às dores da morte, como diz São Basílio Magno na liturgia do Sábado Santo.[16] (RUPNIK; ŠPIDLÍK, 2010, 218).
Com o pecado original, há uma queda da natureza, que em Cristo é resgatada:
“Tenho para mim que os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com a glória futura que nos deve ser manifestada. Por isso, a criação aguarda ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus. Pois a criação foi sujeita à vaidade (não voluntariamente, mas por vontade daquele que a sujeitou), todavia, com a esperança de ser também ela libertada do cativeiro da corrupção, para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Pois sabemos que toda a criação geme e sofre como que dores de parto até o presente dia.” (Rm 8, 17-22).
A partir da Encarnação, a plenitude da divindade habita entre os homens no corpo de Cristo. N’Ele nossa humanidade entra em comunhão com o Pai. A partir daí o Reino vem a este tempo para fazê-lo passar para o tempo eterno, do cronos ao kairós. Cristo ressuscitado está dentro do nosso tempo, porque no momento de sua morte de cruz rasgou-se o véu do templo e abriu-se uma brecha na plenitude do tempo que leva o nosso tempo à sua consumação. Nesse sentido, Cristo está diante de nós, no futuro. A sua vida histórica, tão preciosa em si mesma, é o prelúdio de uma vida muito mais ampla, a do seu corpo – a humanidade redimida – ao longo da história do mundo. Assim, uma leitura atenta das Escrituras nos introduz na presença viva do Ressuscitado, o Redentor Universal, que nos mostra o nosso futuro, nos ajuda a garantir que o que vemos deixa o que ainda não vemos e nos contagia com o dinamismo que vem da escatologia. Compreendemos então por que os primeiros cristãos amaram a invocação de Maranathá e quiseram ser aqueles que têm pressa com desejo do advento, o dia do Senhor (cf. 2 Pd 3,12).[17]
O amor faz o mundo, Cristo transfigurou secretamente o universo. Este cosmos recordado recriado e iluminado nos é oferecido no mistério da Igreja. É o nosso enraizamento inexpugnável, não só celestial, mas terrestre, nossa terra celeste e nosso céu terrestre, a fonte de um pensamento eucarístico, o único capaz de dominar a revolução técnica.[18]
O ícone da Natividade nos revela em sua simbologia que tudo – a humanidade e o cosmo – é reconduzido até Cristo, o único Senhor.
Referências
CAMPATELLI, Maria. Leggere la Bibbia com i Padri: per una lettura credente delle Scritture. Roma: Lipa Edizione, 2009.
CLÉMENT, Olivier. Il senso della terra. Il creato nella visione cristiana. Roma: Lipa Edizione, 2007.
OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003.
PASSARELLI, Gaetano. Îcones: des grandes fêtes byzantines. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005.
PASSARELLI, Gaetano. Îcones: des grandes fêtes byzantines. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005.
ŠPIDLÍK, Tomás; RUPNIK, Marko Ivan. Una conoscenza integrale: la via del simbolo. Prima edizione, 2010. Roma: Lipa Edizione, 2018.
TOMMASO, Wilma Steagall De. A representação da Natividade na arte ao longo dos séculos. off-lattes, 22/12/2020. Disponível em: https://offlattes.com/archives/7180.
TOMMASO, Wilma Steagall De. Prefácio.In: Adriano Cézar de OLIVEIRA. São Francisco de Assis e o Natal: com obras de Marko Ivan Rupnik e Centro Aletti. Belo Horizonte: Espaço Frater, 2022.
[1] Cf. TOMMASO, Wilma Steagall. Prefácio.In: Adriano Cézar de OLIVEIRA. São Francisco de Assis e o Natal: com obras de Marko Ivan Rupnik e Centro Aletti. Belo Horizonte: Espaço Frater, 2022.
[2] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003, p.143
[3] Cf. Tomás SPIDLIK; Marko Ivan RUPNIK. La fede secondo le ícone. Roma; Edizione Lipa, 2017. 3ª Ed. p.35.
[4] Tropário: estrofe de origens antigas, que resume o mistério da festa ou as características do santo. É cantada na liturgia eucarística e repetida em todas as Horas do Ofício divino.
[5] Homilia 38. Sobre a Natividade. P.G. 36, 316 B
[6] PASSARELLI, Gaetano. Îcones: des grandes fêtes byzantines. Paris: Les Éditions du Cerf, 2005. p. 97.
[7] Kenosis: Palavra grega que significa “esvaziar-se”, “aniquilar-se”; encontrou seu significado cristão no texto da epístola de São Paulo aos Filipenses: “Mas aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz” (Fil. 2:7-8).
[8] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 144
[9] Homilia 38. Sobre a Natividade. P.G. 36, 316 B
[10] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 144
[11] O Nestorianismo foi uma doutrina proposta pelo Arcebispo de Constantinopla Nestório (428 – 431) que destaca as diferenças da natureza divina e humana de Jesus Cristo. A teoria, que também foi considerada heresia pela Igreja Católica, rejeita o título de Mãe de Deus (Theotokos) para Maria.
[12] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 146.
[13] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 146.
[14] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 146.
[15] OUSPENSKY, Léonide; LOSSKY, Vladimir. Le sens des icônes. Paris: Les Éditions du Cerf, 2003. p. 147.
[16] ŠPIDLÍK; RUPNIK; 2010, 218.
[17] CAMPATELLI, 2009, 209-210.
[18] CLÉMENT, p 126.