
Pretendo voltar à História do Brasil, mas sem gosto, como um boi que vai para o açougue. No prólogo de Fausto há um verso que sempre me comove: como Goethe, não terei o livro lido por aqueles que mais quisera. E além disso a questão terebrante: o povo brasileiro é um povo novo ou um povo decrépito? E os fatos idealizados pelo tempo valem mais que os passados atualmente? (Capistrano de Abreu, em carta enviada para Mario de Alencar em 1911.)
Eu sou historiador e, por isso, o passado me interessa. Ganho a vida pesquisando, escrevendo e falando de quem já morreu. Sinto-me à vontade em meio a isso e comparo esse sentimento com o de um antigo egípcio que acreditou que seria lembrado para sempre e que hoje tem no seu corpo no museu uma oportunidade para selfies.
Quando estava na faculdade, um professor dizia que um objeto de estudo começava a ficar interessante após se passarem cem anos. O presente nos distrai do que realmente importa. Ele é ruidoso, cheio de gente querendo aparecer e causar, sendo que muito poucos serão lembrados no futuro.
Faço um esforço cotidiano para me manter afastado dos acontecimentos políticos do Brasil. A última vez que me interessei pela política nacional foi no tempo da lava-jato, do impeachment de Dilma Rousseff e da chegada ao poder de Bolsonaro. Lia o que podia a respeito, assinei revistas e devorava tudo.
Hoje sei que nada daquilo era real. Vivi uma ficção como se fora história real. Até séries e documentários foram feitos sobre o caso que não era verdadeiro. Agora, quando abro um app de jornal, a política encabeça o fio de matérias. Ela somente perde esse espaço de cabeçalho quando acontece uma tragédia ou a morte de alguém muito conhecido. Do contrário, é política e mais política, o tempo todo, um verdadeiro tédio.
Quem poderia guardar na memória o caso das joias que ficaram na posse, no arquivo pessoal de um ex-presidente, o nome da pessoa que tinha dólares na cueca, do outro que tinhas milhões de reais na sala do seu apartamento, de quem tinha um sítio e um apartamento que não estavam em seu nome, mas que eram seus, do tesoureiro de campanha que pagava pela compra de roupas íntimas da primeira dama, da presidente que ia colocar um outro ex-presidente como ministro para ele ter foro especial, de um juiz que grampeou o telefone de um presidente, do empresário que usou escuta no corpo para falar com um presidente no estacionamento do palácio do planalto…
Penso de modo conspiratório e creio que se trata de um complô. A política tem protagonismo para que os políticos permaneçam em stand by, para serem sempre lembrados. Nesse meu viés, entendo que somos reféns da política e condenados a falar dela – mesmo porque na democracia somos obrigados a dar legitimidade a quem vai criar leis, impostos, mudar leis e governar, seja lá o que isso for, em meio à tantas abstrações.
Hoje fico sabendo que um novo processo está a caminho e que pode condenar quem antes ocupava o posto de presidente da República. Por que me aprofundar nesse assunto? Então, passa um filme em minha cabeça e vejo o julgamento em detalhes esmiuçados, vinhetas de abertura de matérias de TV sobre o caso, entrevistas com especialistas e tudo o mais. Juristas debatendo, item por item, os documentos e os indícios. Tudo o que posteriormente será anulado como prova. E não penso somente no que está acontecendo agora. Fernando Collor de Mello foi outro presidente deposto por impeachment e, depois, se provou que nada constava contra ele.
E quais as consequências desses não acontecimentos? Candidatos em exames vestibulares, enens, enades e provas do ensino médio reprovados ou que não conseguiram entrar em um curso superior. Livros de história que foram impressos e contribuíram para o aquecimento global. Discussões aguerridas que não serviram para nada. Pessoas que carteiraram os outros por exibir o seu conhecimento como se ele fosse um indicador do lugar em que os pobres e ignorantes devessem estar.
Convido vocês a pensar se a política no Brasil pode ser levada a sério. E pergunto se o melhor que poderíamos fazer é descrer dela a toda prova. Por aqui, a política é uma grife para os bem-nascidos ou uma necessidade para se ter água e luz em casa, não por direito, mas por compadrio. E se os políticos não contassem com o nosso aval ou aprovação? E se fizermos uma greve de política? E se nos ausentássemos todos em uma eleição? Faria alguma diferença ou continuaríamos a ser massa de manobra da galera política como sempre?
A democracia não corre risco algum em nosso país. Não porque gostemos dela ou a admiremos: alguns de nós que a defendem o fazem para sair bem na foto e democratas raiz são difíceis de se encontrar. Aqui, só se comporta assim quem vê alguma oportunidade de sobrevivência mais pragmática.
A democracia não corre risco por aqui porque ela é um bom negócio e torna a política uma condição compulsória para todos nós.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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