
É com destemor que a comunidade digital de nosso país vem opinando em assuntos que pouco ou nada conhece. Os aspectos históricos afeitos à erudição – o quando e o onde com profundidade temporal – são descartados uma vez que sequer se sabe que existiram. Somos capazes de assimilar que um tema remetido a algum tipo de reality show ou que envolva o circuito das celebridades venha a alcançar um público maior. No entanto, o Brasil não se destaca pelo interesse em acontecimentos internacionais, a não ser que eles repercutam algum tipo de tragédia de fácil assimilação.
Essa impressão não está somente fundamentada numa conjectura. Convido os interessados a dimensionar o que temos nas mídias – tradicionais ou não – que venha a alcançar espaço quando o assunto passa pela política que se faz no exterior. Leitores atentos e que apreciam a pauta internacional, bem sabem que devem buscar os órgãos de imprensa internacionais. A diferença e a distância são bastante palpáveis. Gaste um tempo na The Economist ou na Foreign Affairs e perceba que as matérias que ali se encontram são respaldadas pela procura de um público cativo. Já as pautas nacionais são mobilizadas pelos temas domésticos. É assim que, ao sabor do que possa vir a chamar a atenção do leitor, tomamos contato com a violência, as doenças endêmicas, os eventos naturais e esportes, contanto que fiquem dentro de nossas fronteiras.
É assim que, como muita surpresa, acompanhamos a lacração que se faz sobre acontecimentos internacionais complexos como esse que tem envolvido as comunidades das redes sociais e que tem a guerra entre o exército de Israel contra o grupo terrorista Hamas como foco. Claro que as bandeirinhas que são postas nas identificações pessoais do Instagram não contam uma vez que elas somente ajudam na elaboração do cenário que é de franca torcida por um lado do conflito.
Mas até aí, nada de novo, e somente pode ser que encontremos pessoas que aspirem por jogar para a sua galera, exibindo um flanco que conta com engajamento seguro. Mesmo assim, é com estranhamento que percebemos o desembaraço com que expõe um juízo como se o tema tivesse sido pensado com a devida e necessária dedicação. Mas até aí, poderíamos dizer que se tratam de eventos voláteis e afeitos às generosas trends que se espalham no contemporâneo.
Mas o que dizer de profissionais da área das humanidades, povo que aprende desde cedo a somente se pronunciar sobre um tema que domina e que deveria ter um grande cuidado em se manifestar sobre algo que nada entende? O que dizer de especialistas em áreas tão difusas quanto esportes ou gastronomia que se sentem à vontade para externar as suas opiniões como se essas fossem abalizadas?
Nada encontramos aqui de respostas, ao menos não em relação àquelas que venham a se remeter especificamente ao que foi perguntado. Mas nos deparamos com outros indícios, estes sim aproximados do objeto do comportamento político que tanto nos chama a atenção. Vejamos aqui um caso: o da pessoa que possui legitimidade institucional – ao menos indireta – para abordar o conflito entre Israel e o Hamas. Trabalha em alguma universidade ou atua na mídia como conteudista político. Digamos então que seja alguém que tenha “lugar de fala”, uma expressão recente e que – mesmo que tenha motivos para existir – pode também funcionar como um escudo protetor de críticas ou de considerações de quem não se encontra assim justificado.
Muito dificilmente, mesmo que se procure, não estamos no interior de um tipo de debate que possa se manifestar sem algum tipo de tensão uma vez que é de uma guerra que falamos. Mas é impossível deixar de levar em consideração os motivos que levaram à eclosão do conflito. Eu me refiro aqui ao 7 de outubro de 2023. Mulheres, feministas ou o público LGBTQIA+ poderiam se portar com distanciamento crítico perante o que veio a acontecer?
Se acreditamos que a beligerância de Israel se faz de modo cruel e se tomamos a crueldade somente como o que nos mobiliza com indignação, por que o mesmo não ocorre em relação às outras tragédias promovidas por nações distintas? A prática de fuzilamentos de quem se opõe ao governo iraniano mobilizou tanto as redes sociais? É como a mesma intensidade que a Guerra da Ucrânia nos sensibiliza e gera engajamento?
Perante tantas perguntas sem respostas eu retomo aqui o início, quando abordei a nossa ignorância sobre os conteúdos internacionais. É de se pensar por que alguns deles mobilizam um público maior e outros não. Mas, de todas essas manifestações destemidas e sem qualquer tipo de pudor, uma me chama a atenção. Eu me refiro aqui à apropriação fake de Kant em quem emite um juízo contra Israel somente parecer imparcial e magnânimo.
Sabe-se que o filósofo francês de origem judaica Henry Bergson (1859-1941) aproximou-se do cristianismo o bastante para desejar a conversão. No entanto, acompanhando o crescimento da onda nazista sob a égide de Hitler, não o fez para não abandonar aqueles que seriam destinados a um triste e trágico fim: imaginemos como sua escolha iria ser apropriada no contexto histórico que privava?
Em relação à guerra que ocorre – a qual lastimamos e desejamos que seja breve – podemos nos inspirar nessa atitude como indicativa da necessidade de mantermos a nossa reverência a um povo que historicamente a merece. Em relação à Israel e à comunidade judaica é previdente que pensemos com muito cuidado antes da emissão de um juízo e, mesmo assim, após um longo período de consternação.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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