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Do uso calculado da raiva na política

Área tomada por uma variedade de perspectivas conspiratórias, a política chama a atenção pela atuação de quem a faz, mas também pelo que suscita no comportamento do público que se rende a ela. Vista a partir do momento em que vivemos, não incorreríamos em erro se viéssemos a supor que a estrutura de comunicação nas redes sociais tenha sido estabelecida por intermédio e ação da política. Pois percebermos o quanto uma e outra se ajustam e se encontram em sintonia. É bem verdade que o que se desenhou no passado como um modo de operação política bem se ajustou ao que nos deparamos na internet. Com isso pretendo dizer que as redes sociais abrigam as manifestações de ódio, raiva e ressentimento, que juntas, ajudam a definir o que vem a provocar o engajamento, a mais desejada moeda no meio digital.

Raiva e política andam juntas na história uma vez que situações que costumam envolver um número maior de pessoas, num segmento social ou comunidade, são permeáveis aos acertos e decisões que passam por lideranças, sejam elas legítimas ou não. A política caminha com proximidade com o que vem a mobilizar as pessoas no entorno das aspirações, das frustrações ou da percepção de que alguns tenham sido privilegiados e outros deixados para trás. No entanto, outros temas possuem fortes elos entre a política e o que vem a estimular as manifestações de ódio. E dentre elas, as questões morais ganham destaque.

Cergiz Erisen, no artigo, “Anger in political decision making” (Politics, Oxford Research Encyclopedia, publicado em 30 de janeiro de 2020) nos oferece tópicos de exploração da definição das fontes da raiva e de suas consequências. De acordo com Erisen,

“Quando confrontado com estímulos familiares, mas desagradáveis ou ameaçadores, o sistema de disposição dá início a raiva. Esta conceituação da raiva depende substancialmente de violações de crenças e atitudes normativas. Quanto mais forte a violação de crenças e verdades normativas, mais intensas se tornam as reações à causa dessa violação.” (Cengiz Erisen, Op. cit., p. 3)

Parece perceptível que a política manifestada nas redes sociais vem a se mostrar mais exatamente a um público restrito que é aquele que, além de possuir algum vínculo de identificação com a política, converte seu interesse em voto. Mais do que isso, trata-se de um segmento da sociedade que expõe o seu posicionamento político como um emblema de modo a granjear e manter adeptos mais do que excluir os que não manifestam concordância. Esta sendo uma característica vinculada ao comportamento humano no meio digital, ansioso por definir a sua identidade em meio à massa genérica.

É nesse espaço que o que vem a incitar a raiva ganha a atenção daqueles que pretendem dominar a política que se faz na internet. Assim, informações que desagregam e que incomodam, bem como aquelas que promovem desafetos por meio de desfeitas costumam ocupar o topo na hierarquia do que vem a ser alçado à condição de trending topic.

No momento em que vivemos, esse tipo de articulação entre raiva, seu estímulo e a moralidade está abrigado pelo que é chamado por guerras culturais. É a partir daí que conseguimos identificar o que vem a provocar ou não empatia, o que gera ou não identificação. As causas identitárias ocupam um lugar privilegiado nesse quesito uma vez que são motivo de disputas envolvendo os pretensos melhores modos de educação, orientação familiar e religião.

Ainda refletimos sobre os motivos do ódio, mesmo que eles pareçam mais plausíveis, quando adentramos as dinâmicas étnicas ou religiosas, enfim, o que veio a envolver as guerras e massacres tristemente vinculados a essas motivações. O que provoca a raiva se perfaz num campo de estudos bastante prolífico para o comportamento político, especialmente quando pensamos numa abordagem multidisciplinar. Estudos focados em grupos de discussão e que são submetidos a propostas de reflexão de juízos ou opiniões sobre temas que resvalem em assuntos delicados abrem perspectivas exploratórias.

No fazer político que nos deparamos em nosso país, a economia da raiva leva em consideração os suportes metafísicos dos comportamentos dos diferentes grupos sociais que, quando vistos mais de perto, não resistem em dispor o que lhes afligem. Na obsessão da exposição do que somos, o que nos atrai ou nos repulsa, oferecemos em profusão os dados que podem ser levados em consideração para o estímulo dos piores sentimentos. Quando supomos que essa investida se dá de modo pensado, devemos também considerar se as respostas também o são. Será o universo das redes sociais, somente uma arena de exibição de pantomimas e nada mais?

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

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Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.