Behavior

Pais ansiosos por fórmulas ficarão satisfeitos com The Anxious Generation, de Jonathan Haidt?

Jonathan Haidt, conhecido entre nós pelo sucesso que obteve com a Mente Moralista: porque as pessoas boas são segregadas por política e religião (São Paulo: Alta Cult, 2020), acaba de publicar um novo livro nos Estados Unidos. Trata-se de The anxious Generation: how the great rewiring of childhood is causing an epidemic of mental illness (New York: Penguin, 2024). Os efeitos desse lançamento já se fazem sentir nas indicações dadas em algumas matérias em revistas legitimadas como a The Economist. No Brasil, o mesmo ocorre, seja nas colunas mais lidas dos grandes jornais ou através da repercussão de sua futura tradução. As ações das relações públicas não estão sendo por acaso e nem excessivas. O assunto abordado, o diagnóstico oferecido e as perspectivas de solução do problema mobilizam um exército de pais de filhos que pertencem à geração Z, aquela nascida entre 1995 e 2012. Falamos de jovens que estão atualmente entre 12 e 29 anos de idade. Mas a preocupação maior do autor está voltada para as crianças que estavam no ensino básico entre os anos de 2010 e 2015, the great rewiring of childhood, segundo Haidt.

Sendo essa a geração que acompanhou, desde muito cedo, a chegada do Iphone (2007), do smartphone com câmera dianteira e do aplicativo do Instagram para celulares, o que preocupa o autor é a substituição da vida real pela digital. Mas não somente isso. Dois pares de oposição dão suporte para a exposição do autor a partir de seu conhecimento como psicólogo social. O primeiro deles diz respeito a uma infância que era baseada nos jogos e uma outra, que passou a ter o celular como objetivo e meta. O outro contraste se passa entre o que Haidt chama de modo de descoberta e o modo de defesa, o que implica mais diretamente na responsabilidade dos pais.

Tendo a psicologia evolucionista como ponto de partida, Haidt aponta que os seres humanos demoram para sair da proteção familiar porque devem aprender a melhor se socializar e a conviver em público, conhecendo então os seus limites, as habilidades que dominam e outras que irão merecer a sua atenção por um período mais longo. Essa sendo a infância baseada em jogos. Perdemos essas possibilidades quando a infância é passada nos celulares, nas relações assincrônicas e sem a possibilidade de contato visual.

Some-se a isso, o fato de que a geração dos pais dessas crianças aceitou com facilidade e envolvimento todas as prescrições de cuidados perante os riscos da vida real. O que significa que as suspeitas para com outros adultos aumentaram, bem como a diminuição de brincadeiras que pudessem vir a colocar as crianças em riscos de queda ou outros tipos de machucados. Haidt chama a atenção para o fato de que as crianças hoje raramente brincam sem a presença de outros adultos. A partir dessas escolhas, o modo de descoberta, de acerto e erro e da aceitação de riscos, dá lugar ao modo de defesa, o que vai tornando essas crianças pouco interessadas e sem curiosidade. Como danos mais típicos à geração Z, temos as privações sociais e de sono, a atenção fragmentada e o aumento de caos de adicção.

As garotas preocupam pelo uso mais expressivo dos celulares – algo entre 40 e 50 horas por semana – por conta de serem mais afetadas pela comparação visual e pela cobrança de perfeccionismo. Elas sofrem mais agressões indiretas e relacionais, compartilham mais emoções e transtornos e costumam ser alvos de hostilização e assédio. Os meninos encontram-se desengajados e desestimulados, mais voltados para dentro e isolados. (Haidt, 2024, pp. 143-178)

Perante esse cenário, o autor propõe uma retomada do que chama de “elevação espiritual”, entendendo que a meditação, as preces ou os rituais de expiação podem rebater a degradação e a indiferença remetidos ao uso excessivo dos celulares. Mas também sugere medidas draconianas: proibição do uso de celulares nas escolas, parar de punir pais que deixem seus filhos brincarem sem supervisão de adultos e que as escolas passem a contratar professores homens para a criação de empatia com os meninos.

Ao final da leitura desse livro, permanecemos com dúvidas quanto ao diagnóstico disposto por Jonathan Haidt. As informações pareceram ser dispostas de modo pouco criterioso e o resultado geral tende ao generalismo. Os dados são majoritariamente empíricos e há menosprezo das interpretações. Fica-se na dúvida quanto às causas do problema que dá título à obra. Ou seja, temos mais casos de síndromes ligadas à ansiedade, mas estaremos certos quanto ao que sejam os motivos? E se não tomássemos os celulares como causas e partíssemos para outras hipóteses especulativas?

Entende-se a repercussão concedida à publicação desse relato, mesmo porque, somos capazes de imaginar a sua penetração, em se tratando de um livro voltado para o público dos Estados Unidos. O mesmo pode ser dito sobre o Brasil, um satélite norte-americano no que diz respeito às modas culturais. Acompanharemos então as polêmicas em relação aos casos de aumento de atendimentos nos Pronto Atendimentos e das discussões sobre a responsabilidade dos pais em relação a isso.

A mídia terá matérias garantidas sobre a repercussão da proibição dos celulares nas escolas e as propostas pedagógicas heterodoxas entrarão novamente na moda, mesmo que por pouco tempo. É provável que os nomes dos jardins de infância comecem a fazer alusão à nova tendência, algo como Pezinho Machucado ou Bate Coco. Filmes e documentários irão replicar esses comportamentos de tal forma que pais ficarão orgulhosos de exibirem os seus filhos com braços nas tipoias e fazendo contas com ábacos. Demorará um tempo para se perceber que o problema de ansiedade não estava exatamente nos filhos e nem nas escolas, mas essa será uma preocupação que somente fará sentido quando em retrospectiva.

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

Entre em contato com a coluna
labo.behavior@gmail.com

Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.