
“O respeito pela natureza como um valor único está pouco enraizado nas religiões de proveniência bíblica; é algo que pode ser dispensado. Está presente, porém, em várias religiões orientais, as quais proclamam a unidade de todas as vidas na Terra. Existe algo de atrativo e bom nessas crenças, e pode valer a pena aprender com base nelas. São provas de que o respeito pela natureza pode, em qualquer caso, ser uma recomendação religiosa”. Leszek Kolakowski. Pequenas palestras sobre grandes temas: ensaios sobre a vida cotidiana. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 120.
Os acontecimentos recentes no estado do Rio Grande do Sul trouxeram para bem perto de nós brasileiros, a preocupação com o tema do meio ambiente, das questões climáticas e do aquecimento global. Esses assuntos têm frequentado as conversas de diferentes públicos que são postos à frente de imagens que lhes dispõe aos grandes riscos e perdas quando da ocorrência de uma catástrofe natural. Insinuam-se entre nós as teorias que pretendem justificar o acontecimento, creditando-o ao acaso ou responsabilizando a agência humana.
E na medida em que nos distanciamos do evento – ou nos acostumamos a ele e já não damos mais tanta atenção às notícias – encaramos as atribuições do governo em face do que poderia ter sido realizado para a prevenção desse acontecimento: se não podemos controlar as chuvas, o que poderia ter sido antecipado como modo de diminuição dos danos que se seguiram? Porém, em se tratando de expectativas e demandas abstratas, posto que direcionadas à burocracia do Estado, somos tomados pela dispersão. Essa é a ambientação favorável à proliferação da política, daquela modalidade que se sente mais à vontade em meio à desgraça e na proximidade com oportunistas.
Essa configuração de feitos e desdobramentos reúne o que há de necessário para os estudos que visam compreender o comportamento político, em especial quando devotado à mensuração das futuras interferências nas intenções de voto. Essa é uma preocupação de pesquisadores de países em que há uma predisposição de dedicação ao exame empírico fundamentado na emergência de eventos naturais de grande monta, bem como no cotejamento com as atitudes dos eleitores. Perguntar-se sobre a alteração das intenções de voto após a ocorrência de um desastre natural foi o objetivo de Leonardo Baccini e Lucas Leemann que demostraram os resultados a que chegaram no artigo “Information and Voting – How Voters Update Beliefs After Natural Disasters” (EPSA 2013 Annual General Conference Paper 435).
De acordo com os autores, era perceptível já em 2012, a emergência dos problemas ambientais na arena política, mesmo que fosse necessário se perguntar sobre o quanto era visível a sua interferência. Notavam os pesquisadores que não havia uma conexão direta entre as preocupações que se faziam notar e que levavam em consideração os recursos naturais, o tratamento do lixo ou os alimentos geneticamente modificados e a política propriamente dita. No entanto, Baccini e Leemann esforçaram-se na associação com outros aspectos anteriormente visados por outros pesquisadores, como aqueles que buscavam examinar as opções de voto quando justificadas por interesses pessoais de curto prazo ou pela atenção às demandas que respondessem a um público mais amplo e, por isso, num prazo mais longo.
Baseando-se em dados obtidos em pesquisas realizadas na Suíça e que tratavam do enfrentamento de uma enchente, ambos os professores chegaram à conclusão de que as tragédias naturais “funcionam como propaganda e fazem bem às causas ambientais”. Além disso, os eleitores que se encontram nas áreas afetadas pelas catástrofes são mais sensíveis a redimensionarem as suas intenções de voto e isso devido a dois fatores: a experiência pessoal de perda de bens materiais bem como a pré-existência de partidos políticos ligados aos problemas ambientais e que estão presentes na região em que vivem. O exame dos dados obtidos também nos oferece a informação de que os efeitos do apoio às políticas ambientais permanecem por pouco tempo, não mais do que doze meses.
Pelo que se pode depreender, as relações entre os fenômenos naturais de grande monta e a futura intenção de voto são tingidas pelo tempo, pela desconfiança no investimento de renda na causa ambiental e pelo nível de complexidade de implicação de um responsável real pelo acontecimento.
Em se tratando de uma commodity política, as tragédias ambientais padecem da dificuldade de serem reconhecidas para além dos impactos de quem as viveu com proximidade. No momento em que ocorrem, a comoção popular sugere o comedimento das atitudes dos entes políticos e o afastamento das medidas que transpareçam puro oportunismo. Já os eleitores aparentemente mantêm as suas predileções anteriormente definidas. O investimento nas medidas preventivas pode também não se configurar numa boa prática uma vez que os resultados, se aparecerem, somente darão sinais no futuro. Ao final do artigo, temos a impressão de que os problemas ambientais não são assimilados por um público mais amplo, na mesma medida que uma crise econômica de grande monta. Minha hipótese é que se deseja o esquecimento do que venha a acontecer, mesmo porque é com grande dificuldade que o caso seria dado como resolvido: teria sido um acaso natural ou improvidência das autoridades envolvidas? Na outra ponta, qual o político contemporâneo que voltaria a sua atenção para a implementação de estratégias que somente seriam postas a prova num futuro distante? Em vista disso, parece-nos que a crise climática esteja mais próxima de ser somente uma ponta de lança na luta pela consolidação de uma campanha política frente a outra. No entanto, a sua face mais visível é aquela que se encontra nas alterações profundas que ocorrem na infraestrutura, na troca das fontes de energia como meio de obtenção de melhores resultados.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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