
Incorporar a personalidade nas nossas descrições do comportamento político requer uma mudança importante nas nossas opiniões sobre quando e como os encontros dos cidadãos com o mundo político ganham forma. Algumas perspectivas sobre o comportamento político aparentemente pressupõem que todos os julgamentos políticos são formados num instante. As pessoas recebem informações sobre um candidato ou questão, respondem a essas informações e chegam às suas próprias conclusões. Outras teorias reconhecem que os valores e as predisposições políticas das pessoas trazem continuidade às suas visões do mundo político. Assim, como exemplo, pode-se esperar que o Democrata de longa data vote de forma diferente do que o Republicano leal. Jeffery J. Mondak. Personality and the Foundations of Political Behavior (Cambridge Studies in Public Opinion and Political Psychology). Cambridge: Cambridge University Press. 2010. Edição do Kindle.
Um dos objetos que mais nos tem interessado na pesquisa em comportamento político é o do critério de escolha em quem vai se votar. Mais ainda, a nossa atenção é voltada para o modo como as pessoas envergam as suas opções políticas como se elas fossem parte de suas identidades. A literatura sobre esse tema – como se justifica a escolha política e consequentemente o voto – é por demais atraente e interessante. Antecipando-me aqui ao que virá pela frente, penso na hipótese de que nada do que supomos que tenha importância na elaboração desse critério de escolha faça sentido. Quantos outros aspectos podem nos direcionar, provocar influências ou limitarem as nossas orientações políticas? Além disso, como conseguiríamos isolar as variáveis passíveis de estudo e mensuração? Creio que sejam muitas as possibilidades, uma vez que muitos aspectos se conectam para que uma opinião seja formada, ainda mais em relação a uma coisa que não se vê como concreta: a consciência política não é algo que se consiga ensinar como se fora uma habilidade que se aprende a partir de exercícios periódicos, como saber andar de bicicleta ou uma nova língua.
Semelhantes perguntas sobre os motivos de se crer em uma ideologia, bem como os respectivos políticos que as representam, fazem parte do repertório introdutório à pesquisa em comportamento político. As linhas de raciocínio opõem a razão à emoção e bem podemos constatar isso através da observação. Nas conversas sobre política, percebemos argumentos que mimetizam a lógica como meio de convencimento do outro. Quem já não passou por uma discussão desse tipo em que se escuta uma sequência de raciocínios aparentemente matemáticos e que clamam pela aceitação incontestável? Já a emoção pode ser percebida na excitação provocada nas redes sociais a partir de temas delicados e que costumam incentivar o engajamento. Nesse caso, difícil se ter certeza sobre o que de fato está por trás das escolhas uma vez que elas se configuram como respostas aos sentimentos que são estimulados.
Gwyneth McClendon (Envy in Politics. New Jersey: Princeton University Press, 2018), em obra já mencionada aqui e pertencente às publicações da Princeton Studies in Political Behavior, nos apresentou os resultados de uma pesquisa cujo foco estava na percepção de que as escolhas políticas estariam relacionadas ao receio individual de se ser superado por outras pessoas, o que motivaria a inveja. Para a autora, haveria a aspiração por trazer para baixo aqueles que são melhores, bem como a busca por satisfazer o desejo de se despontar no ranking das opiniões dos outros. As participações mais ruidosas nas campanhas políticas também seriam meios para se mostrar como alguém a se confiar no grupo social a que se pertence. E, uma vez que esses fatores não são conscientes, o aspecto motivador da emoção ganha relevo.
Em 2012, Betsy Sinclair caminhou na mesma trilha. Em obra que faz parte dos Chicago Studies in American Politics, a pesquisadora se opôs à interpretação corrente de que as escolhas políticas por parte do cidadão eram estabelecidas de uma maneira diferente das pessoas comuns – como se essas personas não fossem as mesmas. Uma vez que se acreditava que o comportamento político se distinguia dos demais – o que gostamos de fazer, lazeres, comidas, etc. – julgava-se que eles não viessem a se aproximar. Sinclair (The Social Citizen: Peer Networks and Political Behavior. Chicago: The University of Chicago Press, 2012) demonstrou que os indivíduos se engajam em redes de sociabilidade cujos participantes possuem comportamentos similares, ou seja, não se obtêm somente informações – como se acreditava que fosse – mas sim influências diretas sobre o próprio comportamento político.
Os resultados de ambas as pesquisas nos conduzem à reflexão sobre o que seria motivador de uma escolha política na medida em que muitos são os aspectos envolvidos. Imagine então se colocamos outros fatores como, por exemplo, a presença da família ou o modo com que cada um de nós se relacionou com ela. Esses elementos somados nos conduzem a uma situação em que as nossas posições políticas podem ser somente consequências de experiências pessoais. Como conseguiríamos alcançar a generalização? Na prática, se essas dúvidas não vêm à tona, muito provavelmente é porque o mimetismo em relação ao ordenamento racional se perfaz também em meio de convencimento. Quanto mais parecemos lógicos, mas acreditamos que poderemos ter eficácia no alcance dos nossos objetivos.
Um aspecto a mais e que me parece uma proposta igualmente atraente é o do mapeamento do que vem à luz quando se pensa em política. O que diferencia o pensamento político de outros? Por que algumas pessoas se interessam pelo tema e outros não? O que estaria na origem desse interesse? Quais habilidades podem ser exercitadas e dominadas na direção de se melhor pensar e agir politicamente?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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