
Quanto mais experiência temos no exercício de votar, mais alcançamos a percepção de que os candidatos, quando eleitos, se parecem entre si. Em especial quando pensamos naqueles que se apresentam para os postos do executivo. Salvo uma situação ou outra – lembramos aqui de Celso Pitta e de Dilma Rousseff, ambos manifestadamente ineptos e despreparados para os postos que assumiram – conferimos que não há tanta diferença assim, ainda que os casos de corrupção mais propalados e escandalosos da República tenham sido capitaneados por administrações petistas. Devemos sempre recordar de modo objetivo que o segundo governo de Dilma Rousseff conseguiu derrubar mais o PIB brasileiro do que os anos de pandemia foram capazes de fazê-lo. Lula foi o presidente mais envolvido em casos de corrupção, atributo para o qual ele não encontra rivais na história da república brasileira. Foram dois mandatos comprometidos com o uso indevido do dinheiro público e que terminou num caso, em que uma decisão individual do STF, absolveu todos os políticos envolvidos na operação Lava Jato, mesmo que mantendo algumas pessoas detidas por terem participado de um esquema ilícito que o próprio STF diz que não existiu. Nessas horas, penso sempre em como explicar essa história para um estrangeiro.
Jair Bolsonaro, de modo objetivo, não constituiu nenhum caso rumoroso de corrupção. Seus erros mais aparentes foram o de se manifestar de modo atabalhoado e bruto durante a pandemia que ceifou milhares de vidas em nosso país. Além disso, morreu pela boca, pelo excesso de comentários e falas indecorosas e que não convinham a alguém que ocupava o posto maior do executivo brasileiro. Transformar o exercício da presidência em algo próximo de uma seita está longe de ser adequado. Lembrando que no primeiro mandato de Lula, Dona Marisa alterou o paisagismo do Palácio do Planalto, colocando uma grande estrela vermelha de flores. O modo de governar como se o executivo fosse um puxadinho já vem de longa data, ainda que as coisas tenham piorado ao longo do tempo. A informalidade fez muito mal à política, rebaixando a todos, eleitores, políticos e jornalistas e isso é muito ruim para todos.
Mas se de modo objetivo – a repetição aqui, importa – , encontramos algo de bom ou de mau para cada caso, porque alguns de nós ainda acham que há alguma reserva moral na escolha de um lado ou outro? Por que nos deparamos com pessoas que se julgam como mais ciosas da manutenção da lisura pública e mais afinadas com o que quer que se pareça um lastro de virtudes?
Não me ocorre um caso mais emblemático do que a chegada e a sustentação de Hitler ao poder. Aqui sim, é óbvio que a reserva moral se encontrava nos poucos dissidentes que não manifestaram apreço ao ditador. Porém, até mesmo o caso de Lenin pode ser repensado, uma vez que a continuação do regime czarista poderia sim reverter a crise econômica e social que abalou a Rússia. Experiência para isso o regime possuía, até mesmo porque demonstrou não ser imune aos ventos da modernização ainda nos séculos XVII e XVIII. Ou seja, podemos contestar todos aqueles que se manifestaram de modo autoritário apontando que a relação de custo e benefício esteve longe de ser favorável. Por que algumas ditaduras são mais aceitáveis que outras é uma pergunta que, por não ter resposta, tem como consequência o afastamento da reflexão política de qualquer expectativa racional ou imparcial. Ou então, vejamos como são tratados pela mídia dita progressista os casos de assédio sexual promovidos por pessoas que tenham afinidade pela esquerda ou pela direita. A depender do governo a surpresa e a persistência da notícia variam amplamente. Se delitos assim ocorrem com o primeiro escalão de um governo de esquerda, eles são tratados com a introspecção de um luto e se na direita, com fogos e fanfarras. Compare-se o tratamento midiático dado a Robinho, Daniel Alves e Sílvio Almeida. O modo como jornalistas passam o pano em alguns cidadãos e deploram a existência de outros afasta qualquer esperança de objetividade na interpretação ou na análise políticas. Claro está que a polarização não é filha única dos partidos de direita. Cabe à imprensa, grande dose de responsabilidade do inferno político em que vivemos.
Isto posto, retomo aqui a minha pergunta. De onde as pessoas tiram essa crença de que há fundamento moral para a escolha de um candidato aos executivos brasileiros, no município, no estado ou no âmbito federal? Creio que não há esse lugar e por isso eu somente posso me deter nos aspectos pessoais e subjetivos. Acredito que seja uma exibição de si próprio, uma das maneiras de se fazer marketing pessoal e ressoar no grupo a que se pertence. Creio também que tais manifestações se devam às diferenças havidas para com aqueles que se guarda algum ressentimento, uma maneira então de aparecer e de se ganhar destaque, por contradição, não muito diferente do comportamento de crianças birrentas e geniosas.
Tendo a crer que se trata mais de um blefe moral do que verdadeiramente um tema político. Política no Brasil, todos sabemos, é um caso de compadrio. Vota-se naquele que pode dar continuidade ao exercício livre de uma patota que se aboletou no poder. O bem público em nosso país é uma abstração oportuna para todos aqueles que estejam por perto dele. Políticos de A a Z, desejam que o brasileiro vote menos e que vote mal como quase sempre o faz. Como nos lembra Jason Brennan, fôssemos como os vulcanos e escolheríamos os políticos com a frieza de quem busca alcançar o antibiótico que possa dar conta de uma nova cepa de bactérias.
Portanto, parece-me constrangedor que se saia por aí proclamando o seu voto como se ele fosse o mais puro, o mais correto e preocupado com o bem de todos e da nação. Entendo que essa manifestação seja mais uma decorrência da divisão entre uma camada bem nascida e outra que para sempre é colocada no patamar da ignorância sem salvação. Um saco e um porre cruzar com pessoas que se vangloriam de suas escolhas políticas como se elas fossem o último bastião da dignidade moral. Quem eles pensam que são?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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