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Para aqueles de nós que mendigam premiações

Alfred Jarry (1873-1907), mais conhecido como o autor de Ubu Rei, veio a arriscar-se numa produção insólita para o teatro. Tratava-se de uma peça por ele pensada em que os atores seriam atados a fios e seriam manipulados como títeres por marionetistas. Identifiquei-me com essa proposta pois eu também sentia um constrangimento que ocorria quando os aplausos eram manifestados ao final de uma encenação. Ambas as coisas estavam próximas para mim. Mendigar aplauso era algo que me incomodava, mas não era somente isso. O endeusamento da classe artística também provocava ruído.

Gosta-se de um ator, uma atriz ou diretor, não exatamente pelo que ele pensa, mas sim pela qualidade do que realizam como profissionais da área. Estranho então quando nas entrevistas, pedia-se para que os artistas se manifestassem em relação a um tema fora do seu domínio de conhecimento. Qualquer groselha que era falada repercutia, claro, se o entrevistado fizesse parte de uma patota específica. Por aqui, a sombra de uma esquerda insossa abre as portas da máfia cultural. Até filhos de quem enriqueceu na ditadura ganham espaço, mesmo porque, como dizia Monteiro Lobato, quem se mete na cultura se trata de um “bicho caspento e sempre com o almoço em atraso”.

A cultura do entretenimento soube acolher melhor os artistas uma vez que eles faziam campanhas de Natal, participavam de eventos filantrópicos e tinham a sua vida pública dirigida por um profissional de relações públicas. Época boa em que temas fora do contexto do que faziam os artistas não eram abordados por eles, mas por pessoas que conheciam esses assuntos. Compare: o que ganhamos de conhecimento com gente como Sean Penn, Roger Waters, Bono Vox, Sting ou Mark Ruffalo se pronunciando sobre os indígenas da Amazônia, as queimadas Brasil afora ou sobre a política internacional? Somente acrescentamos o fato de que essas personalidades se esforçam em sair de suas casinhas e em granjear atenção midiática provisória. Poderíamos crer que se trata de uma solução para o tédio, mas não. Artistas gostam de holofotes e fazem qualquer coisa para chamar a atenção, até mimetizarem inteligência.

Mas essa confusão de expectativas – esperamos que atores atuem, que professores estudem, médicos curem e padeiros façam pão – é oportuna e não é difícil de compreendê-la. Os aspectos tomados pela emoção – poderíamos dizer aqui, manipulação? – engajam um número mais expressivo de pessoas do que a Crítica da Razão Pura. E daí, é só um passo para ser convencido de que deve se levar a sério os fingidores. Penso na tradição norte-americana de produção de cinema e constato que a era de ouro no século passado promoveu obras que embalavam os sonhos de pessoas que sofriam nas guerras e que penavam para pagar as suas contas. Vendedores de ilusão poderia ser dito, mas ilusões providenciais para um tempo de privações.

Não é o que se vê hoje pois o cinema foi tomado pelo wokismo. Chega a ser irritante a manipulação contemporânea para se fazer emocionar num filme que aborda as causas identitárias ou os períodos totalitários do passado. O cinema foi conquistado pela publicidade e nos sentimos como idiotas que se emocionam com uma campanha de presunto na família feliz do café da manhã. É isso que atores e diretores fazem, o que os coloca para bem longe da boa herança literária que forjamos no passado bem distante.

Volto ao início do que escrevi e faço aqui uma confidência. Vejo nos atores o domínio de uma técnica que é a da interpretação de personagens. Não levo a sério as escolas de interpretação da mesma maneira que a epistemologia em Platão, o niilismo em Nietzsche ou a longa duração em Braudel. Vejo-as como habilidades que podem ser associadas a tantas outras, como o domínio do conhecimento sobre a mecânica de automóveis ou sobre a gastronomia. Não me encontro tão distante do que Aristóteles disse na Poética.

Atores podem ser pensados como especialistas na imitação, inclusive de coisas. Imite uma porta ou um pneu furado é algo que pode ser proposto, muito mais do que uma metafísica. O risco aqui é o de parecer coach, estimulando e envolvendo as pessoas com alusões à esperança na política, por exemplo. Esse é o sentimento piegas que nos chega, uma vergonha alheia, quando somos embalados pelo sentimentalismo mais barato articulado pela interpretação que condiciona essa situação.

Uma manifestação dessa breguice é a que ganha corpo quando da proximidade da premiação do Oscar. A cerimônia em si é para lá de brega. Trata-se de uma festa feita por americanos e para americanos e, para a qual não fomos convidados. Temos uma relação bipolar com esse prêmio. Não pega bem dar valor a ele, posto que ianque. Mas a classe artística como um todo, vibra quando da possibilidade de ganharmos uma estatueta: até colocam as melhores roupas que possuem para a participarem da festa. Do ponto de vista do comportamento, é interessante observar o que se fala antes da premiação e depois, quando sequer uma indicação um filme nacional consegue.

Todo ano, um sete a um.

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

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Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.