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O Brasil todo é uma imensa fake news

Não há consenso sobre a democracia, o que ela é, qual a sua natureza ou como ela deve se comportar, ao menos em nosso país. Por aqui não notamos ou percebemos raízes liberais, nos moldes do que se pode observar em países como Estados Unidos ou Inglaterra. Dependemos da autoria dos outros e copiamos o que quer que venha a acomodar a mesma situação de sempre. Estão corretos no diagnóstico os movimentos identitários quando apontam que pouca ou nenhuma modificação pode ser encontrada em nosso país para a maioria não branca.

Possuímos uma forte herança que aponta para o controle, seja ele capitaneado pela direita ou pela esquerda. Lembrando aqui que ambos os matizes costumam ser convenções somente. Em nossa história nenhum rompimento de maior monta ocorreu, o que favorece pensar que as ideologias se equivalem quando se alcança o poder. Sugiro aqui que comparemos a história recente do Brasil com a da Colômbia.

A bola da vez é o controle da internet. Tem-se como hipótese a convicção de que as fakes news fazem mal à democracia, uma vez que induzem o povo ao erro. Quem constatou isso? A mídia que faz coro ao viés de esquerda. E de que maneira? Somente por entender que fake news é um atributo e responsabilidade dos que fazem a oposição a essa ideologia.

O leitor que tenha passado por alguma situação em que se viu trapaceado por alguém em algum tipo de serviço bem sabe sobre o que estamos abordando. A menção à democracia ou à Constituição de 1988, aos direitos adquiridos, à liberdade de expressão, dentre outras, nada mais são do que artifícios e estratégias para a mais completa falsificação, um tipo de fake news avant la lettre.

Se antes tínhamos na imprensa a possibilidade de se vislumbrar alternativas, hoje temos jargões, frase feitas e chavões, nada mais. Leitores atentos podem identificar quais são as fontes dos jornalistas, em especial os que esboçam opiniões. Não há apuração, mas sim transcrição do que foi obtido. Quais são os argumentos daqueles que clamam pelo controle da internet? Podemos de fato crer que essas pessoas estão preocupadas com a democracia ou com o povo que pode vir a se enganar? De que lugar neutro elas falam?

Acompanhamos os ultimatos da Advocacia Geral da União em relação às alterações lideradas pelo proprietário da Meta, Mark Zuckerberg. Pergunto: isso e sério? O Brasil se sente na condição de poder pressionar o CEO da Meta? Leio no Estadão que a AGU fará pressão às mudanças de posicionamento da Big Tech uma vez que ela pode ferir o estado de direito no Brasil. Dá para acreditar nisso?

Você conhece alguém que tenha levado a sério uma fake news? Eu me refiro aqui àquelas mais ruidosas, do tipo terraplanismo. Elas são risíveis e facilmente identificáveis. Em nada se distinguem da propaganda política de esquerda quando divulga que será capaz de fazer um bom governo, de que irá validar a constituição e de que lutara pela liberdade. Nenhuma situação concreta dá suporte a essas informações. Vamos tomar aqui o exemplo de uma nação que de fato se preocupa com os seus cidadãos: Israel. Além do antissemitismo camuflado em defesa dos aparentemente mais frágeis, o que deve ser levado em consideração é o estranhamento com um país que defende a sua população. Você já viu algo assim no Brasil?

Essa coluna foi escrita em Bogotá, Colômbia, onde me encontro. As comparações com o Brasil são inevitáveis. Boa parte da cidade possui prédios com sete andares o que nos faz lembrar de Paris. As calçadas são largas e os canteiros centrais com muitas árvores, amenizam bastante a paisagem. As cordilheiras dão um toque final e são repletas de matas. Não são ocupadas por moradias como as que conhecemos, sem nenhum tipo de saneamento público. Anda-se pela cidade e se sente seguro em fazer isso. O cidadão de Bogotá não é estressado como o paulistano. O trânsito é lento e até mesmo fora do rush, os carros raramente passam de 50 Km por hora. Nas cidades médias, percebe-se a onipresença do narcotráfico. Como esquecer que a Colômbia é a maior produtora de cocaína do mundo?

Automóveis caros, lojas de marcas famosas ou a exibição de riqueza nos fazem lembrar da economia das drogas. Os muitos estabelecimentos comerciais, sendo eles populares ou não, somente aceitam dinheiro em espécie e isso amplia a percepção de que um estado paralelo esteja presente. Nas ruas, a presença do exército é constante. Nos locais em que houve histórico de presença do cartel liderado por Pablo Escobar ou das FARC, o exército se faz presente e conta com o apoio da população. Ao sair de uma curva das estradas nas montanhas, tem-se por hábito mostrar o polegar para os soldados que respondem da mesma maneira. É uma forma de reconhecimento de que o Estado garantiu a segurança de todos. Em tempos recentes, tais regiões eram alvo de sequestros.

Diferente do Brasil, nas cidades da Colômbia, tem-se a sensação de que o Estado persiste na luta contra o crime, algo que sequer podemos sonhar em nosso país. Escolhemos o lado errado e temos uma elite miserável que somente pensa em si e se protege igualmente de modo privado. A pior elite é aquela que se julga ilustrada o suficiente para exibir-se como superior aos seus conterrâneos mais pobres e ignorantes.

Acompanhar as notícias do Brasil quando não se está nele nos dá uma imensidão de vergonha alheia. Miseráveis que somos, até os incêndios de Los Angeles preocupam mais pelo adiamento dos indicados ao Oscar de 2025 e isso porque uma atriz brasileira pode ser escolhida. Um jovem tenista vem sendo incensado como a maior promessa em décadas. Há o receio de que o PIX venha a ser alvo de impostos e o governo reage como sendo fake news: por que será? Os governos de esquerda raramente pensam em criar novos impostos ou aumentar os já existentes. Kkkkk

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

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Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.