
“O político sabe, ou deveria saber, que a ética para o jornalismo é como o diálogo para eles: um atributo imaginário para usar como coringa da conveniência”.
Teodoro León Gross.
Acordar na expectativa de ler o jornal que acabara de chegar. Ou, então, topar com ele na madrugada, assim que foi atirado por sobre o portão de sua casa. Ter o prazer saciado ao ler o seu colunista preferido, muitas vezes um correspondente estrangeiro situado em Londres, Tóquio, Pequim, Paris, Buenos Aires ou Nova Iorque. Aprender com a leitura e interessar-se por um livro ou filme que foi citado. Levar um dos temas ali conhecidos para comentar em uma aula ou mesmo com os colegas de faculdade ou trabalho. Deter-se em uma matéria que se publicava por uma ou mais semanas, repleta de fontes e de informações bem apuradas e sequer suspeitar que elas não foram checadas por no mínimo três vezes.
Essas lembranças nos remetem a um momento em que o jornalismo tinha peso, o que pode ser notado pela sua presença em tantas situações cotidianas. Não esqueço aqui da importância em relação à política, uma vez que os debates que ocorriam eram pautados pelo que conhecíamos a partir do que líamos. Todos esses aspectos e tantos outros mais demarcavam a validade do jornalismo uma vez que a sua presença era notada sem que tivéssemos que nos referir a ele com autoelogios.
Bem, isso está muito longe do que hoje ocorre. Fora do convívio com a classe dos jornalistas, articulistas ou editores, são poucas as pessoas que manifestam interesse pelas notícias publicadas pelos órgãos de imprensa. Blogs, podcasts ou os acontecimentos dispostos nas redes sociais ocupam o principal lugar em se tratando da oferta e procura por informações. É desse diagnóstico que trata Teodoro León Gross em La Muerte del Periodismo: como uma política sin contrapoder degrada la democracia. (Barcelona: Deusto, 2024). São vários os motivos e muitos os insights bem trabalhados que essa obra nos oferece. Abordemos alguns aqui.
O jornalismo hoje ocupa uma posição secundária e a crença de que se trata do quarto poder nada mais é do que um mito. Um mito que recupera uma nostalgia, não em referência a um passado enobrecedor, de guardião da liberdade, mas sim em relação ao poder e a influência que já não existem mais. Pensemos aqui: em meio ao cinismo contemporâneo que a tudo corrói, por que ainda nos deparamos com uma instituição que se vangloria de ser a última base de resistência frente aos totalitarismos sempre a espreita para solapar a liberdade de expressão? Em um contexto em que a verdade se tornou volátil, de onde os jornalistas tiram os autoproclamados elogios ao seu papel de defensores da justiça, da liberdade e da democracia? Poderiam enrubescer quando assim se manifestam e por não fazerem isso, tendem mais ao deboche. No mercado das informações, a imprensa tradicional perde de lavada e o consumidor não está nem aí para a hierarquia que pressupõe melhores ou piores divulgadores de notícias. As eleições mais recentes têm demonstrado isso. Há uma contaminação generalizada que parte das mídias sociais, em especial dos chamados influencers – alguém que é famoso somente por ser famoso – que conduziu a mídia tradicional à formação de uma falange homogênea de opiniões e isso porque elas são muito mais baratas que as matérias investigativas. Para Gross, quando a imprensa toma um lado e milita por causas políticas, ela passa a fazer parte do problema que deveria analisar ou conhecer. O resultado é que o jornalismo – título que já não diz respeito ao que antes havia nos séculos passados – tornou-se supérfluo, previsível e descartável. Uma vez enviesado, o que diferencia o jornalismo de um influencer ou um coach? Sem restrições para professar a sua fé – a militância em uma causa -, o jornalista deixa de nos surpreender e não nos leva mais a pensar, mas somente a confirmar o que antes concordávamos ou não.
Uma vez entrando na arena política, o jornalismo é engolido por ela. Nas campanhas, os políticos já não temem o jornalismo e por vezes, a menção a um escândalo pode vir a catapultar um candidato muito mais do que comprometê-lo. Nos debates em que um político é perguntado por uma frente de jornalistas, seus assessores já sinalizaram quais serão as perguntas, uma vez que elas se sujeitam ao viés daquele jornalista em especial ou do órgão de imprensa que ele faz parte. Isso pode ser constatado no desempenho do candidato Pablo Marçal no programa Roda Viva, da TV Cultura. Conhecedor do funcionamento das redes sociais, Marçal antecipava-se a todas as perguntas antevendo quais seriam e o que abordariam. É isso o que Teodoro Gross notifica quando diz que quem pauta o jornalismo são os próprios políticos e não mais os jornalistas. O mesmo pode ser percebido no contato diário com alguns dos mais conhecidos órgãos de imprensa tradicionais. Quem aqui já não sabe antecipadamente o que tal ou tal articulista vai falar em relação a um tema que esteja causando? A nossa certeza – um imenso déjà-vu – é a mesma quando comparada à fala de um político de qualquer agremiação partidária. Mas é isso que buscamos quando queremos notícias? É isso que faz do jornalismo uma descoberta do que aconteceu e que você não sabia? O nivelamento das opiniões é um sintoma da imposição da selvageria promovida pelas redes sociais. Pense nisso quando reparar que já quase não encontramos mais articulistas que venham a se distinguir pelas opiniões dissonantes e embasadas que nos oferecem. Temos à frente um grande batalhão de irrelevância de tal forma que até crises conjugais ou quem pegou ou deixou de pegar alguém ocupam o espaço antes ocupado pelas notícias. Irrelevância aqui é sinônimo de mediocridade.
Quer mais? Fake News é a informação que não me agrada. Ela também é uma acusação que nos recorda da reserva de mercado do jornalismo tradicional, o que é um paradoxo, uma vez que ele já não nos informa mais e nem se dá ao trabalho de fazer isso. Em uma passagem do livro, Gross nos lembra que estamos às voltas com o jornalismo de declarações, o bafafá sem nenhuma checagem que mais se aproxima da boataria. Gideon Lichfield em The Economist, citado por Gross, aponta que “a ideia é de que as notícias não são o que há de novo, mas sim o que foi dito por alguém importante, sem importar realmente, se é verdade ou não” (p. 181). Fact-checking? Estão muito distantes da segurança que pretendem nos oferecer uma vez que eles – quem não vê isso? – não são neutros, mas sim comprometidos e enviesados. Se a imprensa já não busca diferenciar notícias de opiniões, que lugar paradisíaco e seguro seria esse do fact-checking? Ele nada mais é do que outro elemento da reserva de mercado do bem. Os irmão Marx citados no livro, resumem bem esse caso: “Esses são os meus fatos. Se você não gosta deles, tenho outros”.
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447
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