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O wokismo não deixará nenhuma saudade: melhor para as causas que o movimento fingia defender

A brincadeira woke pode bem ter chegado ao fim. Nesse espaço, não foram poucas as vezes que nos remetemos aos autores que indicavam os equívocos dessa moda. Valem retomar alguns desses argumentos no que eu entendo que seja um necrológio.

Como a maioria das epidemias culturais, a moda woke começou nos Estados Unidos a partir de três espaços: as universidades, a imprensa e a indústria do entretenimento/publicidade. Coube ao circuito universitário a legitimação acadêmica, o que significa dizer que uma nova expressão ou o uso não convencional de um pronome, poderia contar com três ou quatro autores que viriam a justificar a sua pertinência. A argumentação pendeu mais e mais para o ativismo, ou seja, não poderia ser questionada ou ter a sua validade posta em dúvida sem que uma mobilização fosse feita. O espírito hooligan passou a fazer parte de bancas de doutorado ou de cancelamentos de quem se valesse do direito de pensar diferente.

Havia intelectuais que perceberam esse grave problema de imediato. Frank Furedi foi um deles em seu What’s Happened To The University? A sociological exploration of its infantilisation (London: Routledge, 2016) e Bruce Bower, The victims’ Revolution: the rise of identity studies and the closing of the liberal mind (New York: Broadside Books, 2012) foi outro. Essas obras jamais foram traduzidas no Brasil, o que é um sintoma do quadro que pretendemos diagnosticar.

Ungida pela universidade, a imprensa tomou para si a pauta nesses assuntos, o que veio a contar com leitores/consumidores durante um tempo, até mesmo porque havia algo de novidade em meio a isso tudo e que veio a despertar o interesse no curto prazo. Além disso, como disposto por autoras como Helen Smith no Men on Strike: Why Men Are Boycotting Marriage, Fatherhood, and the American Dream – and Why It Matters (New York: Encounter Books, 2014) que tratava do aumento significativo das mulheres nas universidades, o tema de gênero granjeou atenção repentina no que pode ser visto como uma demanda contida por esse tipo de assunto. E, em se tratando da mídia, o uso criativo de estatísticas que flagrassem privilégios vinha indicado como comprovação expressa de preconceito. Quem poderia se arriscar contra números?

Já a indústria do entretenimento/publicidade contava com as habilidades necessárias para se fazer chorar, se emocionar ou se indignar com histórias protagonizadas por grandes nomes por trás e à frente das câmeras. Esses três pilares, caminhando lado a lado, vieram a produzir uma pseudorealidade, ou se quiserem, um falso consenso. Digo falso, uma vez que sempre relativo a uma bolha que se sentia atualizada ou na moda. Sempre bom lembrar que uma parcela letrada da sociedade cruzava com esses indicadores de comportamento nas universidades em que estudaram, nas reuniões de escola fundamental, caso tivessem filhos, nas pautas de trabalho, se trabalhassem no campo da comunicação, nos filmes e séries que eram vistas ou recomendadas, na orientação de voto nas eleições, etc.

Nada disso nos oferece garantia de que houvesse conexão de crença com as causas professadas e, conhecedores que somos do cotidiano de sobrevivência no Brasil, acreditamos que nada mais se tratasse, se não de uma espécie de camuflagem em meio aos ambientes compartilhados. Por aqui, em tempos mais radicais, as oposições de pensamento somente são descobertas na posteridade.

A bolha woke foi sendo furada por autores como Olufemi Taiwó, em Elite Capture: how the powerful took over identity politics (and everything else) (Chigago/Illinois: Haymarket Books, 2022) e John McWhorter em Racismo Woke: como a militância traiu o movimento antirracista (São Paulo: Faro Editorial, 2024). E aqui, um aspecto de muita importância: para esses pesquisadores, o movimento negro e sua luta contra o racismo teria sido sequestrado pelo mainstream cultural, e vendido como se fora uma preocupação legítima. Qual o real comprometimento das grandes produtoras de audiovisual ou das marcas (a partir do frágil e lacrimogêneo conceito de storytelling), senão com os resultados em dólares? Repetimos aqui que se trata de uma contradição ao toparmos com instituições bancárias preocupadas com causas minoritárias…

Agora, o último respiro dessa investida busca associar as críticas recebidas à emergência da direita nos Estados Unidos usando do artifício da teoria da conspiração. E como estamos na área da oferta e procura de ilusões, procura-se tornar a recepção refém do medo de que as minorias identitárias percam as conquistas que tiveram. Enfim, nada do que uma classe que tenha farejado a sua obsolescência não viesse a fazer.

Em relação ao wokismo, não estamos falando de crenças, teorias, oposições e debates, mas sim de orçamentos e de uma economia. No presente momento, ela está dando sinais de fadiga. Em meio à tragédia cultural que a tudo devasta, topar com wokes ressabiados faz a gente ganhar o dia.

Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

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Sobre o autor

Fernando Amed

Doutor em História Social pela USP. Historiador pela FFLCH da USP, professor da Faculdade de Comunicação da Faap e do curso de Artes Visuais da Belas Artes de São Paulo, autor de livros e artigos acadêmicos. Coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Comportamento Político do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo/PUC-SP – LABÔ.