
Os experimentos políticos das últimas eleições têm oferecido subsídio para que avaliemos a questão do critério de escolha. Teorias já creditadas e provisoriamente em suspensão relatavam que as escolhas políticas poderiam ser racionais, isto é, seguidas dos elos de causa e efeito. Atualmente em baixa, essa interpretação encontra-se desacreditada e o que mais encontramos é o entendimento de que os estímulos emocionais é que estejam de fato dando as cartas. Claro está que esses juízos se manifestam a partir de testes aos quais são submetidos os participantes.
Não me encontro aqui munido de mais dados que não aqueles que me chegam através da observação e da especulação, o que pode ser feito a partir de uma sensibilidade cética, pronta para se indispor contra o que venha a se assentar como um dogma. Penso aqui que o senso comum maturado e fermentado nas esferas mais intelectualizadas ofereça perspectivas de aprofundamento ou, no mínimo, de identificação de situações.
Em se tratando da política, creio que eu não me equivoque por acreditar que esse seja um tema para o qual não se exige nenhum aprofundamento mais sólido que venha a antecipar a tomada de posições ou a manifestação de um juízo. Não se exige tipo algum de legitimação para se falar e se posicionar sobre esse assunto, aguardaríamos a mesma coisa de uma declaração mediada pelo domínio técnico. Sabemos inclusive que a democracia ganhou corpo naqueles locais em que a política foi compreendida como uma matéria adequada à opinião de qualquer pessoa, sem importar quase nada que a qualificasse.
Sendo então uma conversa para o qual todos estão convidados a participar, sem que um preparo específico seja pré-requisito, não devíamos nos surpreender com o que se é escolhido a partir da dinâmica do voto. Foi por isso que Jason Brennan optou pelo absurdo para procurar demonstrar a ausência completa de virtudes presentes nas escolhas políticas pois o resultado pouco seria diferente se ele pudesse ser alcançado pelo sorteio. Com essa hipótese, o autor nos dirige para a impossibilidade de se chegar a um bom senso na escolha de um candidato, uma vez que o que se apresenta como critério é o que foi erigido por alguém que desconhece o assunto em que vai opinar.
E se manifestamos dificuldade para uma tomada de decisão que venha a envolver um número bem menor de pessoas, essa situação somente piora quando pensamos em milhões de indivíduos. Não tenho dúvidas que se consiga manifestar individualmente e apontar a motivação quanto a escolha de um candidato com a exuberância de quem tem a certeza de que fez a escolha mais correta. E entendo que é por isso que a lenda da democracia tem vida longa no contemporâneo uma vez que cada um pode fazer o seu cercadinho digital, brincar com tesoura, cartolina, cola e massinha de modelar sem que ninguém venha lhe chamar para almoçar ou para fazer uma tarefa. Associo essa percepção à desenvoltura de quem surfa na viabilidade da opção eleitoral consciente.
Já o movimento coletivo é mais misterioso, mas não menos atraente quando tomado como objeto de estudos. Dada a impossibilidade cada vez maior na elaboração de critérios de escolha em meio a um mundo atento em intuir e satisfazer o nosso próximo desejo, noto a dificuldade de distinção dos lugares que se destinam a ofertar o que pode ser escolhido. Essa tensão ganha expressão quando aproximo os pensamentos ao estilo que se busca ou ao temperamento que individualmente se tem. É assim que percebo que novidades podem chamar a atenção e por isso muito se repete ainda que oferecido em novas embalagens que podem inclusive mais clamar pela nossa atenção do que aquilo que esteja dentro delas.
No entanto, se no exercício da aquisição, arcamos com as consequências do benefício perante o custo, na política esse argumento parece não ter validade alguma. A disposição presente no momento de decisão – da compra de um produto ou serviço ou da decisão do voto – pode se assemelhar, mesmo que a avaliação futura seja completamente outra. E uma vez que os resultados das escolhas políticas levam tanto tempo para se manifestarem, sequer contamos com a imediatez da revisão das nossas opções. Mas mesmo assim, tais opções podem se consolidar a partir de insights: o voto impulsivo sendo aquele que sequer se predispõe ao que virá adiante, mas que apenas satisfaz o desejo mais imediato de definição
E se a teoria do outsider ganhou proeminência nas últimas eleições, sugiro aqui que pensemos em outro tipo de encaminhamento. Falo aqui da relação entre a ausência de repercussão imediata das escolhas políticas e a elaboração dos critérios de chegada ao voto. Um suposto argumento a favor dessa hipótese é a do desembaraço das preocupações com o que venha a se seguir após o resultado das eleições. Democracias maduras podem estar demonstrando que os votos deixaram de ser levados com seriedade e que esteja pavimentado o percurso rumo à experimentação mais irracional. E se a era do político lacrador já tem se manifestado entre nós, o que poderia ser providenciado para que o critério de escolha fosse aprimorado? Alguém teria uma sugestão?
Veja a LABÔ Lecture com Fernando Amed:
https://offlattes.com/archives/12447

